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Obra pública agora pode ser licitada por pregão?

Ao analisar a nova lei de licitações, o artigo avalia se agora as obras públicas podem ser licitadas por pregão ou se tal modalidade ficou restrita aos serviços comuns não definidos como "obras"

segunda-feira, 24 de abril de 2023

Atualizado às 14:56

A nova lei de Licitações do Brasil (lei 14.133/21) trouxe importantes mudanças no que diz respeito à realização de licitações de obras e serviços de engenharia. Entre elas está a possibilidade mais clara de utilizar a modalidade pregão para a contratação de serviços comuns de engenharia, o que já era admitido na jurisprudência de órgãos de controle.

Mas será que essa modalidade de licitação também pode ser utilizada para a licitação de obras? O que a lei 14.133/21 efetivamente diz a esse respeito?

Antes de tudo, é importante entender o que é o pregão. Essa é uma modalidade de licitação que permite a aquisição de bens e serviços por meio de uma disputa entre os interessados, com lances sucessivos e decrescentes em sessão pública. A ideia é que essa modalidade de licitação seja mais rápida e eficiente do que as outras, o que pode resultar em economia de recursos para o poder público.

O objetivo do pregão é promover a competição entre os licitantes, buscando a melhor proposta para a Administração Pública em termos de qualidade, preço, prazo e condições de pagamento. O pregão pode ser realizado na forma presencial ou eletrônica, sendo que a forma eletrônica é preferencial.

De acordo com a definição da própria lei, o pregão é modalidade de licitação obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto. Por sua vez, a lei define bens e serviços comuns como aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade podem ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado.

Ainda mais específica é a definição de serviço comum de engenharia, a qual engloba todo serviço de engenharia que tem por objeto ações, objetivamente padronizáveis em termos de desempenho e qualidade, de manutenção, de adequação e de adaptação de bens móveis e imóveis, com preservação das características originais dos bens.

A partir da leitura da legislação, não há dúvida que o pregão pode ser utilizado para contratação de serviços comuns de engenharia. No entanto, a interpretação quanto a possibilidade de utilização do pregão para a contratação de obras pode não ser assim tão simples. Isso porque essas contratações costumam ser mais complexas do que as contratações de bens e serviços comuns, envolvendo projetos mais elaborados e uma série de etapas que precisam ser cuidadosamente planejadas.

A lei 14.133 define obra como toda atividade estabelecida, por força de lei, como privativa das profissões de arquiteto e engenheiro que implica intervenção no meio ambiente por meio de um conjunto harmônico de ações que, agregadas, formam um todo que inova o espaço físico da natureza ou acarreta alteração substancial das características originais de bem imóvel.

O problema é que a definição não é suficiente para esclarecer a dúvida inicialmente colocada. Não há definição na lei sobre o que seria uma "obra comum", capaz de atrair a possibilidade de licitação na modalidade pregão. Pelo contrário, a nova lei de licitações estabelece no parágrafo único do art. 29 que a modalidade pregão não se aplica às contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e de obras e serviços de engenharia, excetuado apenas os serviços de engenharia de que trata a alínea "a" do inciso XXI do caput do art. 6º.

Nota-se que a referida alínea trata exclusivamente do conceito de serviço comum de engenharia, ou seja, não traz qualquer definição de "obra comum" tampouco menciona a obra pública em seu contexto. A interpretação isolada desse dispositivo, portanto, induz que a lei 14.133/21 propositalmente afastou a possibilidade de utilização da modalidade pregão para contratação de obras e nem sequer reconhece a existência de "obras comuns" ou de melhor complexidade.

A reforçar esse entendimento, ao definir a modalidade concorrência a lei expressamente a atribui às contratações de bens e serviços especiais e de "obras e serviços comuns" e especiais de engenharia. Dessa forma, revela indiretamente que a modalidade de concorrência deve ser utilizada para obras, e admite a possibilidade de sua utilização (facultativa) para serviços comuns de engenharia.

