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A (ir)recorribilidade das decisões interlocutórias na Justiça do Trabalho

O que se deve ter em mente é que a recorribilidade ou irrecorribilidade da decisão interlocutória na Justiça do Trabalho não está atrelada à sua espécie, mas, sobretudo, pela sua natureza terminativa ou não terminativa.

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Atualizado às 13:47

Não raro, ouve-se dizer que as decisões interlocutórias na Justiça do Trabalho são irrecorríveis de imediato, nos termos do §1º, do art. 893, da CLT, bem como sob o fundamento do preconizado no §2º, do art. 799, todos da CLT, in verbis:

Art. 893 - [...]

§ 1º - Os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio Juízo ou Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias somente em recursos da decisão definitiva.  g/n.

Art. 799 - [...]

§ 2º - Das decisões sobre exceções de suspeição e incompetência, salvo, quanto a estas, se terminativas do feito, não caberá recurso, podendo, no entanto, as partes alegá-las novamente no recurso que couber da decisão final. g/n.

Tal preceito foi, inclusive, ratificado pelo §1º, do art. 1º, da Instrução Normativa 39/16, editada pelo Tribunal Pleno do C. TST.

O que se deve ter em mente é que a recorribilidade ou irrecorribilidade da decisão interlocutória na Justiça do Trabalho não está atrelada à sua espécie, mas, sobretudo, pela sua natureza terminativa ou não terminativa, consoante aponta a Súmula n.º 214, do C. TST, abaixo transcrita:

Súmula 214 - Salvo quando terminativas do feito na Justiça do Trabalho, as decisões interlocutórias não são recorríveis de imediato, podendo ser impugnadas quando da interposição de recurso contra a decisão definitiva. g/n.

Entende-se, em linhas gerais, por decisão terminativa aquela que põe fim ao processo. Já a não terminativa seria aquela que finaliza, apenas, uma etapa do procedimento.

Dessa forma, como se pode observar, a regra geral comporta exceções a depender da natureza da decisão interlocutória.

Por exemplo, como salienta Gustavo Filipe Barbosa Garcia "em se tratando de decisão que reconhece a incompetência da Justiça do Trabalho, determinando a remessa dos autos a outro ramo do Poder Judiciário, também é cabível recurso ordinário, por se tratar de decisão terminativa do feito na Justiça do Trabalho (§2º, art. 799, da CLT)."1

Cumpre salientar que de decisões que vislumbram a concessão de antecipação da tutela ou liminar, antes de sentença, seria cabível o mandado de segurança, a teor do disposto na Súmula n.º 414, II, do C. TST:

SÚMULA Nº 414 - MANDADO DE SEGURANÇA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (OU LIMINAR) CONCEDIDA ANTES OU NA SENTENÇA

[...]

II - No caso da tutela antecipada (ou liminar) ser concedida antes da sentença, cabe a impetração do mandado de segurança, em face da inexistência de recurso próprio.

[...] g/n.

O mandado de segurança é procedimento previsto no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal e foi regulamentado pela lei 12.016/19, para a proteção de direito líquido e certo que não pode ser protegido por habeas corpus e habeas data. Portanto, não comporta dilação probatória.

Outro aspecto relevante para a discussão é sobre a possibilidade ou não da admissão de agravo de petição (art. 897, alínea "a", da CLT) da decisão denegatória de exceção de pré-executividade em que, atualmente, consolidou-se o posicionamento majoritário de ser irrecorrível por se tratar de decisão interlocutória, a teor do §1º, do art. 893, da CLT.

Nesse sentido aponta a Súmula 34, do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro: 

Súmula 34 TRT 1 (RJ) - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE REJEITADA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AGRAVO DE PETIÇÃO. NÃO CONHECIMENTO O ato jurisdicional que rejeita exceção de pré-executividade tem natureza interlocutória, razão pela qual, consoante o artigo 893, ' 11, da CLT, somente poderá ser impugnado em recurso da decisão definitiva.

No mesmo sentido a Súmula 33 do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina:

Súmula 33 TRT 12 (SC) - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. REJEIÇÃO. IRRECORRIBILIDADE. Por possuir natureza interlocutória, a decisão que rejeita a exceção de pré-executividade é irrecorrível de imediato.

A exceção de pré-executividade, uma criação doutrinária e jurisprudencial, cinge-se à discussão de matéria de ordem pública e, assim como no mandado de segurança, também não comporta dilação probatória. Além disso, para sua apreciação não é necessária a garantia do juízo, requisito exigido pelos embargos à execução. 

Não obstante, com todo respeito à tese majoritária já esposada, ousa-se pensar de forma diversa, tendo em vista que as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas de acordo com a ordem constitucional, ao passo que devem observar os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, com supedâneo no art. 5º, LIV e LV, da CRFB. 

Isso porque o acesso ao Poder Judiciário e às instancias revisoras é fundamental para que se tenha a entrega da prestação jurisdicional de forma mais eficiente e impessoal.

O Tribunal Regional do Trabalho do Estado da Bahia, no julgamento do Tema n.º 1 do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), também, manifesta-se sobre a impossibilidade do manejo de agravo de petição contra decisões interlocutórias, em regra. Todavia, realiza ressalva em três hipóteses: (i) quando a decisão imponha, de alguma forma, obstáculo intransponível ao regular prosseguimento da execução; (ii) quando a decisão seja capaz de, concretamente, causar gravame imediato à parte, não impugnável por embargos à execução; Ou (iii) contra decisão que acolhe ou rejeita o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.2

Dessa forma, percebe-se um sutil movimento reformador, que passa a adotar uma interpretação sistemática de acordo com os valores e princípios descritos na Constituição.

