Advogado 4.0 e capital intelectual: Gestão do conhecimento para construir ativos de conteúdo
No atual cenário de elevada competitividade para escritórios de advocacia de todos os portes o único caminho de sobrevivência passa pela criação de diferenciais fortes e perceptíveis pelos clientes.
quinta-feira, 11 de maio de 2023
Atualizado em 6 de outubro de 2023 13:56
O Mercado Jurídico brasileiro é um dos mais competitivos do mundo. O Brasil já é o país com a maior proporção de juristas por habitante do mundo: 1 advogado para cada 164 habitantes. Em termos de números absolutos, de acordo com o Conselho Federal da OAB, em 2022 o país ultrapassou a marca de 1,3 milhão de advogados ativos e registrados na Ordem.
Esse contingente coloca o Brasil como o segundo país com o maior número absoluto de advogados atuantes, atrás apenas da Índia e tecnicamente empatado com os EUA. As informações foram obtidas da International Bar Association (IBA) e da American Bar Association (ABA). Além desses números expressivos do mercado já estabelecido, adicione ainda os aprovados a cada edição do Exame da Ordem Unificado.
Com a alta oferta de prestadores de serviços jurídicos a tendência imediata é de queda nos valores de honorários e fees. É a famosa "briga por preços". Ainda que exista uma tabela oficial de honorários da OAB, na prática é sabido que ela não é levada à risca por todo o contingente.
Nesse cenário de elevada competitividade para escritórios de todos os portes a única saída é que o escritório estabeleça diferenciais fortes e perceptíveis pelos clientes. Nesse caminho, o Capital Intelectual é um dos recursos mais importantes.
O que é marca
O Capital Intelectual é um dos diversos atributos de uma Marca. Portanto, para explanar o tema com mais consistência se faz necessário buscar alguns conceitos oriundos do Marketing. Segundo a AMA - American Marketing Association - Marca é "um nome, termo, design, símbolo ou qualquer outra característica que diferencie um bem ou serviço de determinada empresa em relação a outras empresas".
Dessa forma, nota-se que o papel mais significativo das marcas é diferenciar os produtos e serviços uns dos outros através de seu nome e logotipo. Em sentido mais profundo a marca representa a promessa de valores, mensagens e benefícios tangíveis ou intangíveis que as empresas anunciam e ao mesmo tempo, como essas promessas e mensagens são percebidas pelo consumidor do referido segmento. Quando me refiro a "empresa" entenda-se concomitantemente escritórios de advocacia, afinal são empresas constituída com CNPJ.
Uma vez que Marca é um ativo intangível, seu entendimento precisa ser definido por conceitos acessórios, tais como: Posicionamento, Reputação, Autoridade, Relevância, Propósito, Identidade Visual e Presença Digital. A construção de uma Marca leva em conta o planejamento e o desenvolvimento cuidadoso desses atributos.
Com a adoção do Marketing Jurídico todos os conceitos descritos até aqui foram assimilados pelo Direito e passaram a ser utilizados para transformar escritórios de advogados em Marcas Jurídicas fortes.
O conceito de Marca Jurídica
A principal função do Marketing Jurídico é dotar a advocacia de uma visão empresarial, embasada nos conceitos e ferramentas de Administração de modo a se diferenciar da concorrência através de uma Vantagem Competitiva estrategicamente planejada.
Além dos atributos tradicionais já mencionados, a Marca Jurídica ainda é composta por características adicionais e inerentes à advocacia. A história do escritório e dos sócios tem um peso marcante na construção da Marca, pois transmite solidez e confiabilidade. As áreas de atuação e o grau de especialização também compõe um fator importante, pois indicam claramente o Posicionamento e a Autoridade de uma banca ou advogado.
Dentre todos esses pilares essenciais para a construção da Marca Jurídica, vou destacar aqui o Capital Intelectual, indiscutivelmente um atributo que traduz de forma ineqívoca ao mercado os seus Valores, Reputação, Posicionamento e Autoridade.
Os tipos de capital
Thomas A. Stewart, em seu livro "Capital Intelectual: a Nova Vantagem Competitiva das Empresas" trata deste assunto com muita competência e divide o Capital Intelectual em três vertentes que podem se revelar os pilares para construção do mesmo.
- Capital Humano: pessoas geram capital para a empresa através de seus conhecimentos, competências, habilidades e experiências para realizar as tarefas do dia a dia.
- Capital Estrutural: Compreende os ativos relacionados com a estrutura e os processos de funcionamento interno e externo da organização que apoiam o capital humano, tais como mobiliário, tecnologias, dados, informações e publicações.
- Capital do Cliente: É definido como o valor dos relacionamentos contínuos da empresa com as organizações com as quais se relaciona. O conhecimento é o principal ingrediente do capital do cliente. Um dos princípios da gestão do capital intelectual é o fato de que, quando a informação é poder, este flui na direção do cliente em benefício deste.
