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Priorização de ações preventivas em face do "enforcement"

Francisco Petros e Janaína Prado

O questionamento que surge é sobre a eficiência institucional das autoridades reguladoras nas suas ações e fiscalizações preventivas, na criação de normas mais transparentes e eficazes e no prestígio dispensado às estruturas e profissionais internos às autoridades.

quinta-feira, 27 de abril de 2023

Atualizado às 09:12

As autoridades ao redor do mundo e no Brasil têm agido com base nos seus poderes para atuar a partir de uma determinação normativa ("enforcement") em momentos de crises. É o que ocorreu no caso de instituições financeiras nos EUA e no caso do Brasil no setor de varejo, notadamente em vista da crise das Lojas Americanas. No entanto, a pergunta que surge é se este tipo de ação (baseada em "enforcement") tem sido realmente eficiente. Afinal, em sendo de caráter repressivo, advém após as ocorrências, inclusive colapsos financeiros.

O Silicon Valley Bank (SVB) era conhecido pela sua vinculação com empresas de tecnologia, inclusas as denominadas startups do segmento. A instituição cresceu bastante nos últimos anos, principalmente em função de quando estas empresas aumentavam as suas captações financeiras, em geral via investimentos angariados junto a fundos de venture capital e private equity ou, ainda, via abertura de capital (IPO) e/ou captação de dívida (securities). Ocorre que a gestão do SVB utilizou estes recursos financeiros vindos de seus clientes para comprar títulos de governo e títulos de renda fixa de instituições privadas de longo prazo, os quais são muito sensíveis às variações, no caso, ao aumento de juros americanos. Além dos riscos usuais dos clientes, o SVB agregou um componente especulativos à sua estratégia corporativa.

Ademais, os títulos adquiridos pelo Silicon Valley Bank não estavam marcados a "valor de mercado" (marked to market), sendo valorados a valor nominal (curva de juros dos títulos). Com efeito, a volatilidade dos preços dos títulos não estava refletida nas demonstrações financeiras do SVB. Um procedimento primário foi adotado à vista das autoridades e investidores. Com o passar do tempo, "prevaleceu" a razão: os clientes sentiram-se inseguros e começaram a fazer saques crescentes, deteriorando a estrutura de capital da instituição financeira. Como se vê, nada de novo no front ocorreu neste caso, paradoxalmente somente a sua "quebra".

O governo americano interveio e, na prática, assumiu a gestão do SVB. A insegurança no setor bancário se alastrou e impulsionou o fechamento pelos órgãos reguladores de outra instituição financeira, no caso, o Signature Bank. O que era uma crise "específica", acabou por espalhar "ansiedade no mercado" face a outros bancos regionais (pequenos e médio portes) dos Estados Unidos, o conhecido e nefasto "efeito cascata".

No Brasil, o setor de varejo sofreu grande impacto, em vista da crise das Lojas Americanas, que, de forma estranha e surpreendente, informou sobre "inconsistências contábeis" nas suas demonstrações financeiras - comenta-se na mídia que dos últimos dez anos! Por ser uma "gigante" do varejo, os temores também se espalharam no mercado de capital e financeiro, causou prejuízos à cadeia produtiva e aos trabalhadores diretos e indiretos. Neste contexto de "leite derramado", a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado financeiro brasileiro, instaurou processo administrativo com a finalidade de apurar as condutas relacionadas à possível fraude contábil.

Observados os exemplos acima e os seus efeitos, o questionamento que surge é sobre a eficiência institucional das autoridades reguladoras nas suas ações e fiscalizações preventivas, na criação de normas mais transparentes e eficazes e no prestígio dispensado às estruturas e profissionais internos às autoridades. Por óbvio, agências reguladoras não podem prever todas as situações e crises de mercado. Mas, o "enforcement" tem se tornado ultrapassado e contribuído para a perda sistêmica de confiança dos stakeholders das empresas e agentes do mercado financeiro e de capital, que acabam por duvidar em relação a abordagem e/ou identificação dos riscos (sistemáticos e não sistemáticos).

De outro lado, as ações meramente repressivas têm afetado a credibilidade das autoridades e a sua voz política perante os poderes constituídos, incluso o Legislativo e Judiciário, bem como em relação a opinião pública. Não seria o caso, então, da supervisão ser mais agressiva? Discussões acadêmicas e de agentes de mercado (vide o artigo "Regulation by Enforcement", dos autores Chris Brummer, Yesha Yadav & David Zaring), sobre programas de resgates de empresas com utilização de recursos públicos identificam que tais ações governamentais acabam por agregar outros tipos de riscos e dificuldades ao pleno funcionamento dos mercados e das economias. Basta ver as barreiras que enfrenta o Federal Reserve, o banco central dos EUA, para minorar o fluxo de compra de títulos de empresas que tiveram dificuldades financeiras na crise de 2008, mais de quinze anos atrás!

A solução está para ser construída, mas a criação de regras mais atuais baseadas na evolução de riscos, com atenção especial ao capital, liquidez, taxa de juros e volatilidade, de forma mais relacionada à realidade atual parece ser o começo da solução. Não seria exagero também que houvesse uma revisão completa das políticas estruturais pelos órgãos reguladores para evitar e não prejudicar a confiança do mercado e, sobretudo, a estabilidade financeira, econômica e social.

Vale dizer, por fim, que os reguladores já têm disponíveis muitas ferramentas para mitigar as ameaças à segurança e solidez. Talvez haja necessidade de padrões mais rigorosos para gerenciar melhor os riscos.

Evoluir na compreensão do sistema financeiro à luz do novo capitalismo, frente a tecnologias em mudanças constantes e riscos emergentes (novos modelos de negócios) é essencial para a estabilidade financeira. As famílias, empresas e investidores buscam uma economia saudável para viverem em paz, no uso de uma expressão coloquial. Por fim, em tom e o estilo sóbrios, não seria também o caso de a classe política discutir reformas neste sentido?

Francisco Petros

Francisco Petros

Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB - Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.

Janaína Prado

Janaína Prado

Advogada do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.

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