Qual direito vale mais: O dos sindicatos ou o dos empregados?
Em que pese seja necessário pensarmos em formas de subsidiar, financeiramente, a atividade sindical brasileira, a decisão proferida pelo STF, da forma como está, pode representar um retrocesso.
segunda-feira, 15 de maio de 2023
Atualizado às 07:53
Recentemente, os Ministros do STF decidiram a respeito de tema que repercutirá na vida de todos os trabalhadores com contrato de trabalho vigente no país, definindo que: "É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição".
Tal decisão foi proferida em processo com repercussão geral (ARE 1.018.459), o que significa que ela se aplicará a todas as categorias profissionais e, consequentemente, todos os empregados com vínculo de emprego ativo no Brasil.
O julgamento proferido pelo STF é emblemático, porque até então, apenas deveriam pagar a contribuição assistencial aos sindicatos:
(i) Os filiados às respectivas entidades;
(ii) Os empregados não filiados que autorizassem seus empregadores, de forma prévia e expressa, a efetuarem referidos recolhimentos.
A partir da publicação de referido acórdão pelo STF e o consequente trânsito em julgado da decisão, todos deverão pagar as contribuições assistenciais, sendo-lhes assegurado o direito de oposição. Ou seja, inverteu-se a lógica da cobrança, presumindo ser esta devida a todos, a não ser que haja manifestação expressa e posterior por parte do empregado, se opondo ao seu pagamento.
Vale destacar que este processo em que foi proferida a recente decisão (ARE 1.018.459) não é novo, estando em tramite no STF desde dezembro/2016, sendo que em fevereiro de 2017 o Ministro Gilmar Mendes, relator do caso, reconheceu a repercussão geral do caso para que ele extrapolasse o âmbito das partes nele envolvidas e proferiu a seguinte decisão:
"Ante todo exposto, manifesto-me pela existência de repercussão geral da questão constitucional debatida e pela reafirmação da jurisprudência desta Corte, de modo a fixar o entendimento no sentido de que é inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados."
Veja que a decisão proferida pelo Min. Relator Gilmar Mendes à época é exatamente o oposto do que se aplicará daqui por diante, tendo alterado de inconstitucional para constitucional a possibilidade de cobrar contribuições de empregados não filiados/associados aos sindicatos.
E para aqueles que não estejam muito a par de como funcionam os julgamentos no STF, devem estar se perguntando: Pode um Ministro decidir novamente sobre um caso que já apreciou e, pior, mudar completamente o que tinha decidido? Sim. Pode e foi exatamente isso o que aconteceu.
A parte recorrente, o Sindicato dos Metalúrgicos do Paraná, apresentou embargos de declaração da decisão proferida pelo Min. Gilmar Mendes, o que levou a questão para a apreciação do pleno do STF, sendo que em junho/2022, ou seja, mais de 5 anos depois daquela decisão, houve um pedido de vistas do Min. Roberto Barroso, que levou à continuidade do julgamento virtual iniciado em abril/23.
Vale ressaltar que nesta oportunidade do pedido de vistas feita pelo Min. Barroso (junho/22), os embargos de declaração opostos pelo Sindicato já haviam sido rejeitados pelos Ministros Gilmar Mendes (Relator), Dias Toffoli, Nunes Marques e Alexandre de Moraes, sendo que o Ministro Fachin conhecia dos embargos apenas para sanar a contradição e a omissão apontadas, mas mantinha inalterada a decisão que julgava inconstitucional a cobrança de contribuição assistencial de não associados ao sindicato.
Pois bem! E o que foi que o Ministro Barroso disse em seu voto que levou a esta "virada de jogo"?
Ele sustentou que a decisão proferida anteriormente, que afirmava que a contribuição assistencial seria devida apenas aos associados aos sindicatos, foi tomada em um contexto fático e jurídico diverso do que temos atualmente, no qual ainda havia a contribuição sindical devida por todos os empregados (1 dia de salário) e que em razão disto, o custeio sindical não restava prejudicado pelo entendimento que vigorava à época no STF.
Contudo, com a promulgação da lei 13.467/17 que tornou a contribuição sindical facultativa, os sindicatos tiveram suas arrecadações muito afetadas, motivo que se mantido pode enfraquecer o movimento sindical brasileiro, gerando, inclusive, a extinção de sindicatos no país.
Reforçou, também, que o STF tem proferido decisões recentes, fortalecendo as negociações realizadas pelos sindicatos, conferindo, inclusive, poderes acima da lei às partes, motivo pelo qual, este direito constitucional deverá conviver com o de livre associação, hipótese em que propôs o direito de oposição a quem não deseje ter a contribuição descontada de sua remuneração.
Alguns pontos que poderão surgir da decisão do STF e que deverão ser avaliados posteriormente:
(i) Tal procedimento será devido a todas as contribuições destinadas aos sindicatos (assistenciais, confederativas, de custeio, apoio etc.) ou apenas às que se valham da nomenclatura de assistenciais?
(ii) Mesmo entendimento poderá ser estendido à malfadada contribuição sindical devida por toda a categoria profissional no mês de março de cada ano, extinta com a edição da lei 13.467/17 (reforma trabalhista) a qual poderá ressurgir e passar a ser cobrada, assegurando o direito de oposição por quem não queira pagá-la?
(iii) Empregados filiados poderão se opor ao pagamento da contribuição assistencial?
(iv) Qual será o momento e a forma de os empregados manifestarem sua oposição: (i) Data da assembleia realizada pelos sindicatos para deliberar sobre o referido pagamento, assembleia esta, que como se sabe, é acompanhada por uma minoria de trabalhadores, totalmente favoráveis às questões pretendidas pelos sindicatos, feitas quase sem qualquer divulgação do dia, horário e local em que se realiza? ou por (ii) Manifestação por escrito, de forma pessoal e presencial na sede do sindicato, em um único dia específico, com horário restrito para o exercício deste direito e em um local de difícil acesso e com enorme fila a quem queira apresentar sua oposição?
(v) Tendo em vista que o voto do Min. Barroso é no sentido de que a Reforma Trabalhista de 2017 foi o motivo pelo qual se fez necessária a alteração deste entendimento pelo STF, imprescindível que se faça uma modulação de efeitos para dispor a partir de que data tal decisão será aplicada, sob pena de os sindicatos se aproveitarem deste fato para pedirem o recebimento das contribuições assistenciais dos últimos 5 anos.
Apesar de o Ministro Alexandre de Morais ter pedido vistas do processo e, consequentemente, suspendido o julgamento, com os votos já proferidos, alcançou-se a maioria necessária no pleno do STF para validar referida decisão, a qual será mantida, a não ser que se opere uma nova reviravolta no caso.
Dificilmente, conforme aponta nossa experiência em casos anteriores, teremos oposições facilitadas a serem feitas pelos empregados, as quais poderiam ocorrer de forma eletrônica (e-mail, WhatsApp etc.), em um lapso de tempo razoável para que pudessem se manifestar (1 mês, por exemplo) e cuja divulgação seria feita de forma ostensiva pela entidade sindical beneficiária.
Resumindo, em que pese seja necessário pensarmos em formas de subsidiar, financeiramente, a atividade sindical brasileira, a decisão proferida pelo STF, da forma como está, pode representar um retrocesso, principalmente, diante da dificuldade do exercício do direito de oposição pelos trabalhadores.
Daniel de Paula Neves
Advogado do escritório Silva Matos Advogados.