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A impossibilidade de modulação de efeitos na revisão da vida toda

João Badari

A modulação seria um salvo-conduto para que a Autarquia continue cometendo ilegalidades com os mais necessitados, sem precisar arcar com as responsabilidades impostas pela lei.

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Atualizado às 08:17

A oposição dos embargos de declaração no Tema 1102 se mostra como uma tentativa da autarquia, de forma frustrada, desvirtuar o art. 927, §2º do CPC, cujo teor dispõe que serão observados os enunciados de súmulas vinculantes, bem como as decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade, os acórdãos em julgamentos de recursos extraordinários repetitivos e os enunciados das súmulas do STF.

Entendemos que 7 critérios impedem a modulação de efeitos na RVT, são eles:

  1. Vai contra o art. 103, parágrafo único, da lei 8.213/91 que prevê a prescrição quinquenal;
  2. Fere a segurança jurídica;
  3. Inexiste relevante interesse social;
  4. Os dados de impacto econômico e impossibilidade estrutural, utilizados pelo INSS, não refletem com a realidade da ação;
  5. Não ocorrência de mudança jurisprudencial (overruling), e sim a reafirmação de posicionamento da Corte;
  6. Não ocorrência de declaração de inconstitucionalidade da norma, e sim a interpretação normativa e sua aplicabilidade ao caso concreto (hermenêutica);
  7. Já existe modulação trazida pela lei 8.213/91 em seu art. 103 (previsão de decadência e prescrição quinquenal).

Passamos agora a tratar dos critérios que impedem a modulação de efeitos neste direito dos aposentados.

Não ocorrência de mudança jurisprudencial (overruling), e sim a reafirmação de posicionamento da Corte

A decisão do Plenário em dezembro de 2022 não se versa sobre nenhuma alteração de entendimento já pacificado, não havendo sentido em modulação dos efeitos por força desse art., afinal, estamos diante daquilo que as melhores doutrinas processuais denominam de "precedente inédito". A contrario sensu, não se trata do que chamamos de "overruling", com a mutação/alteração de entendimento já consolidado, certamente a autarquia apresentaria o precedente paradigma que autorizasse essa modulação, mas preferiu se limitar às alegações genéricas e infundadas para, ao menos tentar, consertar sua desídia processual.

A modulação dos efeitos significa a possibilidade de se restringir a eficácia temporal das decisões da Corte, em controle difuso ou concentrado de constitucionalidade nas ações que ali cheguem, de modo a terem efeitos exclusivamente para o futuro (prospectivos) e inaplicável para o presente caso porque não existe a alegação de inconstitucionalidade e nem mesmo uma reforma jurisprudencial sobre a questão. O que se tem é uma manutenção em sua jurisprudência, seguindo os parâmetros do Tema 334.

O Tema 334 (RE 630.501/RS) reitera que não se trata de inconstitucionalidade, mas sim da interpretação mais benéfica da norma, ou seja, apenas a opção pela aplicabilidade da norma mais vantajosa.

Não ocorrência de declaração de inconstitucionalidade da norma, e sim a interpretação normativa e sua aplicabilidade ao caso concreto (hermenêutica)

Assim como na reserva de plenário, a modulação de efeitos é somente admitida de ofício em sede de controle concentrado ou difuso, podendo sim ser arguida em sede de embargos, mas somente quando estamos diante de discussão acerca da (in)constitucionalidade da norma, o que não é o caso.

Tal pedido de modulação deveria ter sido proposto em fase processual adequada, devidamente fundamentado com uma justificativa válida e razoável para sua aplicação, considerando que estamos diante de uma ação revisional com prazo de validade de, no máximo, dez anos. Logo, além de se tratar de uma ação de exceção, a maioria dos segurados não fará jus ao pleito em razão da decadência e, com o passar dos anos, tal ação cairá, naturalmente, em desuso.

