Diretrizes da relação bilateral entre médico e paciente
Confere-se ser importante a observação dos direitos dos pacientes em seu atendimento médico, mas igualmente há necessidade de ser conferida bilateralidade a tais diretrizes aos médicos que fazem parte desta relação.
segunda-feira, 15 de maio de 2023
Atualizado às 07:50
Tem sido assunto cada vez mais relevante, a garantia dos direitos dos pacientes e os consequentes deveres relacionados a estes direitos, os quais são exigidos dos médicos, das instituições de saúde e dos profissionais da área em geral.
Neste ponto, destacam-se como sendo as principais diretrizes que constroem o relacionamento entre médico e paciente: o direito a um tratamento digno e respeitoso, o direito à informação, o direito ao livre exercício de autonomia e o direito ao sigilo profissional.
O direito ao tratamento digno e respeitoso é bastante evidente e não merece maiores divagações. Quanto aos demais direitos pontuados acima, é possível constatar a reciprocidade e bilateralidade com que devem ser interpretados e reconhecidos em sua maioria.
O direito à informação reflete um avanço da relação médico-paciente e é basicamente centrado no dever exigido ao médico de transferir ao paciente os esclarecimentos necessários para que este tenha pleno conhecimento acerca dos tratamentos e/ou procedimentos a que será submetido.
Estas informações devem igualmente constar do "Termo de Consentimento Livre e Esclarecido na Assistência Médica", a ser firmado pelo paciente nos moldes da Recomendação CFM 1/16. Orienta-se aos médicos que instruam este documento, dentre outros pontos, com as justificativas do tratamento/procedimento proposto para a enfermidade apresentada, os objetivos e benefícios esperados, assim como os riscos, efeitos colaterais e complicações previstas para a situação em específico.
Diante destes esclarecimentos expressos, o paciente poderá exarar seu consentimento livre acerca de sua decisão para a realização do procedimento ou tratamento médico.
Por outro lado, este processo que antecede a realização do tratamento/procedimento médico deve ser explorado sob ponto de vista da bilateralidade, pois há também a necessidade de que o paciente informe ao médico todos os dados necessários para que este possa elaborar o Termo de maneira completa e o mais precisa possível.
A obrigação de informar, portanto, é igualmente bilateral e recíproca, uma vez que os esclarecimentos médicos transmitidos ao paciente devem ser específicos ao caso concreto e se originam, em parte, nas informações previamente comunicadas por ele próprio (a exemplo: tabagismo, uso de medicamentos etc.). Importante, assim, que o "Termo de Consentimento Livre e Esclarecido na Assistência Médica" contenha não apenas as especificidades do tratamento, mas também uma cláusula de responsabilidade do paciente quanto à transmissão das informações necessárias para que o procedimento seja realizado com segurança.
Já em relação ao direito ao livre exercício da autonomia, a Resolução CFM 2.232/19 regulamenta as normas éticas para a recusa terapêutica por pacientes em tratamento eletivo, desde que não haja riscos para a saúde de terceiros.
Nesta diretriz também há a bilateralidade, pois ao médico igualmente será conferida a liberdade de se retirar de algum tratamento ou negar um pedido de um paciente que seja contrário à sua consciência ou convicção, devendo, nestes casos, comunicar o fato ao diretor técnico do estabelecimento de saúde, a fim de garantir a continuidade da assistência médica ao paciente.
Por fim, o direito ao sigilo profissional é regido pela necessidade de que as informações do paciente que o médico, os demais profissionais da área da saúde e as próprias instituições hospitalares tenham ciência no exercício da profissão, devem ser mantidas em sigilo. Este é um conceito bastante antigo, mas que até os dias atuais permanece sendo violado.
A Constituição Federal estabelece em seu art. 5º, inciso X, como garantia fundamental que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Não se pode olvidar, ainda, que o Código Penal tipifica como crime em seu art. 154: "Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem".
Além disso, em praticamente todos os Códigos de Ética Profissional da área da saúde há previsão específica a respeito da obrigatoriedade de sigilo, sendo ônus destas profissões regulamentadas por Conselhos Federais o zelo pelas informações do paciente, vendando-se a revelação de fato que o profissional tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, "salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente".
Esta justa causa, permissiva da divulgação de informações do paciente, é a única situação capaz de mitigar a sigilosidade e ocorre principalmente nos casos de prática de crime ou indícios de prática de crime identificados pelo médico durante o atendimento ao paciente. Nestas hipóteses os médicos ou hospitais têm o dever de comunicar a autoridade policial sempre que a natureza da ação penal decorrente do crime identificado no momento do atendimento ao paciente for pública incondicionada.
Como permissão de violação ao sigilo profissional, exemplificam-se os casos em que haja confirmação ou indícios de prática de crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, cuja ação penal tornou-se pública incondicionada com a alteração do Código Penal pela lei 13.718/18.
Ainda, a Portaria 2.561/20 do Ministério da Saúde determina que em casos de atendimento médico para interrupção de gravidez decorrente de estupro, casos estes considerados como aborto humanitário ou sentimental, o médico e os demais profissionais de saúde ou responsáveis pelo estabelecimento de saúde que acolherem a paciente devem comunicar o fato à autoridade policial responsável.
Em casos como estes não há que se falar em quebra do sigilo, pois, ainda que a paciente não concorde com a comunicação do crime, é dever legal do médico e/ou do hospital noticiar o fato. Contudo, o inquérito policial a ser instaurado pela autoridade policial deve correr sob sigilo e, em nenhuma das hipóteses, a paciente pode, de forma alguma, sofrer superexposição ou exploração da situação pela impressa.
Diante destas breves considerações, confere-se ser importante a observação dos direitos dos pacientes em seu atendimento médico, mas igualmente há necessidade de ser conferida bilateralidade a tais diretrizes aos médicos que fazem parte desta relação.
Isso para que sejam evitadas judicializações desnecessárias em virtude de equívocos quanto ao consentimento do paciente, e para que lhe seja garantido conforto e segurança durante os tratamentos ou procedimentos, assim como para que seja garantida ao médico e às instituições hospitalares a tranquilidade no exercício de suas funções no atendimento à saúde.
Fabiana Leão
Advogada no escritório Comparato, Nunes, Federici & Pimentel Advogados.