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O Estado é obrigado a fornecer medicamentos à base de Canabidiol por meio do SUS?

Uso de canabinóides se mostra eficaz no controle de epilepsias em crianças e adolescentes. Este artigo tem por objetivo demonstrar de que forma o paciente sem recursos financeiros pode exigir do Estado o custeio desses medicamentos.

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Atualizado em 7 de outubro de 2024 10:46

O aumento na recomendação dos canabinóides para o controle de doenças graves ou gravíssimas.

O uso dos canabinóides tem se tornado cada vez mais comum porquanto comprovado pela comunidade médica sua eficácia para o tratamento de epilepsias em crianças e adolescentes, o que se pode demonstrar com a edição da resolução normativa 2.113/14 do Conselho Federal de Medicina aprovando o uso desta substância para o tratamento exclusivo de epilepsias em crianças e adolescentes refratárias aos tratamentos convencionais.

Não por acaso, algumas casas legislativas, como a ALESP (Assembleia Legislativa de São Paulo) aprovou e o atual Governador, Tarcísio de Freitas, sancionou lei que garante o fornecimento de medicamentos à base de canabinóides pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

A lei 17.618/23 institui, em seu art. 1º o seguinte: "Fica instituída a política estadual de fornecimento gratuito de medicamentos de derivado vegetal à base de canabidiol, em associação com outras substâncias canabinóides, incluindo o tetrahidrocanabidiol, em caráter de excepcionalidade pelo Poder Executivo nas unidades de saúde pública estadual e privada conveniada ao Sistema Único de Saúde - SUS."

A citada lei autoriza que o SUS forneça, gratuitamente, medicamentos à base de canabidiol em caráter excepcional, porém, não fixa as diretrizes e critérios para que esta excepcionalidade se configure.

No entanto, o STF (Supremo Tribunal Federal) abordou o assunto no tema 500 (Repercussão Geral), no julgamento do RE 657.718, sob relatoria do Eminente Ministro Marco Aurélio, segundo o qual o Estado tem o dever de fornecer medicamento não registrado na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Assim, o STF fixou requisitos formais a serem demonstrados, no processo, para que o SUS seja obrigado a fornecer tais medicamentos, quais sejam; (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior e; (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.

Sendo assim, a mera alegação de que o Autor da ação precisa do medicamento, ainda que junte relatório médico confirmando o grave mal que lhe acomete, bem como o tratamento sugerido, não é capaz de convencer o Magistrado a proferir ordem judicial no sentido de obrigar o SUS a fornecer o medicamento, sendo necessário que o Autor demonstre, nos autos do processo, os três requisitos supramencionados para que possa lograr êxito.

A autorização da importação do produto pela ANVISA e a vedação do tratamento pelo SUS.

O SUS se baseia na relação RENAME, importante instrumento orientador do uso de medicamentos e insumos que em resumo, nada mais é do que uma lista de medicamentos para orientar o Sistema Único de Saúde quanto ao fornecimento de medicamentos e insumos na rede pública de saúde.

Vejamos um trecho do Acórdão 1.166.414, 07030637320178070018, Relator: ROBERTO FREITAS, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 10/4/19, publicado no PJe: 29/4/19.

"(.) Ainda que o medicamento de que o recorrido necessita - CANABIDIOL EVR 22% - não se encontre especificamente estabelecido pela rede pública, organizada no Sistema Único de Saúde (SUS), na relação (RENAME) que orienta a prestação do serviço público de saúde, tal fato, de forma alguma exonera os entes públicos da sua responsabilidade pelo fornecimento do produto de que o recorrido comprovadamente precisa."

Ainda no mesmo julgado, os Desembargadores firmaram entendimento de que, tendo sido o tratamento indicado pelo médico que assiste o paciente, em razão do insucesso na utilização de outras alternativas terapêuticas, restando demonstrado que a própria ANVISA já reconheceu a eficiência da substância para o controle da enfermidade que perturba o autor, está caracterizado o dever do Estado de tomar as providências necessárias à proteção da saúde do doente, devendo fornecer o medicamento pleiteado.

