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Fashion law: como proteger as criações no segmento da moda?

Uma camiseta preta simples estampada com o logotipo da Nike por exemplo, que está registrado no INPI, não pode ser produzida ou comercializada por terceiros. Já uma camiseta muito semelhante, mas sem qualquer referência à marca, não seria protegida da mesma forma, pois a proteção está atrelada à marca e não à peça em si.

terça-feira, 9 de maio de 2023

Atualizado às 14:31

Em artigo publicado no ano passado no Migalhas,  apresentei o cenário de low-IP equilibrium, isto é, de baixa proteção da propriedade intelectual, do segmento da moda. De fato, os desenhos e as criações no âmbito da moda não são muito bem abarcados pelos institutos tradicionais da propriedade industrial.

No entanto, isso não significa que a moda não pode ser protegida. Quando ouvimos o termo Fashion Law - direito da moda - normalmente pensamos justamente em propriedade intelectual. Logo, como a moda pode ser protegida?

A primeira forma de proteção é a marca. Segundo os artigos 122 e 123 da lei 9.279/96 (lei de Propriedade Industrial), a marca de produto consiste em sinal distintivo visualmente perceptível, usado para distinguir um produto de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa. Então, a proteção prevista na lei se refere ao sinal distintivo, mas não à peça de roupa ou ao seu desenho isoladamente. Assim, uma camiseta preta simples estampada com o logotipo da Nike por exemplo, que está registrado no INPI, não pode ser produzida ou comercializada por terceiros. Já uma camiseta muito semelhante, mas sem qualquer referência à marca, não seria protegida da mesma forma, pois a proteção está atrelada à marca e não à peça em si.

No exemplo acima, o sinal distintivo da Nike não é primordial para o design do produto em questão, servindo mais para que o cliente o reconheça e associe à identidade da marca, atrelando ao que ela representa, como possíveis ideais de qualidade, valores etc. No entanto, em alguns casos os sinais distintivos exercem papel fundamental no desenho do produto, o que gera impactos diferentes em sua proteção. Exemplos claros disso são os diversos produtos da Louis Vuitton que possuem texturas muito características, registradas como marca no INPI. Há ainda o caso em que as marcas são unicamente figurativas, isto é, compostas apenas por figuras ou símbolos, que compõem a essência de muitos produtos de moda. Muitos produtos da Gucci, por exemplo, possuem uma faixa verde e vermelha estampada, ou então um detalhe em metal que faz referência a um freio de cavalo, remetendo às origens da marca. Ambos são sinais registrados no INPI, não podendo ser replicados por terceiros, mesmo não contendo referências nominativas à Gucci.

Registros de marca no INPI  813574617, 818461390 e 818853336, respectivamente.

Uma outra alternativa para a proteção da moda é o chamado trade dress, que consiste em um conjunto de características particulares e essenciais de um produto ou serviço, o que pode incluir diversos fatores como combinação de cores, formato, textura, etc.  Um exemplo muito clássico de trade dress no universo da moda é o solado vermelho dos calçados da Christian Louboutin, muito característico dos produtos da marca.  Trata-se de um instituto muito interessante, pois protege sinais distintivos de produtos ou serviços que não são objeto de proteção da marca.

Sapato da Christian Louboutin (fonte: catawiki.com).

Todavia, o trade dress não possui previsão legislativa no Brasil. A única referência que pode ser feita com base na legislação para pautar o trade dress é o instituto da concorrência desleal, previsto na Lei de Propriedade Industrial. Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu em 2018 que ele pode ser reconhecido com base em uma análise caso a caso, inclusive mediante perícia.  Essa análise é fundamental e muito sensível, porque uma eventual aplicação disseminada desse instituto pode causar impactos relevantes na concorrência.

Cabe ainda ressaltar que em 2021 o INPI publicou a Portaria/INPI/PR 37 e a Nota Técnica INPI/CPAPD 02/21, que regulamentaram as chamadas "marcas de posição". De acordo com o art. 1º da Portaria, a marca de posição é aquela formada pela aplicação de um sinal em uma posição singular e específica de um suporte, que resulte em um conjunto capaz de distinguir e identificar produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins. As marcas de posição podem ainda ser registradas no INPI. Um exemplo de marca de posição seria a faixa presente na lateral dos tênis da Vans, muito característica dos calçados da marca. Essa regulamentação representa um avanço importante na proteção do trade dress, pois prevê regras específicas para as marcas posicionais.

À esquerda tênis da Vans (fonte: vans.com.br) e à direita registro de marca no INPI 824063244.

De todo modo, apesar do cenário de baixa proteção à propriedade intelectual presente no segmento da moda quando comparado a outros segmentos de mercado, existem maneiras de proteger as criações. O instituto tradicional da marca e a regulação recente da marca de posição parecem dar amparo adequado aos atores do segmento. O conceito de trade dress pode também sustentar proteção em várias situações, sendo importante tomar cautelas sob o ponto de vista concorrencial.

Ivan Lago Mariotto

Ivan Lago Mariotto

Advogado especialista em direito concorrencial/antitruste e proteção de dados. Graduado na FGV Direito SP.

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