A combinação desses componentes subjetivos propicia, entre outros ativos, a produção intelectual objetiva.
Definição de Capital Intelectual
Capital intelectual pode ser definido como toda a informação transformada em conhecimento que se soma aos conhecimentos que o indivíduo ou entidade já possui.
O capital intelectual é volátil enquanto representado por habilidades criativas, princípios, atitudes e motivação das pessoas e a quantidade de informação gerada e compartilhada, porém quando bem gerenciado e aplicado ele se torna um dos fatores mais importantes para estabelecer uma vantagem competitiva.
A consequência direta da valorização do Capital Intelectual é a otimização daqueles atributos da Marca: Autoridade e Posicionamento. A Autoridade se configura a partir do posicionamento como especialista em determinado assunto. Posicionamento é basicamente a estratégia com a qual se cria uma imagem ou identidade para um produto, marca, empresa ou mesmo um profissional. É o espaço que ele ocupa na mente do consumidor em um determinado mercado.
No âmbito jurídico isso significa um alto grau de especialização do advogado em sua área de atuação. Quanto mais específica (ou de nicho) for a especialização, maior se configura a Autoridade. Dessa maneira vai se construindo um indivíduo formador de opinião, ou influenciador para usar um termo nativo dos ambientes digitais. A amplificação dessa autoridade e influência através da Presença Digital otimizada confere popularidade a esse advogado autor.
A mesclagem estratégica dos conceitos de Posicionamento, Autoridade e Popularidade com as três divisões teóricas do Capital Intelectual têm alto potencial para estabelecer uma Vantagem Competitiva consistente e prover um diferencial realmente percebido pelo mercado.
Produzir conteúdo útil, relevante e de qualidade na forma de artigos, vídeos, ensaios, pareceres, relatórios, livros, palestras, seminários e cursos é o combustível que alimenta o capital intelectual de escritórios e advogados. Entretanto, não basta apenas produzir conteúdo. É necessário saber distribuí-lo de forma eficaz entre o público pretendido. Aqui entram em cena os diversos ambientes digitais disponíveis na internet.
Gestão do Conhecimento
Até aqui ficou clara a definição de Capital Intelectual e como ele é aplicado para proporcionar um diferencial consistente e perceptível para a Marca Jurídica. No entanto, a matéria-prima para a produção de conteúdo é o conhecimento que se encontra em cada indivíduo.
Nesse sentido, se todo conhecimento tático dos sócios e advogados de um escritório pode potencializar ou modificar o negócio em si, logicamente deve ser mapeado e registrado, de modo que possa ser utilizado em prol da organização a qualquer momento.
A gestão do conhecimento pode ser conceituada essencialmente como o processo de criar, compartilhar, usar e gerenciar o conhecimento intrínseco de uma organização. Para tanto se faz necessário construir uma mecânica multidisciplinar que defina as melhores práticas do uso do conhecimento.
O objetivo primordial da gestão do conhecimento é conectar as fontes que detém informação com os problemas e as necessidades cotidianas de aplicação do conhecimento. Esse processo precisa se dar de maneira simplificada e bem conhecida por todos os colaboradores. Dessa forma a gestão do conhecimento tem que atender a algumas premissas:
- Capturar o conhecimento: é possível criar um "banco de dados" de informações em documentos, memorandos, relatórios, apresentações, manuais e artigos, que possam ser facilmente resgatados conforme a demanda. A Toyota possui um procedimento bem disseminado que captura centenas de informações úteis a cada mês.
- Melhorar o acesso ao conhecimento: as informações capturadas precisam ser organizadas (estruturadas) e disponibilizadas em veículo acessível a todos os colaboradores.
- Aprimorar o ambiente organizacional: as boas práticas e políticas de incentivo ao compartilhamento do conhecimento são úteis, mas só funcionam se forem aplicadas de cima para baixo.
- Valorizar o conhecimento disponível: algumas organizações estão incluindo o capital intelectual em seus balanços, enquanto outras aproveitam o ativo para gerar novas formas de receitas, reduzir custos e inovar.
Em cenários de elevada competitividade, todo e qualquer detalhe faz diferença. A Advocacia 4.0 vem trazendo inúmeros novos conceitos, métodos e tecnologias que melhoram a produtividade, ingrediente fundamental da competitividade. No entanto esse caminho, apesar de indispensável, é complexo e pode levar tempo de implementação.
Se existe um recurso que todo operador do Direito possui intrinsecamente e de forma individualizada, este é o conhecimento. Não que ele seja gratuito, afinal estudos para adquiri-lo consomem tempo e dinheiro. Mas já está disponível para advogadas e advogados através de seus conhecimentos teóricos e práticos. Utilizar estes ativos para produção de conteúdo de diversos tipos e formas consiste na base fundamental do Capital Intelectual. E este, bem produzido e distribuído, tem o potencial de se tornar uma sólida Vantagem Competitivo para a Marca Jurídica do escritório ou do próprio advogado.