Circo Habitat da Alegria: Sugestões práticas de Direitos da Cultura II
Os direitos culturais são chave para o desenvolvimento, com necessário destaque à pauta de sensibilização dos detentores do poder de decisão na união, estados, distrito federal e municípios.
terça-feira, 9 de maio de 2023
Atualizado às 13:48
Entre os dias 10, 11 e 12 de janeiro de 2023, aconteceu no espaço cultural do Circo Escola Picolino, cidade do Salvador, capital do Estado da Bahia, o Encontro de Circenses do Nordeste, como parte do projeto contemplado pela Bolsa Funarte de Pesquisa, subsídio para o reconhecimento de direito do circo, enquanto patrimônio cultural imaterial nacional, ocasião que trouxe mais evidências sobre o circo e circenses, seus valores humanos e direitos fundamentais.
A aproximação e escuta com equilibristas, malabaristas, trapezistas, contorcionistas, palhaços, dançarinas e até um amestrador de leões da região nordeste, nos guiou à oportunidade para ouvir cada um contar de suas vidas, família, escolaridade, experiências de trabalho, viagens pelo interior do país, momentos alegres e outros não tão alegres, situações do bastidor, desde a montagem das tendas, ensaios dos números, apresentações dos espetáculos, acertos, erros ou acidentes no picadeiro, reações do público, sobretudo os aplausos até a desmontagem das tendas.
Foi mencionado o primeiro artigo, "Circo habitat da alegria: Sugestões práticas de direitos da cultura", que entre outras indicações, propõe o reconhecimento de Cidades Criativas Amigas do Circo, com premiações e benefícios do Governo Federal e UNESCO aos Prefeitos e Municípios que adotarem políticas públicas de acolhimento aos circos e circenses nas setoriais culturais de artes cênicas das cidades. O amestrador de leões logo fez uma brincadeira: - Olha, ele sabe gritar o palhaço. E na conversa lembrou que: - A chegada do circo nas cidades sempre foi um acontecimento, onde quem primeiro acolhe os artistas circenses são as crianças, presencialmente, sem "internet" ou "celular", para gritar o palhaço e receber como brinde um ingresso do espetáculo.
Montada a tenda, naturalmente as crianças e adolescentes da cidade, atraídas pela novidade do circo, entram na brincadeira das trocas simbólicas, onde o palhaço busca interação artística e começa: - O circo chegou. Hoje tem palhaçada? E a meninada responde: - Tem, sim, senhor! Assim, no jogo de perguntas e respostas, num curto ensaio é formada a trupe de publicidade, onde o palhaço (publicitário) percorre as ruas gritado pelas crianças (garotos propaganda), com irreverências e premiações próprias do encantamento circense, para divulgar: - Respeitável público, chegou o circo, na pracinha, ao lado do mercado, venham ver a novidade, às dezenove horas tem espetáculo.
No diálogo sobre o direito escolar dos circenses, as mães mencionam que o ideal é a permanência semestral do circo, pelo menos para garantir metade do ano letivo das crianças circenses matriculadas nas escolas em cada cidade, para melhor aproveitar a matrícula itinerante (art. 29 da lei 6.533/78 - Lei do Circo). Por sua vez, em cada Município o Prefeito Criativo, Amigo do Circo, precisa de um meio para assegurar, por leis de incentivo à cultura, com recursos de fundos culturais, que toda garotada matriculada na rede pública municipal de ensino, obtenha ingresso estatal e transporte por ônibus escolar, tanto aos estudantes da sede, quanto zona rural, para ir aos espetáculos pelo menos duas vezes por ano.
Assim, até que todos os estudantes sejam levados ao circo, como atividade extracurricular, atendida a permanência dos circos nos 5.570 municípios brasileiros, com reserva de agenda, identificação das presenças e rodízio na instalação de circo a circo, que pode ser auxiliada por inovações tecnológicas via aplicativos, ou seja, softwares nas Secretarias de Cultura Estaduais e Distrital, para incluir o circo na internet das coisas, por custeios via Lei do Bem (lei Federal 11.196/05) como otimização nas trocas de informações dos necessários cadastros setoriais de cultura, entre os Circos, Municípios, Estados e Distrito Federal, de modo que na política de universalização do acesso à cultura circense, assim os governadores que investirem em programas nos territórios da cultura para os circos, também merecem ser premiados como Governadores Criativos Amigos do Circo.
