Execução fiscal municipal e dívida de IPTU/Taxas Imobiliárias
São essas brevíssimas considerações que se pretendia lançar e que visam, no esforço colaborativo, identificar caminhos argumentativos no viés da higidez da execução fiscal municipal quando corretamente indicado o sujeito passivo do IPTU/Taxas Imobiliárias.
quarta-feira, 26 de abril de 2023
Atualizado às 13:21
É comum observar nas execuções fiscais municipais que tratam da cobrança de IPTU/Taxas Imobiliárias a alegação de ilegitimidade passiva do executado com base na alienação do imóvel firmada em contrato de promessa de compra e venda, ainda que não registrado em cartório de imóveis.
E, de igual modo, é comum observar decisões judiciais acolhendo essa ilegitimidade passiva da parte executada e determinando a extinção da execução fiscal, citando inclusive a súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça: "A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução".
Trata-se de um equívoco e que enseja algumas brevíssimas considerações, a fim de alertar, tanto quanto possível, que esse entendimento viola frontalmente a legislação em vigor.
Primeiro porque, segundo o artigo 1.245 do Código Civil, a transferência do imóvel apenas ocorre com o registro do título translativo no cartório de imóveis:
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1 º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
Assim, a venda de um imóvel consubstanciada em instrumento de compra e venda não registrada no cartório de imóveis não produz o efeito de alterar o respectivo domínio.
Cabe atentar para um importante detalhe que, por mais que seja sabido, muitas vezes passa despercebido: o registro do contrato de promessa de compra e venda no cartório de notas não enseja a mudança de titularidade do imóvel, de modo que a juntada desse documento pelo executado/alienante não pode ensejar a extinção da execução fiscal. Aqui há uma certa desatenção: confunde-se registro no cartório de notas com registro no cartório de imóveis, e, por isso, parte-se da premissa equivocada que o contrato foi registrado a tal ponto de justificar o acolhimento da ilegitimidade passiva.
Segundo porque, o Poder Público, ao efetuar o lançamento do crédito tributário, deve identificar com exatidão o sujeito passivo (artigo 142 do Código Tributário Nacional). Assim, se a certidão de dívida ativa indica o proprietário constante no registro de imóveis como sujeito passivo não há qualquer erro, seja material, seja formal, a ser sanado.
E, não tendo o registro do título no cartório de imóveis, "o alienante continua a ser havido como dono do imóvel" e o lançamento tributário e a CDA são hígidos.
Em outros termos, tendo sido feito o lançamento em face do proprietário constante no registro de imóveis, a CDA decorrente de tal procedimento administrativo-tributário reflete corretamente o contribuinte. Não há que se cogitar de ilegitimidade passiva do executado.
Terceiro porque, nessa perspectiva, não havendo qualquer erro na CDA, não há espaço para se aplicar a citada súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça. A certidão de dívida ativa é perfeita.
O entendimento expressado na súmula 392 não guarda qualquer pertinência temática com a situação aqui tratada. Não existindo erro (material ou formal), não há que se cogitar de mudança do sujeito passivo da execução.
Quarto porque, segundo o artigo 34 do Código Tributário Nacional, são contribuintes do IPTU: o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou seu possuidor a qualquer título.
Nesse sentido, a municipalidade, no exercício de sua competência tributária, pode escolher, dentre os indicados no referido dispositivo legal, o contribuinte do IPTU. E, optando pelo proprietário do imóvel, esse é parte legítima na execução fiscal.
Quinto porque, para fins de corroborar tudo quanto afirmado, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado na Tese 122: "Tanto o promitente comprador (possuidor a qualquer título) do imóvel quanto o seu proprietário/promitente vendedor (aquele que tem a propriedade registrada no Registro de Imóveis) são contribuintes responsáveis pelo pagamento IPTU".
Veja-se o acórdão do REsp 1.111.202/SP, processado sob o regime de recurso repetitivo, que deu origem a citada Tese 122:
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. LEGITIMIDADE PASSIVA DO POSSUIDOR (PROMITENTE COMPRADOR) E DO PROPRIETÁRIO (PROMITENTE VENDEDOR).
1. Segundo o art. 34 do CTN, consideram-se contribuintes do IPTU o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título.
2. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que tanto o promitente comprador (possuidor a qualquer título) do imóvel quanto seu proprietário/promitente vendedor (aquele que tem a propriedade registrada no Registro de Imóveis) são contribuintes responsáveis pelo pagamento do IPTU. Precedentes: RESP n.º 979.970/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de 18.6.2008; AgRg no REsp 1022614 / SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJ de 17.4.2008; REsp 712.998/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ 8.2.2008 ; REsp 759.279/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ de 11.9.2007; REsp 868.826/RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 1º.8.2007; REsp 793073/RS, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 20.2.2006.
3. "Ao legislador municipal cabe eleger o sujeito passivo do tributo, contemplando qualquer das situações previstas no CTN. Definindo a lei como contribuinte o proprietário, o titular do domínio útil, ou o possuidor a qualquer título, pode a autoridade administrativa optar por um ou por outro visando a facilitar o procedimento de arrecadação" (REsp 475.078/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 27.9.2004).
4. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08". (STJ - REsp: 1111202 SP 2009/0009142-6, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 10/06/2009, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: 20090618 --> DJe 18/06/09).
Por oportuno, cabe mencionar que, em recente julgado que cuida de Taxa Imobiliária - TRSD Taxa de Coleta, Remoção e Destinação de Resíduos Sólidos Domiciliares (REsp n.º 2059707/PE), o Ministro Mauro Campbell prolatou decisão monocrática exatamente no sentido da Tese n.º 122 - REsp n.º 1.111.202/SP, dando provimento ao recurso especial interposto em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que, a despeito da ausência de registro do título translativo no cartório de imóveis, tinha acolhido a ilegitimidade passiva de uma entidade de conselho profissional. Veja-se trecho da decisão:
Conforme o cediço entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a transmissão da propriedade imobiliária, a teor do disposto no art. 1.245 do CC/2002, opera-se, apenas, com o registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis competente, sem o qual o alienante continua a ser havido como proprietário do bem imóvel. Nesse mesmo: (AgRg no AREsp n. 305.935/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 3/9/2013, DJe 10/9/2013 e REsp n. 1.824.216/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/8/2019, DJe 5/9/19).
Com efeito, a Primeira Seção do STJ, no julgamento do Recurso Especial repetitivo 1.110.551/SP, de minha relatoria, consolidou a tese segundo a qual tanto o promitente comprador do imóvel quanto seu proprietário/promitente vendedor (aquele que tem a propriedade registrada no Registro de Imóveis) são contribuintes responsáveis pelo pagamento do IPTU, cabendo à legislação do município eleger o sujeito passivo do tributo, a fim de contemplar qualquer das situações previstas no CTN, podendo a autoridade administrativa optar por um ou por outro (desde que previstos na legislação), de modo a facilitar o procedimento de arrecadação.
São essas, portanto, brevíssimas considerações que se pretendia lançar e que visam, no esforço colaborativo, identificar caminhos argumentativos no viés da higidez da execução fiscal municipal quando corretamente indicado o sujeito passivo do IPTU/Taxas Imobiliárias.