Os crimes contra a honra na visão dos Tribunais Superior
Enquanto os crimes de calúnia e difamação devem ser descritos dentro de contexto objetivo e pormenorizado, o crime de injúria, como depende de análise subjetiva da vítima, a sua tipicidade material dependerá interpretação Judicial.
quinta-feira, 20 de abril de 2023
Atualizado às 07:54
O crime de calúnia está previsto no art. 138 do Código Penal, e é imputado àquele que falsamente acusa alguém de um fato capitulado na legislação como crime. Sendo assim, não é qualquer acusação desprovida de fundamentação que caracteriza o delito, pois a norma em análise exige que o acusador descreva a conduta delitiva com a indicação de fato determinado, situado no tempo e no espaço.
Assim, por exemplo, se, genericamente, uma pessoa acusa a outra da venda de sentenças, sem indicar o processo que supostamente teria ocorrido o suposto crime de corrupção passiva, não é possível cogitar a hipótese do crime de calúnia, uma vez que o acusador não imputou um fato determinado, situado no tempo e no espaço.
No julgamento da APn 990/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21/9/22, DJe de 7/10/22, foi rejeitada, à unanimidade, a denúncia proposta contra membro do Ministério Público Federal, pela suposta prática do crime de calúnia, uma vez que a acusação não descreveu um fato determinado, específico e realmente descrito como crime:
"Com efeito, de acordo com entendimento pacífico do STJ, para configuração do crime de calúnia, urge a imputação falsa a outrem de fato definido como crime. Ou seja, deve ser imputado um fato determinado, devidamente situado no tempo e no espaço, bem como tal fato deve ser definido como crime pela lei penal, além de a imputação ser falsa. Portanto, não configura calúnia, em sentido oposto, a alegação genérica de uma conduta eventualmente delitiva."
Aliás, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é inepta a denúncia que se limita a descrever o suposto crime de calúnia de forma abstrata, sem indicar o fato individualizado e específico:
"A narrativa constante da inicial não tipifica o crime de calúnia, para cuja configuração é necessário que tenha havido imputação concreta e individualizada, ao Querelante, de fato definido como crime.
(Inq 2870, Relator(a): JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 15/3/12, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-154 DIVULG 06-08-2012 PUBLIC 7/8/12)"
Portanto, quando a acusação não é sustentada em elementos capazes de assegurar o exercício do contraditório e da ampla defesa, com a indicação precisa e específica do fato criminoso, não há viabilidade técnica para que seja instaurada a persecução criminal pelo suposto delito contra a honra, pois, conforme sustentado, a calúnia não se tipifica com acusações genéricas e abstratas:
"A tipificação do crime imputado deve ser certa, determinada e precisa, sob pena de se instalar, no sistema de persecução penal, a atribuição difusa, inespecífica e genérica, capaz de abranger qualquer incriminação e impossibilitar a ampla defesa da pessoa acoimada da prática ilícita.
(AgRg na APn 313/DF, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, julgado em 4/4/18, DJe de 18/4/18.)"
A mesma interpretação de procedibilidade acusatória pode ser feita em relação ao crime de difamação, pois o art. 139 do Código Penal exige, também, que a narração fática sobre a ocorrência delitiva seja gerada com base em elementos específicos e individualizados:
"Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:"
Enquanto na calúnia há imputação de fato descrito como crime na legislação brasileira, na difamação é feita uma falsa acusação de fato não criminoso, mas desonroso, capaz de ofender a honra objetiva da vítima. Pode-se dizer que são imputações capazes de gerar impactos negativos na vida pessoal ou profissional da vítima, mas que só estará caracterizada, para fins de procedibilidade acusatória, caso o autor da denúncia ou da queixa-crime consiga pormenorizar a suposta conduta criminosa:
"O tipo de difamação exige a imputação de fato específico.
(Inq 2582, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 21/11/07, DJe-031 DIVULG 21/2/08 PUBLIC 22-02-2008 EMENT VOL-02308-01 PP-00131)"
Com efeito, no crime de injúria, onde a dignidade e o decoro são tratados como condições de procedibilidade que depende de interpretação subjetiva da própria vítima do delito, uma vez que o tipo penal não faz referência a fato objetivo, mas à honestidade do ofendido, a condição de procedibilidade acusatória dependerá de análise interpretativa do julgador, que colocará na balança a viabilidade acusatória vista sob o prisma da razoabilidade.
"A imputação de eventual prática de injúria, principalmente na seara pública, deve ser analisada de forma contextualizada.
(...)
Embora o querelado tenha feito menção ao nome do querelante em determinado ponto da entrevista, o acusado, na verdade, agiu com animus criticandi em relação a determinados setores administrativos governamentais, restando ausente o dolo específico do tipo.
(APn n. 1.028/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 16/11/22, DJe de 21/11/22.)"
Linhas gerais, enquanto os crimes de calúnia e difamação devem ser descritos dentro de contexto objetivo e pormenorizado, o crime de injúria, como depende de análise subjetiva da vítima, a sua tipicidade material dependerá interpretação Judicial.
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Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.
RHC 77.768/CE, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/5/17, DJe de 26/5/17
AgRg no REsp 1.695.289/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 7/2/19, DJe de 14/2/19
RHC 77.243/RJ, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 17/11/16, DJe de 6/12/16
Apn 388/DF, relator Ministro Hamilton Carvalhido, Corte Especial, julgado em 15/6/05, DJ de 26/9/05, p. 160
APn 881/DF, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 15/8/18, DJe de 21/8/18
AP 541, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/14, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29/10/14 PUBLIC 30/10/14
Inq 2870, Relator(a): JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 15/3/12, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-154 DIVULG 6/8/12 PUBLIC 7/8/12
Ricardo Henrique Araujo Pinheiro
Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.