Os dados de impacto econômico e impossibilidade estrutural, utilizados pelo INSS, não refletem com a realidade da ação

A autarquia previdenciária alega que a revisão traria um impacto estrutural que a impossibilitaria de cumprir o decidido pelo STF. Ocorre que ela já cumpriu revisões muito mais expressivas, quando seu aparato tecnológico era menos preparado, como é hoje. Citamos aqui as revisões dos Tetos, IRSM, art. 29, ORTN, Melhor Benefício...

Tal alegação se mostra como um "terrorismo estrutural" que não reflete a realidade, onde chega a alegar para a mais alta Corte do país que não possui software para a realização dos cálculos, se esquecendo do seu sistema (extremamente eficiente) E-Pcalc. E mais, até mesmo se esquece da Portaria 21 de novembro de 2020, onde editou parâmetros para o cumprimento da decisão. Ou seja, obviamente o INSS está pronto para o cumprimento do decidido pelo STF.

Agora vamos para o irreal terrorismo financeiro, onde o INSS levou para a mídia um custo superior a 300 bilhões de reais com a ação, porém não juntou tais dados no processo, por entender que os mesmos seriam sumariamente repelidos pelos julgadores. Mas cita este estudo em seus embargos de declaração (Nota Técnica 12/22 DIRBEN, que iremos aqui aproveitar a oportunidade para contrapor as afirmações trazidas.

Esta se mostrou como uma ação de exceção, e no estudo o INSS não a trata de tal maneira, na verdade ele traz até mesmo um número maior de pessoas habilitáveis para a revisão do que o universo de segurados que hoje recebem benefícios. Uma clara maneira de subestimar a mídia e a população brasileira. O Ministro Nunes Marques em seu voto divergente afirmou: "excepcionalmente, aqui e ali, haverá um trabalhador que teve altos salários e depois caiu no fim da carreira. Mas isso é raro. O normal é que o trabalhador tenha maiores remunerações quando está mais velho e com mais tempo de serviço".

Ou seja, até mesmo o voto divergente, atesta que é uma ação de exceção, rara em suas palavras. Observem a clara fuga da realidade na busca de manipular os dados e inflarem os números: a Previdência paga hoje 36 milhões de benefícios, sendo estes anteriores ou não a 1999, sendo benefícios de trabalhadores rurais que se aposentaram sem contribuições, benefícios assistenciais, salário maternidade, dentre outros, que não são cabíveis de revisão. Mas ele não diz que a revisão, de exceção, se aplica para todos, ele vai além, afirma que cabe para quase 52 milhões de benefícios.

Estes números foram inflados com benefícios cessados, suspensos e outros milhões que já decaíram (e pasmem, isso está expresso na Nota Técnica), indo contra a sua própria legislação (art. 103 da lei de Benefícios). Isso não é apenas uma afronta a sua legislação, é também subestimar os Ministros que estão julgando o processo e também toda a sociedade, que custeou este estudo.

Diante de todas as inconsistências, e principalmente a fuga da realidade social, processual e procedimental, o impacto econômico da Revisão da Vida Toda será muito inferior ao alegado.

Se imaginarmos que dos 14.887.210 benefícios ativos concedidos após 1999, e aplicarmos os dados que o INSS apresentou no processo de 31,28% (item 6 da NT SEI 4921/20/ME) a ação automaticamente cairia para 4.656.720 beneficiados. E agora aplicando o item 12 da NT SEI 4921/20/ME, devemos dividir este número por metade, chegando a um total de 2.328.360 benefícios a serem revisados. O número é mais de 20 vezes menor que o apresentado pelo governo, não alcançando R$18 bilhões em 15 anos.

E afirmo que não estamos considerando a redução no custo em razão de benefícios que já decaíram, além disso, incluímos na conta as aposentadorias rurais de segurado especial, as aposentadorias no teto, salários-maternidade que possuem outra base de cálculo e os benefícios por incapacidade temporário que em poucos meses são cessados. Todos estes benefícios citados não serão revisados.

