Imputação excessiva não pode impedir ANPP em momento processual posterior ao oferecimento da denúncia
Trata-se de importantíssimo precedente para a fixação de balizas justas na interpretação desse ainda novo instituto introduzido no direito brasileiro.
quinta-feira, 20 de abril de 2023
Atualizado às 17:17
Se (i) o Acordo de Não Persecução Penal ("ANPP") é limitado aos casos com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos; (ii) o momento processual para o seu oferecimento é o mesmo da apresentação da denúncia; e (iii) o responsável por isso é o próprio Ministério Público, como fica a situação da pessoa que se vê acusada de forma excessiva?
De cara, salta aos olhos ser inadmissível que alguém seja prejudicado em virtude da má atuação de um agente estatal.
Além de ser um princípio básico do direito em um Estado Democrático, permitir isso abriria portas para a utilização abusiva do direito de punir apenas para inviabilizar a aplicação do ANPP.
Sim, pois, é muito mais fácil para um Acusador mal-intencionado - que queira impedir o ANPP - oferecer denúncia por um crime mais grave que o verdadeiramente ocorrido ou em modalidade de concurso material quando se trata de continuidade (para ficar com dois exemplos comuns na prática forense), do que apontar alguma razão idônea pela qual o referido instituto não seria "necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime" em um caso que cumpre com todos os requisitos objetivos.
Ou seja, a pessoa acusada seria duas vezes prejudicada. Primeiro, por lhe ser tolhida indevidamente a possibilidade de celebrar o ANPP. Segundo, por ser processado - e correr o risco de condenação - por crime mais grave que o praticado.
A solução não poderia ser outra, senão viabilizar a aplicação do ANPP em fases processuais mais avançadas, inclusive em grau de recurso, sempre que uma imputação for desclassificada e a nova situação fática tornar o instituto objetivamente aplicável.
É exatamente o que decidiu a 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça em importante precedente para a formação das balizas necessárias para esse novo instituto (REsp 2.016.905, Rel. Ministro Messod Azulay Neto).
No caso do precedente a Recorrente havia sido denunciada por 7 (sete) crimes de falsidade ideológica em concurso material, que, pela soma (7 anos), impedia a aplicação do acordo. Foi condenada em primeira instância nesses termos à pena de 9 (nove) anos, 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado.
O TJ/SP deu parcial provimento ao recurso de apelação para reconhecer o excesso representado pelo concurso material. Tratava-se de hipótese de continuidade delitiva. Corrigida a modalidade de concurso de crimes, a pena-mínima aplicável passou a ser menor que 4 (quatro) anos, como exige o art. 28-A do CPP.
O Tribunal, entretanto, após protesto da Defesa em grau de embargos declaratórios, negou a aplicação do instituto justamente sob a justificativa de que "o acordo de não persecução tem momento próprio, distinto do em questão".
Diante desse cenário, a 5ª turma concluiu de forma irretocável que "nos casos em que houver a modificação do quadro fático jurídico, como no caso em questão, e ainda em situações em que houver a desclassificação do delito - seja por emendatio ou mutatio libelli -, uma vez preenchidos os requisitos legais exigidos para o ANPP, torna-se cabível o instituto negocial" (REsp 2.016.905).
Trata-se de importantíssimo precedente para a fixação de balizas justas na interpretação desse ainda novo instituto introduzido no direito brasileiro.
Alberto Zacharias Toron
Advogado criminalista no escritório Toron, Torihara e Szafir Advogados.
Michel Kusminsky Herscu
Advogado criminalista, sócio do Toron, Torihara e Cunha, especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca e membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP.