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(Ato-)fato jurídico e criação intelectual

Sic et simpliciter, quando do «ato jurídico de criação» (da invenção ou da obra), estamos diante de ato-fato jurídico. Quando do ato estatal de atribuição (concessão) de feixes de direitos industriais, está-se diante de «ato jurídico administrativo stricto sensu e complexo.

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Atualizado em 4 de maio de 2023 11:09

Sic et simpliciter, quando do «ato jurídico de criação» (da invenção ou da obra), estamos diante de ato-fato jurídico. Quando do ato estatal de atribuição (concessão) de feixes de direitos industriais, está-se diante de «ato jurídico administrativo stricto sensu e complexo».1  As colocações ponteanas, nesta toada, são pioneiras em sede de Direito brasileiro:

«O ato de inventar, de que resultam os direitos concernentes às invenções, entra no mundo jurídico como ato-fato jurídico, à semelhança do ato de criação literária, artística e científica. Podem criar o absolutamente incapaz e o relativamente incapaz. A invenção do louco é patenteável. Idem, a do surdo-mudo. [...] A razão para ter direito sobre a invenção o absolutamente incapaz não está em que dela só lhe podem vir vantagens, mas sim em se tratar de ato-fato jurídico, que é o inventar».2

A manualística de Daniel Carnacchioni, Carlos Eduardo Elias de Oliveira e João Costa-Neto também colabora à compreensão dos conceitos: de modo geral, importa à noção de ato-fato3 «verificar a consequência do ato, ou seja, o resultado jurídico, sem dar maior significância para o fato de haver vontade ou não de realizá-lo» , eis que, em se tratando de «ato-fato jurídico, basta o ato humano na origem, independentemente da vontade de provocar, em decorrência do ato humano, alguma consequência jurídica»5. Em tempo, «trata-se de uma mescla dos atos e dos fatos jurídicos»6, pois «há uma conduta humana (daí se falar em «ato»), mas o Direito desconsidera a presença de discernimento para o ato»7, a justificar, a partir daí, o «fato», pois é «como se o indivíduo estivesse agindo pelo seu instinto natural, pela natureza»8.

Repise-se, portanto, que quando se trata de atos-fatos jurídicos, está se fazendo referência a atos humanos9 em que ou «não houve vontade»10, ou não se tem por considerado «o conteúdo da vontade, aptos, ou não, a serem suportes fáticos de regras jurídicas» . No volume referente ao plano da existência12-13, Marcos Bernardes de Mello, avançando as proposições ponteanas14, distingue três modalidades15  de atos-fatos: «os atos reais, os atos-fatos jurídicos indenizativos e os atos-fatos jurídicos caducificantes».

É de interesse, no presente momento, os atos ditos reais16. Estes atos reais apresentam firme raiz na dogmática alemã. Parte da leitura dos juristas brasileiros da doutrina alemã17-18 a influência fundamental no desenvolvimento dos atos-fatos - mais propriamente dos atos reais - ocorrido na doutrina nacional, através de sua evolução centenária, a partir do Código Bevilácqua. Zeno Veloso, em arguto e sagaz artigo na temática dos fatos jurídicos, ensina que:

«A doutrina alemã distingue, ainda, o que denomina atos reais - Realakten -, ou atos materiais - Tathandlüngen -, que são os atos humanos dos quais decorrem consequências jurídicas, sem que se dê relevância ao elemento volitivo. Diante de uma atitude, de um comportamento, da mera atuação ou conduta humana decorrem efeitos jurídicos, sem que se leve em conta uma respectiva vontade do agente para a obtenção do resultado. Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado, t. II, § 209, p. 372) opina que eles escapam às classes dos negócios jurídicos e dos atos jurídicos stricto sensu, e denomina-os atos-fatos jurídicos. Não é preciso que se tenha querido a juridicização deles, nem, obrigatoriamente, a irradiação de efeitos. São atos humanos que entram no mundo jurídico por si mesmos, sem se atender à vontade dos agentes. A conduta em si é que importa, e a consequência jurídica se opera sem que se considere o elemento vontade, o dado psíquico interior, a circunstância de o agente ter, ou não, uma vontade correspondente ao resultado».19

Otávio Henrique Baumgarten Arrabal

Otávio Henrique Baumgarten Arrabal

Graduando em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB).

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