Importante citar aqui o voto do Exmo. Senhor Ministro Gilmar Mendes, que  refuta todo o "terrorismo financeiro e estrutural" trazido pela autarquia, e demonstra a ausência de informações concretas e reais trazidas pelo INSS no processo por meio de Nota Técnica SEI 4921/20 ME, rebatendo profundamente todos os itens deste estudo:

"...Portanto, o próprio cálculo reconhece que a repercussão anual é de menos de R$ 4 bilhões, ainda que se aceitasse que as premissas estão corretas, que, como se viu acima, não procede. Isso porque, para concluir-se que "a estimativa de recebimento de parcelas pagas anteriormente, limitadas aos últimos cinco anos, deve totalizar montante da ordem de R$ 16,4 bilhões", parte-se do pressuposto de que todos (repita-se todos) terão ajuizados suas demandas até 2020, o que não é possível aceitar como premissa correta.

Mesmo assim, nada obstante não seja possível assegurar que todos aquele universo de beneficiados ingressaram judicialmente até 2020, a referida nota técnica também parte do axioma de que "o impacto total acumulado durante o período de 2021 a 2029 foi estimado em cerca de R$ 26,4 bilhões (em valores reais de 2020)". Somando o período pretérito (computada a prescrição quinquenal) de R$ 16,4 bilhões; o cálculo de 2020, no valor de R$ 3,6 bilhões; e o futuro, à época da edição da nota técnica, de 2021 até 2029 no importe de R$ 26,4 bilhões, totalizando "R$ 46,4 bilhões ao longo de 10 anos, em valores reais de 2020".

Sexta constatação: o interstício amplamente considerado, na referida nota técnica, não é de 10(dez) anos, mas de 14 (quatorze) anos, tendo em vista que considera a repercussão financeira quinquenal pretérita à nota técnica (elaborada em 2020), retroagindo-se a 2015 e projetando-se até 2029, repise-se, para todos os segurados porventura beneficiados. Tais considerações permitem concluir que essa quantia está superavaliada e merece ser obtemperada e interpretada de acordo com as premissas seguidas para o cálculo na citada Nota Técnica SEI 4.921/20/ME." (grifos nossos)

Tais conclusões nos remetem novamente a ADIn 4878, com relatoria do Exmo. Senhor Ministro Edson Fachin, onde o INSS buscou a modulação de efeitos trazendo incongruências em seus dados de impacto econômico e estrutural para fundamentar o pedido:

"A parte embargante não conseguiu demonstrar, com base em dados concretos, a presença de tais requisitos, pois o interesse, na espécie, está relacionado ao possível impacto financeiro decorrente da devolução dos valores retroativos da pensão de menor sob guarda, situação que, por si só, não se mostra suficiente para conferir eficácia ex nunc aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, de modo a afastar o dever de pagamento de tais verbas de natureza alimentar.

Além disso, eventual impacto financeiro não seria imediato, porquanto, o pagamento desses valores, no âmbito administrativo ou judicial, dependerão da apreciação, em cada caso concreto, do cumprimento do requisito da comprovação da dependência, além de outros pressupostos descritos da legislação pertinente, bem como da necessidade de expedição de precatório e da observância dos prazos prescricionais e processuais.

Vale ressaltar, também, que, conquanto a Embargante argumente no sentido de impacto de vulto, esta Corte entende que "O instituto da modulação dos efeitos da decisão não se presta à eliminação de todas as consequências gravosas da declaração de inconstitucionalidade, mormente quando incidentes sobre os responsáveis pela edição da norma inconstitucional, sob pena de se tornar instrumento de estímulo a comportamentos contrários à Constituição. Precedente: ADIn 4.985-ED, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, julgado em 21/2/20" (ADIn 5856- ED, Rel. Min. Luiz Fux, Plenário, DJe 30/4/20)." - Grifado por nós.

A modulação fere a segurança jurídica

Destacamos que a regra que fundamenta a modulação está no art. 27 da lei 9.869/99, que traz como fundamentos (I) a segurança jurídica (II) o excepcional interesse social.

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

A Revisão da Vida Toda se norteia no respeito ao princípio da segurança jurídica, e a modulação de efeitos requerida pelo INSS causa total insegurança jurídica nas relações previdenciárias, legais e jurisprudenciais. A decisão foi consolidada pela mais alta Corte do país, e restringir seus efeitos, conforme requer o embargante, vai claramente contra a segurança jurídica.

