O acesso à Justiça por meio da linguagem: Uma análise sobre a desconstrução do juridiquês
Deve-se ressaltar que o movimento para a simplificação da linguagem jurídica não é destinado apenas a advogados, mas igualmente a juízes e demais operadores do Direito.
quinta-feira, 4 de maio de 2023
Atualizado às 08:24
A Justiça deve ser transparente, de livre acesso, para proporcionar ao cidadão ferramentas para a garantia de seus direitos e deixar claro quais são seus deveres para com a sociedade.
O direito ao acesso à justiça é contemplado no Art. 5º da Constituição Federal de 19881:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional [...]
Muito se discute sobre a necessidade da disseminação dos direitos, sejam eles na esfera civil (no direito de família, de sucessões, do consumidor etc.), no âmbito penal (sobre a ilegalidade desta ou daquela condenação ou do endurecimento das penas, por exemplo), ou ainda no direito constitucional (debatendo-se sobre a validade ou não de uma lei, ou da possibilidade ou não de decisão proferida pelo STF). Porém, pouco se vê a propagação de tais assuntos em linguagem acessível, que torne possível o entendimento por qualquer um que se proponha a conversar ou ler sobre eles.
Atualmente o tema das notícias falsas (ou fake news) tem ganhado destaque e tratamento diferenciado, uma vez que, em razão da globalização e do uso da rede mundial de computadores, a propagação de informações inverídicas ocorre de forma muito mais rápida, podendo causar danos imensuráveis e de difícil reparação.
Nesse sentido, o site oficial do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia adverte que "cidadão que espalhar fake news pode ser responsabilizado por crime contra a honra", não somente em temas relacionados à política, mas como forma de promover a melhor informação possível ao povo2.
Embora a discussão sobre o tema tenha sua origem na manipulação de dados de forma consciente e deliberada, com finalidade econômica e política, é oportuno ressaltar que é comum, também, a reprodução de notícias falsas em razão do entendimento equivocado sobre seu verdadeiro teor. Para evitar tal situação, a linguagem deve ser empregada de forma a democratizar a informação, o Direito: torná-lo público e acessível.
No entanto, embora se saiba da necessidade de desmistificação do Direito e sejam conhecidas as consequências negativas do uso excessivo do juridiquês (linguagem jurídica técnica, com palavras desconhecidas ou incomuns no dia a dia, termos em latim etc.), ainda há profissionais que o aplicam.
O principal motivo para utilização dos termos jurídicos é a tentativa de transmitir conhecimento na área. Todavia, mais do que demonstrar erudição, é preciso que a comunicação com o cliente vise à compreensão total do conteúdo da mensagem transmitida. O cliente precisa entender o que o advogado diz. É isso que torna fundamental desconstruir o juridiquês.
De modo análogo, deve-se ressaltar que o movimento para a simplificação da linguagem jurídica não é destinado apenas a advogados, mas igualmente a juízes e demais operadores do Direito.
Verifica-se, portanto, que não só o legislador precisa trabalhar para criar leis que defendam os direitos dos cidadãos. Aqueles que as aplicam e as fazem valer no judiciário precisam conscientizar-se de que o uso excessivo da terminologia jurídica promove o afastamento entre o Direito e o cidadão. Este, em consequência, ao invés de ser orientado, pode ser ludibriado, confundido ou ainda, em razão da reduzida compreensão dos temas abordados, disseminar notícias falsas e até provocar conflitos.
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1 BRASIL. [Constituição de 1988]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasilia, DF: Senado Federal, 2023. Disponível em https://www2.senado.leg.br/bds/bitstream/handle/Id/518231/cf88_livro_EC91_2016.pdf. Acesso em 12 Abril 2023.
2 Disponível em: https://www.treba.jus.br/comunicacao/noticias/2021/Marco/cidadao-que-espalhar-fake-news-pode-ser-responsabilizado-por-crime-contra-a-honra
Giovana da Silva Cardozo
Graduada em Administração de Empresas e atua na área de Controladoria e Finanças do Reis Advogados.