A intimidade do circo tem um ar de ingenuidade (inocência) e integridade (boa-fé). A fala dos trabalhadores da cultura, artistas circenses itinerantes, traz revelações como o nascimento por parteira, na tenda do circo. As peregrinações dos circenses, com situações de fato e de direito, no livre exercício das artes cênicas, somado a busca por direitos sociais das crianças e adolescentes, bem como, direitos das mulheres e tudo mais que os circenses precisam, como alimentação, moradia, vestuário, saúde, educação, assistência social e previdência, enfim, tudo aquilo que na vida da cidade aparenta normal, nas que para o modo de vida do circo não é tão simples, pois os circenses moram em trailer e apesar de usar roupas de super-heróis, prescindem de garantias de direitos humanos.
A proteção e acesso ao circo são matérias de competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (Art. 23, incisos III e V da Constituição Federal), sendo que na esfera do interesse local (art.30, I da CF) a regulamentação e instalação de circos itinerantes nos Municípios precisa de diplomas, como exemplo do que já está identificado na legislação de um Município paradigma que precisa ser seguida pelos demais, onde está regulamentada a autorização ao Poder Executivo Municipal para isentar alvará de funcionamento, garantir direito a educação, saúde e assistência social dos circenses, fixar obrigação de licença simplificada do corpo de bombeiros e dá outras providências.
A organização dos gestos de hospitalidade das Cidades Criativas Amigas do Circo devem obedecer a protocolos de segurança social, passar por consultorias jurídicas especializadas de confiança, escolha e contratação dos prefeitos, com base nos princípios gerais da administração pública (art. 37 da CF), para aperfeiçoamento da recepção aos circos de paragem em paragem, como efetivo fornecimento de itens essenciais aos circenses, como por exemplo, água potável, luz elétrica, alojamentos, sanitários para os circenses, terreno plano e pavimentado para o circo, além do estacionamento e sanitários para o respeitável público, a ser desenvolvido e colocados em prática com recomendável supervisão técnica ou de equipes treinadas.
A dignidade da pessoa humana, a cidadania cultural e os valores contidos no circo, seus bens e serviços culturais merecem novas formas de apoio cultural? Somente editais e confecções de projetos por leis de incentivo ou raríssimas premiações púbicas destinadas aos circos são suficientes? Será que as Leis de Emergência Cultural Paulo Gustavo e Aldir Blanc II nos Estados e Municípios, vão conseguir abranger interesses setoriais dos circos e circenses adequadamente? Entre os princípios constitucionais dos direitos culturais, o princípio do suporte logístico estatal, salienta o dever e responsabilidade públicas, mas, além disso, por generosidade é possível algo mais? Os circos e circenses que devem ir aos poderes públicos ou os poderes públicos que devem ir aos circos e circenses? Ora, é constitucional desenvolver busca ativa e critérios de transferência de renda direta aos circos e circenses?
Cabe tornar disponível recursos não reembolsáveis ou subsidiados via bancos públicos aos circos e circenses, semelhante ao que acontece com programas de fomento em outros setores e cadeias produtivas da economia? Todos sabem que os circos exercem atividades potentes no setor cultural, cuja efetividade constitucional e execução sistêmica de políticas públicas tem condições reais para geração, circulação e distribuição de riquezas, como critério de alavancagem, capaz de causar repercussão de reflexos favoráveis nos setores industrial, comercial e de serviços, onde geração de emprego e renda, aumento do poder de compra, capacidade de consumo de bens e serviços, são meio para erradicação da pobreza e combate a fome nos ODS - Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Concordam?