Seguindo o pensamento de J. J. Canotilho, a ideia de segurança jurídica surgiu da necessidade humana de alguma certeza, sem modificações no decorrer do tempo, de forma a coordenar e organizar a vida social. A ideia de segurança relaciona-se intimamente com a ordem; com a organização estatal, referente às funções e abstenções do Estado, bem como os padrões legais que devem ser levados em consideração nas relações sociais.

Canotilho também percebe que este princípio é um elemento constitutivo do Estado de Direito, associando-a intimamente ao princípio da proteção à confiança. Com esta análise, traz componentes subjetivos à ideia de segurança, relacionado-a à "calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos".

O doutrinador traz como definição:

"O indivíduo tem como direito poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses atos jurídicos deixados pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico poderes" (CANOTILHO, 2002, p. 257)

No presente caso, a manutenção da decisão com seus efeitos aos segurados é uma garantia de estabilidade e eficácia da segurança jurídica com relação ao tema decidido pelo colegiado, mantendo a jurisprudência da Corte. E mais, é respeito a norma ordinária, pois a lei 8.213 de 1991 prevê o pagamento dos valores atrasados.

Dimitri Dimoulis, nos ensina um conceito abrangente sobre este princípio, relacionando-a a questão da previsibilidade. Para ele, "o indivíduo não só conhece aquilo que pode e não pode fazer e as consequências da eventual violação da norma, mas sabe também que o Estado nunca o surpreenderá". E isso é o que a sociedade e os aposentados confiam e aguardam da mais alta Corte do país.

O princípio da segurança jurídica se faz com o respeito a norma e a jurisprudência, se tornando desarrazoado o pedido formulado pela Autarquia.

No CPC quando se versa sobre a inexigibilidade de título fundado em norma que o STF julga incompatível com a Constituição, que não é o presente caso, ele traz que haverá modulação quando a jurisprudência do Supremo for modificada em razão da segurança jurídica. Aqui é clara e evidente que não há modificação de jurisprudência, pelo contrário, o que existe é a manutenção (Tema 334).

O objetivo da modulação é a segurança jurídica. Sua finalidade é resguardar o indivíduo que estava vivendo de uma determinada maneira - consoante determina a lei ou conforme sua interpretação - e agora é surpreendido com uma interpretação da Corte Suprema que altera o seu status quo. Então, para preservar a segurança jurídica daquelas relações, admite-se a modulação. Verifica-se que a espécie em análise abarca situação diversa, pois os segurados não estavam recebendo em decorrência da interpretação equivocada da lei por parte da autarquia responsável pela manutenção dos benefícios previdenciários. Portanto, se fez o reconhecimento de garantias e, desta forma, não há segurança jurídica a ser resguardada.

O INSS, não é de hoje, tenta confundir a segurança jurídica com uma questão patrimonial/financeira. E segurança jurídica não é isso. Segurança jurídica é trazer uma extensão de validade, de uma relação jurídica formada em momento anterior à decisão do STF, mas sempre em favor das garantias e não em detrimento delas, por óbvio. Antes, portanto, ninguém estava fazendo incorrendo em erro porque o STF ainda não havia se pronunciado à luz da Constituição sobre a aplicação, ou não, da regra permanente quando mais favorável que a transitória. Ou seja, até então estavam todos os aposentados perdendo.

Desta forma, se o Supremo aplica uma garantia, não há razão para modular, ainda mais quando não provoca desequilíbrio na segurança jurídica para as relações estabelecidas até então.

O INSS não pode tentar confundir a ideia do custo e da imprevisibilidade de gasto com segurança jurídica, são coisas absolutamente antagônicas. Uma coisa é segurança financeira, equilíbrio financeiro, previsão orçamentária. Outra coisa é resguardar situações jurídicas consolidadas em momento anterior. Há, portanto, uma tentativa clara e incabível de forçar uma interpretação.