A excepcionalidade como condição para se obter uma sentença favorável

A excepcionalidade permeia a discussão e está presente em todos os julgados que cuidam do assunto, fazendo com que o demandante seja compelido a demonstrar, a provar a existência, no caso concreto, de elementos autorizadores a obtenção de uma sentença favorável, sob pena de aguardar a demora do processo e ainda assim não ver o seu direito reconhecido.

O Tema 1.161 de Repercussão Geral do STF também trata do assunto, senão vejamos;

"Cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária, desde que comprovada a incapacidade econômica do paciente, a imprescindibilidade clínica do tratamento, e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS." RE 1.165.959."

A excepcionalidade é uma espécie de elemento-condição em todos os julgados que tratam do tema, assim, o fornecimento de medicamentos à base de Canabidiol não é a regra, cabendo ao autor demonstrar a presença dos requisitos capazes de convencer o julgador a proferir uma sentença favorável, tarefa está atribuída ao operador do direito que deve instruir seu cliente a reunir provas de sua incapacidade econômica, da imprescindibilidade clínica do tratamento por meio de laudo médico e da impossibilidade de substituição por outro fármaco similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS (RE 1.165.959).

A controvérsia e o contrassenso a respeito da importação de produtos à base de canabidiol.

A controvérsia gira entorno da ausência do registro do medicamento junto à ANVISA e também da ausência dos canabinóides na RENAME, porém, um contrassenso se apresenta porque, a própria ANVISA, autoriza a importação desses medicamentos, já que apenas são produzidos fora do país.

Assim, desde 2015, através da RDC 17/15, a ANVISA autoriza a importação de produtos à base de canabidiol, fixando critérios e procedimentos para que isso aconteça.

Nessa esteira, a nosso ver, existe um contrassenso no sentido de que, ao mesmo tempo que o Poder Público permite a importação desses medicamentos e veda seu fornecimento àqueles pacientes que dependem do SUS, cria privilégios para as pessoas que tem mais dinheiro e prejudica os mais carentes.

Então, se o texto constitucional erigiu o bem jurídico "saúde" ao patamar de direito fundamental, bem como a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Brasileira, art. 6º caput e art. 1º, inciso III da CF/88, respectivamente, não se pode rechaçar a atuação do Poder Judiciário em casos que demande uma providência urgente quando o assunto é a saúde de uma criança ou adolescente acometido por doenças raras ou ultra raras que limitam tanto a vida de alguém.

Nesse passo, quando o Poder Judiciário força o Estado a fornecer o medicamento a paciente acometido de enfermidade grave ou gravíssima, ao contrário do que alguns pensam, a nosso ver, diante de uma omissão legislativa, não se configura o que se denomina, ativismo judicial, uma vez que, àqueles que precisam de providências urgentes para o controle do seu estado de saúde, não podem aguardar a demora do Poder Legislativo para ver seu direito reconhecido, não vendo outra saída a não ser se socorrer o Poder Judiciário para resolver seu problema.

E, já em sede conclusiva, cabe aos operadores do Direito lutarem, incessantemente pela justiça, pelo bom e justo provimento jurisdicional em favor daqueles que precisam de justiça e quiçá o mínimo de qualidade de vida que um ser humano merece.

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Acórdão 1.392.920, 07026595120198070018, Relator: TEÓFILO CAETANO, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 9/12/21, publicado no PJe: 26/12/21; 

Acórdão 1.177.683, 07051154220178070018, Relator: DIAULAS COSTA RIBEIRO, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 5/6/19, publicado no PJe: 13/6/19;  

Acórdão 1.155.516, 07001078420178070018, Relatora: MARIA DE LOURDES ABREU, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 20/2/19, publicado no PJe: 8/3/19;  

Acórdão 1.144.710, 20160111059718APC, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 12/12/18, publicado no DJe: 21/1/19;  

Acórdão 1.132.442, 20160110252597APO, Relator: FERNANDO HABIBE, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 29/11/17, publicado no DJe: 26/10/18;  

Acórdão 1.082.771, 07026237720178070018, Relator: SANDOVAL OLIVEIRA, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 14/3/18, publicado no DJe: 20/3/18;  

Acórdão 1.008.372, 20160020462364AGI, Relator: ESDRAS NEVES, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 29/3/17, publicado no DJe: 11/4/17.

Leandro Xavier

VIP Leandro Xavier

Advogado, pós Graduando em Direito dos Contratos pela FGV LAW.

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