Comemorar o 13 de maio?
O racismo e a desigualdade persistem como forças estruturais na nossa sociedade, perpetuando a exclusão e a marginalização dos negros.
terça-feira, 16 de maio de 2023
Atualizado às 07:50
Lazzo Matumbi, ou Lázaro Ferreira, ativista e expoente da música negra baiana, em composição repleta de simbolismos, destacou o dia seguinte ao histórico 13 de maio: "Não tinha trabalho, nem casa, nem pra onde ir. Levando a senzala na alma, subi a favela, pensando em um dia descer, mas eu nunca desci. Zanzei zonzo em todas as zonas da grande agonia. Um dia com fome, no outro sem o que comer. Sem nome, sem identidade, sem fotografia.
O mundo me olhava, mas ninguém queria me ver. No dia 14 de maio, ninguém me deu bola. Eu tive que ser bom de bola pra sobreviver. Nenhuma lição, não havia lugar na escola. Pensaram que poderiam me fazer perde, mas minha alma resiste, o meu corpo é de luta. Eu sei o que é bom, e o que é bom também deve ser meu. A coisa mais certa tem que ser a coisa mais justa, eu sou o que sou, pois agora eu sei quem sou eu. Será que deu pra entender a mensagem?"
O artista traduziu o que todo homem e mulher negros no dia 13 de maio sentem na alma. A distorcida e maltratada história do Brasil insiste em colocar a população negra na invisibilidade. Na realidade, o País ainda se recusa a reconhecer plenamente a sua identidade africana.
O 13 de maio de 1888 é data histórica, a assinatura da Lei Áurea, que aboliu "oficialmente" a escravidão no Brasil. Contudo, o ato da princesa Isabel nem de longe trouxe a verdadeira liberdade para os escravos mantidos cativos por quase 400 anos da nossa história.
O regime escravista no Brasil foi o mais duradouro do mundo. O escritor Laurentino Gomes sintetiza as consequências dessa longevidade: "o genocídio do negro brasileiro em andamento hoje é silencioso, não declarado oficialmente. Mas nem por isso é menos forte ou palpável. Ele está exposto no número de mortes violentas, no abuso policial, no racismo, nas penitenciárias, nos corredores do SUS, nas escolas, no desemprego, na cara da fome, nas pessoas em situação de rua, na impossibilidade de se ter uma vida digna. E, também, há o genocídio da memória."
Respeitáveis historiadores afirmam que Ruy Barbosa, no final do século XIX, mandou queimar todos os documentos sobre a escravidão, talvez com a intenção de fazer com que o horror das torturas e dos maus tratos de toda espécie impingidos, pudessem desaparecer das nossas memórias. Uma vez libertos, os antigos escravos mereciam receber uma indenização ou ajuda para se reintegrarem à sociedade.
Ao contrário disso, foram desconsiderados na tentativa de lidar com as sequelas de séculos de opressão, discriminação e violência, sem nenhuma compensação ou proteção do Estado. A abolição não surgiu no nosso cenário político acompanhada de reformas sociais profundas que pudessem garantir direitos e oportunidades iguais para todos os cidadãos negros brasileiros.
O racismo e a desigualdade persistem como forças estruturais na nossa sociedade, perpetuando a exclusão e a marginalização dos negros. Que se registre o 13 de maio, porém nunca dissociado dos dias que se seguiram, para lembrarmos que o ato oficial da abolição da escravidão no Brasil não pode ser visto como o fim da luta pela liberdade e pela igualdade.
É imperioso para a evolução do nosso País resgatar a verdade e a memória através da implantação da justiça transicional, reafirmando a necessidade da reparação de todos os resultados e implicações sociais geradas pela escravidão. Concluímos a citando de novo a imprescindível obra de Lazzo Matumbi: "Será que deu pra entender a mensagem? Se ligue no Ilê Aiyê. Se ligue no Ilê Aiyê. Agora que você me vê. Repare como é belo e o nosso povo lindo. Repare que é o maior prazer. Bom pra mim, bom pra você. Estou de olho aberto. Olha moço, fique esperto que eu não sou menino. Será que deu pra entender a mensagem?"
Mônica Santos
Advogada e a primeira mulher negra na diretoria da OAB/RJ.
Rita Cortez
Advogada e presidente da Academia Carioca de Direito.