A inexistência do excepcional interesse social

Com relação' ao requisito do "excepcional interesse social" se mostra que uma decisão que module os efeitos também irá contra o que a sociedade possui como interesse. Isso traria uma onda crescente de desconfiança com relação a seus direitos previdenciários e sociais. Cada vez mais teríamos pessoas descrentes na previdência social brasileira. A decisão do Tema 1.102 trouxe nos aposentados a satisfação de saberem que seus direitos são respeitados.

O interesse social não é na modulação, e sim no fiel cumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal. Quem erra deve ser responsabilizado por seus atos, e não sair impune ao lesar os aposentados, pois por anos estas pessoas tiveram as sacolas do mercado mais leves, a conta de luz atrasada e noites em claro por não conseguirem pagar por seus medicamentos e agora devem ser ressarcidos.

Uma decisão que declara um direito tão importante como este, onde aposentados que foram lesados por mais de duas décadas em seus benefícios e agora irão obter a tão almejada justiça, modular seus efeitos apenas recompensaria a torpeza e incompetência do INSS ao não conceder o melhor benefício aos segurados.

A sociedade busca por justiça, e os aposentados foram prejudicados em seus cálculos, ferindo a vontade do legislador, conforme reconheceu o Supremo Tribunal Federal. O pedido de modulação de efeitos realizado pelo INSS gera ausência de credibilidade nas relações securitárias com o ente estatal, e traz aos cidadãos a imagem de que o judiciário ameniza os erros cometidos pelo estado com os vulneráveis.

O INSS traz alegações desarrazoadas com a pretensão de obter a suspensão dos processos e assim também busca se vitimizar para fundamentar o interesse social, sob o fundamento de que "haveria um colapso no atendimento diante do grande número de segurados, fruto da exposição da mídia com relação ao direito e a ausência de um programa que calcule a RMI dos aposentados que possuem direito à revisão".

A sua pseudo ineficiência não seria motivo razoável para transferir ao trabalhador o ônus integral provocado por um erro do Estado, impedi-lo de buscar a tutela jurisdicional é o tipo de torpeza admitida apenas nos períodos medievais. O INSS já cumpriu a determinação de revisões mais expressivas com relação ao número de benefícios revisados (vide as ações do IRSM, Tetos, Melhor Benefício e ORTN), e mais, em tempos em que a tecnologia e sistematização para operacionalizar estas revisões eram muito mais precárias que hoje. A atual evolução tecnológica da autarquia é referência para todo o sistema público e privado nacional.

Indo além, desde o ano de 2020 a evolução tecnológica já se aplica em larga escala na operacionalização das Revisões da Vida Toda que são concedidas judicialmente, por meio de um sistema extremamente bem desenvolvido: o e-Pcalc. Nesse ponto, vale citar a edição da Portaria Conjunta 21 DIRAT DIRBEN/PFE-INSS de 19 de novembro de 2020 que trouxe o fluxo de trabalho para a Revisão da Vida Toda, in verbis:

"Art. 2º O cálculo para cumprimento da revisão da vida inteira deve, como sistemática padrão, ser efetivado a partir da média aritmética simples dos 80% maiores salários de contribuição, na forma do art. 29, incisos I e II, da lei 8.213/91, de todo o período contributivo sem limitação a julho de 1994, observado o fator previdenciário de acordo com a concessão originária e os fatores de correção monetária dos salários de contribuição utilizados pelo INSS administrativamente".

Impende-se, portanto, que o INSS já está pronto para essa revisão, o que se pretende nesses embargos é ganhar tempo. E para a parte lesada, que teve o seu direito reconhecido, a improficuidade buscada pelo embargante traz como significado uma velhice indigna, não obstante, outros irão falecer sem a obtenção do almejado direito.

A RVT é uma ação que já nasceu modulada

Ao bem da verdade, tal decisão nasceu modulada, já que exclui do seu alcance, por conta da decadência, todos os aposentados de 1999 a 2013, exceto os 10.700 segurados que buscaram seu direito antes da proclamação do resultado, conforme esclarecimento em Plenário da Eminente Ministra Presidente, Rosa Weber sobre a quantidade de processos sobrestados no país.