Não obstante, em outro momento, mais precisamente no §3º do art. 18, a lei 14.133 menciona "obras e serviços comuns" de engenharia dentro de um contexto que parece admitir a existência implícita de um conceito de "obra comum". Ela o faz quando trata do estudo técnico preliminar para contratação de "obras e serviços comuns de engenharia", ao dispensar a elaboração de projetos nos casos em que se demonstrar a inexistência de prejuízo para a aferição dos padrões de desempenho e qualidade almejados.

Se interpretada em conjunto com a definição genérica de "bens e serviços comuns", aparentemente a lei 14.133 admite a hipótese de existência de obras que se enquadram no conceito de "comuns", dentro do qual, genericamente, pode-se presumir que estão abrangidas todas as atividades cujos padrões de desempenho e qualidade podem ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado.

Nesse sentido, se a obra for de menor complexidade e puder ser técnica e objetivamente definida pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado, é possível imaginar e defender uma interpretação mais permissiva dos dispositivos legais, na direção de admitir a utilização da modalidade pregão para determinados tipos de obras menos complexas.

Outro momento que reforça o argumento em favor da possibilidade de licitar obras comuns por pregão é no art. 55, que define os prazos mínimos para apresentação de propostas e lances. Segundo esse artigo da lei, no caso de serviços comuns e de "obras e serviços comuns de engenharia", o prazo será de 10 (dez) dias úteis quando adotados os critérios de julgamento de menor preço ou de maior desconto.

Mais uma vez a lei parece admitir a existência de "obras comuns", ao lado dos serviços comuns de engenharia, o que nos levaria à inevitável conclusão pela possibilidade de licitar obras mais simples pela modalidade pregão, tudo nos termos da nova lei de licitações (lei 14.133/21).

Seria então possível concluir que, nos termos da nova lei de licitações, a modalidade pregão poderia ser adotada para a licitação de obras, desde que elas possam ser enquadradas na definição genérica de "comuns", ou seja, aquelas cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado?

Ainda que se aceite uma interpretação como essa a partir da nova lei de licitações - apesar de haver vedação expressa da utilização do pregão eletrônico para obras em regulamentos federais (decreto 10.024/19, p. ex.) -, seria preciso tomar precauções para garantir a correta aplicação dos princípios e objetivos da legislação de contratações públicas.

É preciso ter muito cuidado ao concluir pela eventual possibilidade de utilização do pregão para a contratação de obras, com fundamento na lei 14.133/21. Isso porque a elaboração do projeto e do orçamento detalhado é fundamental para o sucesso desse tipo de contratação. Se esses documentos não estiverem bem elaborados, o risco de problemas durante a execução da obra ou do serviço aumenta consideravelmente.

Para obras que realmente sejam muito simples - quando a lei inclusive parece dispensar a elaboração de projetos (art. 18, §3º) -, a utilização do pregão pode em tese trazer algumas vantagens. A modalidade pregão pode ser mais ágil e menos burocrática do que as outras modalidades de licitação, o que pode resultar em economia de recursos e em uma execução mais rápida. Além disso, a utilização do pregão pode aumentar a concorrência entre os interessados, o que pode resultar em preços mais competitivos e em uma escolha mais adequada do fornecedor.

Diante desses prós e contras, é razoável admitir uma maior flexibilidade do uso das modalidades de licitação de acordo com as características e riscos envolvidos em cada tipo de objeto. Como regra, a escolha da modalidade de licitação mais adequada para cada contratação vai continuar a depender das particularidades de cada caso. Por isso, é fundamental que os gestores públicos avaliem cuidadosamente todas as opções disponíveis e escolham justificadamente a melhor solução para atender ao interesse público. Apenas com base na redação "fria" da lei 14.133/21, esse tema parece não ter sido absolutamente resolvido.

Rafael Garofano

Rafael Garofano

Advogado. Professor de Direito. Sócio fundador do escritório Garofano Sociedade de Advogados. Doutor e Mestre em Direito pela USP. Co-fundador do "Ensina Brasil" e Diretor do "Instituto Mirã".

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