Os direitos na execução penal: desmitificando a Ideia de 'benefícios' e combatendo o discurso punitivista
A importância da reflexão crítica que desmitifica a ideia de "benefícios" na execução penal, combatendo o discurso punitivista e defendendo a educação como direito fundamental para a ressocialização de reeducandos.
terça-feira, 2 de maio de 2023
Atualizado às 13:42
A execução penal é uma etapa importante do sistema de justiça criminal, pois se trata do momento em que as penas impostas aos condenados são cumpridas. No entanto, é comum encontrar inflamados discursos públicos, endossados por parte da mídia, uma ideia de que os direitos garantidos aos reeducandos na execução penal seriam, na verdade, benefícios concedidos pelo Estado. Essa compreensão equivocada contribui para a violação dos direitos humanos e a precarização da execução penal.
Os direitos dos sentenciados, como o direito à educação, à saúde e à alimentação adequada, são garantias fundamentais previstas na Constituição Federal e em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Esses direitos não são benefícios concedidos pelo Estado, mas sim deveres a serem cumpridos por este mesmo Estado, como parte da sua obrigação de garantir a dignidade humana e a reinserção social dos condenados.
Além disso, a compreensão flagrantemente errônea dos direitos dos reeducandos como benefícios pode levar à ideia de que esses direitos são dispensáveis ou secundários, o que não é verdade. Na realidade, o cumprimento dos direitos dos sentenciados é fundamental para a efetividade da execução penal, pois ajuda a prevenir a violência e a garantir que os condenados possam se reintegrar na sociedade após o cumprimento de suas expiações.
A obra de Cristiano Rodrigues, "Execução Penal: teoria crítica e prática dogmática" (2017), destaca que os direitos dos reeducandos na execução penal são garantias fundamentais, e não benesses concedidas pelo Estado. Segundo o autor, "o cumprimento das penas privativas de liberdade deve ocorrer com respeito à dignidade humana dos condenados e com garantia dos direitos fundamentais, a fim de assegurar a sua ressocialização".
A obra de Luís Greco, "A Execução Penal como Direito do Condenado" (2015), também chama a atenção para o fato de que os direitos dos reeducandos são garantias fundamentais e não benefícios. Segundo o autor, "os direitos dos condenados são direitos subjetivos, reconhecidos pelo ordenamento jurídico, e não concessões de um poder benevolente que lhes faz a caridade de conceder alguns benefícios".
Portanto, é fundamental compreender que os direitos dos reeducandos na execução penal não são benefícios, mas sim garantias fundamentais previstas na Constituição e em tratados internacionais. A garantia desses direitos é essencial não só em termos práticos, na efetividade da execução penal, com também para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.
No entanto, apesar dessa compreensão ser clara na teoria, na prática, é comum encontrar situações em que os direitos dos reeducandos são violados ou desrespeitados.
Inúmeros são os relatos de familiares, defensores e até mesmo dos próprios sentenciados. Seja no tratamento dados aos visitantes, na sonegação do atendimento médico, na ideia absurda que prega o fim da progressão de regime. Isso pode ocorrer devido à falta de estrutura e de recursos adequados nas unidades prisionais, à precariedade da gestão e ao preconceito em relação àqueles que cumprem penas por terem cometido delitos.
A falta de estrutura para o cumprimento dos direitos dos sentenciados pode ser exemplificada pela precariedade da educação nas penitenciárias brasileiras. Segundo dados do Infopen, em 2019, apenas 12,3% dos presos no Brasil frequentavam algum tipo de atividade educacional. Isso se deve, em grande parte, à falta de recursos e de investimentos adequados na área educacional nas unidades prisionais.
A obra de Júlio Fabbrini Mirabete, "Manual de Direito Penal: parte geral" (2015), destaca a importância da educação na ressocialização dos detentos. Segundo o autor, "a educação é um dos meios mais eficazes de preparar o preso para a vida em sociedade". Portanto, o desrespeito aos direitos educacionais dos detentos pode comprometer significativamente a efetividade da execução penal.
A compreensão equivocada dos direitos dos reeducandos como benefícios pode contribuir para a naturalização da violência e da precarização da execução penal. É fundamental reconhecer que o cumprimento desses direitos é um dever do Estado e uma forma de garantir a dignidade humana dos detentos e sua ressocialização. Além disso, é necessário investir em estrutura e recursos adequados nas unidades prisionais, a fim de garantir o cumprimento efetivo dos direitos dos reeducandos na execução penal.
Infelizmente, a concepção equivocada dos direitos dos detentos como benefícios também tem sido utilizada para justificar políticas públicas punitivistas e restritivas, que visam endurecer as condições da execução penal. Essas políticas são muitas vezes baseadas em discursos populistas que culpam os presos pela violência e pelo crime, e que pregam a punição como única solução para o problema.
Esses discursos são perigosos, pois promovem uma visão distorcida da realidade e ignoram os problemas estruturais do sistema penal brasileiro. Além disso, ao justificar políticas públicas restritivas e punitivistas, esses discursos tendem a aprofundar ainda mais a crise do sistema penal e a violar ainda mais os direitos dos detentos.
Nesse sentido, a obra de Alessandro Baratta, "Criminologia crítica e crítica do direito penal" (2011), destaca que o discurso punitivista é uma das principais causas da violência no sistema penal, pois naturaliza a ideia de que os presos são pessoas sem direitos, que devem ser punidos a qualquer custo. Segundo o autor, essa visão é equivocada, pois ignora a necessidade de proteger os direitos humanos dos sentenciados e de promover a sua ressocialização.
Portanto, é fundamental reconhecer que os direitos dos reeducandos na execução penal não são benefícios, mas sim garantias fundamentais previstas na Constituição Federal. Negar ou violar esses direitos só contribui para agravar a crise do sistema penal e a violência dentro e fora das prisões. Por isso, é importante que a sociedade brasileira, bem como os governos e as autoridades responsáveis, reconheçam a importância de investir em políticas públicas que promovam a ressocialização dos detentos e respeitem os seus direitos humanos na execução penal.
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