A título de exemplo, em recente decisão de lavra do Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos3, admitiu-se agravo de petição (art. 897, alínea "a", da CLT) da decisão denegatória de exceção de pré-executividade.

Para o citado Ministro:

"[...] tendo a parte se valido da exceção de pré-executividade, como poderia, em momento posterior, se utilizar de outro meio processual para impugnar a questão levantada anteriormente no incidente, se já ultrapassado o prazo para apresentar os embargos à execução? Certamente haveria preclusão temporal, ante o transcurso do prazo para a apresentação dos embargos à execução. Além disso, com o julgamento do citado incidente, haveria preclusão pro judicato da matéria nela deduzida, de modo que não poderia ser renovada em sede de embargos à execução. Frise-se que na Justiça Comum é pacífico o entendimento de que ocorre a preclusão da análise da matéria em embargos à execução, quando previamente examinada em sede de exceção de pré-executividade. Precedentes do STJ. Desse modo, a aplicação do princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias à hipótese configura-se em verdadeiro princípio da irrecorribilidade, tendo em vista que não será permitida a análise da matéria pelos Tribunais em momento posterior. Desse modo, a aplicação do princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias à hipótese configura-se em verdadeiro princípio da irrecorribilidade, tendo em vista que não será permitida a análise da matéria pelos Tribunais em momento posterior. Não se pode olvidar que, nos termos do artigo 897, "a", da CLT, caberá agravo de petição contra as decisões do Juiz ou Presidente na fase de execução. Porém, tal preceito não faz nenhuma distinção quanto à sua natureza, seja interlocutória ou terminativa do feito. Afastado o óbice da irrecorribilidade imediata, caberia saber se para a interposição do agravo de petição contra a decisão que não conheceu ou rejeitou a exceção de pré-executividade seria exigível a garantia do juízo[...]"

E mais adiante acrescenta que:

[...] como já realçado, a exceção de pré-executividade trata-se de uma construção doutrinária e, portanto, sem previsão expressa em lei, inexistindo para o manejo da referida demanda, diversamente do que ocorre com os embargos à execução, a necessidade do cumprimento da garantia do juízo. E se para o exame do mencionado incidente processual não há necessidade da garantia em comento, não se poderia estabelecê-la no momento em que a parte submeterá a decisão que rejeitou ou não conheceu da sua exceção à instância de segundo grau. A prevalecer o mencionado requisito, se estaria, por via transversa, obstaculizando o direito da parte ao contraditório e à ampla defesa, bem como ao devido processo legal, impedindo que a questão objeto da exceção de pré-executividade seja analisada pelo Colegiado Regional e, por conseguinte, pelas instâncias extraordinárias [...].

Outrossim, por cautela, caso a decisão interlocutória não se enquadre nas hipóteses de exceções acima mencionadas, diante de qualquer ato lesivo às partes, deve o patrono registrar seus protestos, na primeira oportunidade, para prequestionar sua insatisfação quanto aos direitos materiais ou processuais violados (art. 795, da CLT), sendo de bom alvitre renová-los nas razões finais ou memoriais para que não ocorra a preclusão4 das matérias suscitadas e, em momento oportuno, possa ser manejado o recurso mais apropriado.

Diante da grande controvérsia, cabe deixarmos algumas reflexões em aberto: (i) os princípios da celeridade e da duração razoável do processo respaldam a aplicação da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias? (ii) a aplicação da irrecorribilidade das decisões interlocutórias não estaria a violar os princípios do devido processo legal; contraditório; ampla defesa e do acesso ao duplo grau de jurisdição?

Confesso que possuo uma grande tendência a me filiar a segunda corrente, em que pese compreender a importância do valor social do trabalho e da natureza alimentar das verbas trabalhistas. De toda sorte, prefiro deixar as razões que fundamentam esse posicionamento particular para outro momento mais propício.

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1 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. CLT Comentada, 10 ed. rev., atual. e ampl, São Paulo: JusPodivm, 2023, p. 1389-1390.

2 AGRAVO DE PETIÇÃO - TEMA Nº 1 DO IRDR/TRT5 0000624-25.2019.5.05.0000 - Conforme tese jurídica fixada no Tema Nº 1 do IRDR/TRT5 0000624-25.2019.5.05.0000): "AGRAVO DE PETIÇÃO. DECISÃO DE NATUREZA INTERLOCUTÓRIA - NÃO CABIMENTO. EXCEÇÕES. Não cabe agravo de petição contra decisão interlocutória, salvo (i) imponha, de alguma forma, obstáculo intransponível ao regular prosseguimento da execução; (ii) seja capaz de, concretamente, causar gravame imediato à parte, não impugnável por embargos à execução; Ou (iii) contra decisão que acolhe ou rejeita o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Incidência do § 1º do artigo 893 c/c os artigos 897, "a", e 855-A, II, todos da CLT.". (TRT-05ª R. - AP 0001091-56.2010.5.05.0020 - 2ª T. - Relª Marizete Menezes Corrêa - DJ 26.07.2022).

3 ARR-19700-68.1986.5.02.0002, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 15/05/2020).

4 O entendimento não é pacífico, mas alguns magistrados entendem que se não forem renovados os protestos nas razões finais ou memoriais ocorre a preclusão para se arguir eventuais nulidades.

Guilherme Galvão de Mattos Souza

Guilherme Galvão de Mattos Souza

Advogado. Professor. Mestrando em Direito(UNESA).Especialista em Direito Digital do Trabalho; Compliance e LGPD(VERBO).Especialista em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário(UNESA).

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