Dessa afirmação acima, a decisão emanada em 2023 pela Suprema Corte, após 24 anos do início da afronta legal aos segurados, abarcou apenas 7 anos de concessões dos 24 concedidos com ilegalidade pela Autarquia, ou seja, mais de 2/3 dos segurados prejudicados, tiveram um direito reconhecido, qual nunca poderão exercer, por conta da decadência, ou seja, o segurado perdeu um direito que nunca teve, não existindo modulação maior já conhecida, do que a realizada pelo Tema 1.102.

É uma revisão que possuí prévia modulação, pois não se aplica aos aposentados que tem benefício concedido há mais de 10 anos e nem mesmo os que aposentaram após 13 de novembro de 2019, pelas regras trazidas pela EC 103. Além de possuir começo e fim expressos, o limite de pagamento é o da prescrição quinquenal, trazido pela lei de benefícios do INSS. O INSS busca no presente caso a "modulação da modulação", indo novamente contra a sua própria lei, em uma tentativa desesperada de prejudicar os aposentados lesados.

A obrigatoriedade legal no pagamento dos atrasados

Os embargos buscam que os aposentados não recebam as prestações dos últimos 5 anos, mas a sua própria lei prevê tal direito, vejamos o art. 103 da lei 8.213 de 1991:

Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil. 

Assim, é ultrajante a proposta de modulação da Autarquia, qual já se beneficiou de forma demasiada, se apropriando de forma definitiva dos valores devidos a mais de 2/3 dos segurados que tiveram contribuições antes de 1994, e indo frontalmente contra o seu próprio texto legal.

O INSS ao requerer que o pagamento dos atrasados não respeite a prescrição quinquenal vai contra a sua própria norma, é um pedido que afronta a lei de Benefícios. Temos como princípio da administração pública a regra em que o administrador só pode fazer o que a lei determina, porém nos parece que para o INSS este princípio não deverá ser seguido, pois vai contra os seus interesses. É mais uma tenebrosa afronta ao estado democrático de direito, requerer junto ao Supremo Tribunal Federal o descumprimento da sua própria lei.

A aceitação de tal pedido se mostra de forma prática como o reconhecimento judicial do erro ocasionado pelo INSS, a aceitação que aposentados foram lesados em seus cálculos de benefícios, porém, ao final, o perdão judicial de que ele arque com sua responsabilidade financeira de ressarcir quem foi prejudicado. Um pedido ilegal, imoral e inaceitável, que deve ser fortemente combatido.

Para termos um estado forte, o primeiro passo é que possamos confiar no fiel cumprimento da lei. O STF trouxe com a decisão na revisão da vida toda a renovação na esperança dos aposentados (e seus familiares), pessoas que por décadas contribuíram aos cofres públicos e foram prejudicadas em seus cálculos. É visível a confiança que estas pessoas possuem na mais alta Corte brasileira, porém, o INSS está buscando retirar tal confiabilidade, até mesmo se socorrendo da mídia com informações que fogem da realidade da ação. Mas sabemos que não irá conseguir, pois temos a confiança de que o judiciário irá mais uma vez resguardar o direito de quem foi lesado.

Modular os efeitos a partir do julgamento significaria chancelar a ilegalidade previdenciária rechaçada pelo acórdão embargado, tornando sem efeito as razões que levaram a Corte a conferir interpretação conforme a aplicabilidade da regra permanente quando a regra de transição for mais desfavorável, ferindo os princípios previdenciários e a hermenêutica da norma.

A modulação seria um salvo-conduto para que a Autarquia continue cometendo ilegalidades com os mais necessitados, sem precisar arcar com as responsabilidades impostas pela lei. Porém, temos a convicção de que tal manobra será repelida pelo Supremo Tribunal Federal, trazendo justiça e dignidade na vida de muitos aposentados que injustamente foram obrigados a sobreviverem com valores de benefícios inferiores aos devidos.

João Badari

João Badari

Advogado.

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