Segundo Emílio Tapioca, representante territorial de cultura da Chapada Diamantina, "os circos são os ninhos das artes". Porém, o respeitável público, por desinformação, comumente, faz reclamações dos circos e circenses, em relação à questão animal, onde o poder público não se atem, ao cuidado de realizar ampla e massiva campanha para divulgar que a maioria dos circos brasileiros já não utilizam animais. Ou seja, há mais de duas décadas, em respeito ao artigo 32 da lei Federal 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), os circos não utilizam animais, sem quaisquer atos de abusos, maus-tratos ou ferimento de animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, cujo crime prever uma pena de detenção, de três meses a um ano e multa.
O avanço legislativo ambiental no Brasil possibilitou até mesmo o resgate internacional de uma elefanta num Circo Chileno para um santuário no Mato Grosso, por iniciativa do terceiro setor em 2019. No que tange a legislação cultural, o Chile demonstra suporte logístico estatal aos circos e circenses, quando o Ministério de las Culturas e Organizaciones Artísticas promove a comemoração do dia nacional do circo todo primeiro sábado de setembro naquele país. Já no Brasil, entretanto, o dia nacional do circo, em 27 de março, aniversário do Palhaço Piolin, não é reconhecido por lei, bem como, não há oficialmente promoção de maiores comemorações através do poder público, o que precisa ser tão ajustado quanto são as cobranças e fiscalização das leis ambientais.
Na Bahia, os circos cumprem regiamente a lei Estadual 13.909/18 que dispõe sobre a proibição da utilização de animais selvagens, domesticados, nativos ou não em espetáculos, quando legislações semelhantes também estão em vigor no Distrito Federal e em mais de uma dezena de Estados da Federação. Os circos entregaram seus animais, contudo, não abandonaram os trabalhadores circenses, a exemplo do amestrador de leões, que segue mantido no elenco em outras funções, conforme ensinamento do saudoso jurista J.J. Calmon de Passos de que: "ao se deparar entre a lei e o homem, deixe a lei e abrace o homem", pois bem, os circos e circenses cumprem as leis ambientais e abraçam a todos, não seria a hora do país abraçar os circos?
O amestrador guarda memórias sobre os leões, lamenta permanecer nos picadeiros sem os felinos, mas adoraria contar suas narrativas no cinema, em produções para o CINE CIRCO mediante chamadas públicas e editais da lei Paulo Gustavo, afinal o show tem que continuar. Nesta mesma toada, os circenses idosos, precisam ser reconhecidos mestres e mestras da cultura popular, ter registrado, preservado e promovido saberes, fazeres e criações circenses, com a sensibilização dos parlamentares e gestores executivos quanto o conteúdo da Carta da Advocacia Baiana em Defesa dos Direitos Culturais, que propõe no item 4, a inclusão dos trabalhadores da cultura como segurados especiais da previdência social, juntamente com trabalhadores rurais e pescadores.
No encontro dos povos promovido pelo circo, a presença étnica da jovem contorcionista cigana, promove marcante apresentação no espetáculo no Encontro de Circenses do Nordeste, Circo Escola Picolino, para destacar a relação do circo com a cultura dos povos nômades radicados e refugiados no Brasil, que vivem de lugar em lugar. Nas escutas, os circenses realçam a dificuldade no exercício dos direitos políticos, pois ainda que os brasileiros nômades e itinerantes consigam retirar o título eleitoral, dado ao modo de vida diverso dos cidadãos sedentários ou fixados nas cidades, no percurso das distâncias por circenses e ciganos, a maioria destes grupos não conseguem exercer direito ao voto.
Devido ao modo de vida andante, ou seja, este mencionado hábito e costume nômade ou itinerante, que é culturalmente estabelecido, a desigualdade que atinge os ciganos e circenses ocorre por conflito negativo de direito fundamental, dada a impossibilidade de exercer o direito ao voto, pois no ir e vir para trabalhar ou sobreviver, a migração territorial de cidade em cidade, faz estes grupos sempre estar distantes do lugar de alistamento eleitoral, no que é valido sugerir, por dedução, que a forma de assegurar o exercício do direito político ao voto para cidadãos inseridos no modo de vida nômade, no ordenamento jurídico do Estado Democrático de Direito, precisa ser constitucionalmente efetivado, com amplitude de autorização jurídica ao cidadão multívago.
No caso dos grupos artísticos circenses e étnicos ciganos, para tal permissivo legal, dada a especificidade, de natureza ontológica, o mais acertado é reconhecer a característica caminhante, com a garantia inarredável de direito ao voto itinerante para estes grupos no sistema eleitoral brasileiro, em todos os colégios e zonas eleitorais, não em algumas cidades, como no voto em trânsito. Ou seja, é preciso desenvolver um cadastro eleitoral especial aos artistas circenses e povos ciganos, o cadastro eleitoral dos povos culturalmente nômades, como imperativo da inclusão social A Agência Nordeste indicou que cerca de 300 mil ciganos clamaram por ajuda para enfrentar o coronavírus.
No Senado Federal o projeto de lei complementar 17/19 obteve parecer favorável para isenção de ISS aos circos que aguarda designação de relator para ser votado na Comissão de Assuntos Econômicos, o que precisa acontecer em caráter imediato, para modificar a lógica tributária restritiva da cultura, haja vista que a intenção do legislador constituinte originário é de incentivo à cultura, não tendo sentido tributar bens e serviços culturais, quando o setor cultural merece ser isento de impostos, com aproveitamento e produção de um certo efeito catalisador da cultura na economia, de modo a permitir que o dinheiro chegue nas mãos das pessoas, através das relações capital e trabalho, para animar o potencial de consumo dos bens serviços dos setores industrial, comercial e de serviços, estes, sim, tributáveis.
É imprescindível a descentralização e interiorização das políticas públicas da cultura, qualificação profissional e experimentação de modelos práticos nos entes da federação, com expectativa na chegada do marco regulatório do fomento a cultura, sem perder de vista a vinculação substancial de 0,5% das receitas tributárias líquidas a fundos específicos da cultura na União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com proposta de emenda constitucional ao §6º do art. 216 da CF, para afirmação dos direitos culturais, no seu viés contra majoritário, ou seja, de direito difuso e coletivo, abarcado na esfera de direitos das minorias, para ser direito dos brasileiros tomar café, almoçar e jantar três vezes ao dia, ir ao circo duas vezes ao ano, outras três vezes ao ano no teatro e mais cinco vezes ao ano no cinema ou museu.
Os direitos culturais são chave para o desenvolvimento, com necessário destaque à pauta de sensibilização dos detentores do poder de decisão na união, estados, distrito federal e municípios. O novo Decreto Nacional de Fomento à Cultura 11.453/23 define critérios apriorísticos de validade ao fomento, com melhoria no custeio da cultura, a partir deste instrumento que pode ajudar a promover o que a Presidenta da Funarte, Maria Marighella, em Aula Magna na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB 2023.1, destacou como revolução simbólica da cultura através das universidade e no contexto atual, possui ambiência para também empolgar através da garantia de direitos culturais aos circos e circenses.
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Circo habitat da Alegria: Sugestões práticas de direitos da cultura. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/379830/circo-habitat-da-alegria-sugestoes-praticas-de-direitos-da-cultura Acesso em 25/4/23;
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Elefanta Resgatada de Circo Será Transportada de Avião do Chile para Santuário no Mato Grosso após Doações. Disponível em https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2019/09/24/elefanta-resgatada-de-circo-sera-transportada-de-aviao-do-chile-para-santuario-em-mt-apos-doacoes.ghtml Acesso em 25/4/23;
Lei Distrital 6.113 de 02 de fevereiro de 2018 - Dispõe sobre a proibição de utilização de animais em circos e espetáculos congêneres do Distrito Federal. Disponível em https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=356399#:~:text=Disp%C3%B5e%20sobre%20a%20proibi%C3%A7%C3%A3o%20de,espet%C3%A1culos%20cong%C3%AAneres%20no%20Distrito%20Federal. Acesso em 25/04/2023;
Ministério de las Culturas y Organizaciones Artísticas Conmemoran una Nueva Version Del Dia Nacional del Circo Chileno. Disponível em: https://www.elmostrador.cl/cultura/2022/09/01/ministerio-de-las-culturas-y-organizaciones-artisticas-conmemoran-una-nueva-version-del-dia-nacional-del-circo-chileno/ Acesso em 25/4/23;
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STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 11ª. ed. rev., atual. e ampl. - Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014.
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