Visual law na advocacia criminal
O chamado visual law pode ser um coadjuvante útil. Sempre, insista-se, com moderação e reverência ao ritual próprio do universo jurídico.
quarta-feira, 19 de abril de 2023
Atualizado às 07:52
Em bate papos informais, entre amigos, quando alguém está com dificuldades em entender alguma explicação qualquer, o interlocutor costuma provocar:
- "Quer que eu desenhe?".
Sempre que a pergunta é feita pra mim, respondo com uma quase agressão:
- "Bem, se você não tem vocabulário suficiente pra explicar em palavras, talvez seja melhor desenhar, mesmo.".
Brincadeira à parte, o presente escrito é justamente para advogar que, sim, um "desenho" pode ajudar na transmissão e facilitar a compreensão de uma ideia. E pode ter seu lugar no mundo jurídico. Mesmo no ambiente formal dos documentos legais e processos judiciais, a ilustração por meio de gráficos, tabelas, a utilização, enfim, de imagens, pode facilitar a assimilação de um pensamento. A prática tem sido chamada de visual law.
Em uma época em que todos externam até sentimentos por meio de "emojis", é impossível negar a eficiência e a concisão da comunicação visual.
Claro que a palavra será sempre o principal instrumento da comunicação jurídica. O profissional de Direito será tão mais eficiente quando melhor fizer uso das palavras. O bom e correto uso do idioma é essencial.
Ademais, o mundo jurídico ainda é extremamente formal e solene. Um espaço de gravatas e saias. De becas e togas. Um ambiente de manifestações cerimoniosas, de rituais protocolares. Não muito disposto a inovações, pois.
Ainda assim, defendo que a utilização parcimoniosa da comunicação visual possa contribuir para o exercício profissional. Justifico-me.
Tratando especificamente da Advocacia criminal - na qual milito diariamente há 30 anos! - constato que exercício profissional experimentou profundas alterações em um período muito curto. A ascensão tecnológica; o avanço do Direito Penal em questões antes não penalmente tuteladas; o incremento, enfim, das relações sociais/comerciais/negociais; são circunstâncias, entre outras, que impõem ao advogado moderno uma incumbência extra: Mais do que falar bem, ele tem que se fazer ouvir. Mais do que escrever bem, ele precisa ser lido!
Os processos cresceram muito em tamanho. A facilidade do processo digital permitiu o acúmulo de peças, incontáveis documentos, inúmeros anexos e apensos. As acusações englobam tramas alegadamente intrincadas, operações complexas, envolvendo numerosos acusados. Hoje em dia, tem sido comum nos depararmos com denúncias com mais de 100 laudas - ou melhor, mais de 100 telas de computador! -, algo impensável num passado nem tão distante.
Breve parêntese. Se até há pouco tempo, eu acreditava ser a redação de acusações criminais tão corpulentas e o avolumar-se de informações, "IDs", procedimentos diversos, apenas uma nova tendência, um sinal dos tempos, fruto natural do advento do processo digital, lamentando apenas a perda de objetividade; hoje, em alguns casos, suspeito ser um método. A impressão que tenho, em hipóteses específicas, é a de que a soma de fatos diversos, inseridos em uma narrativa enviesada, misturando personagens múltiplos, busca, premeditadamente, criar um ambiente turvo, de difícil compreensão. Expõe-se apenas um vulto pouco definido, mas de proporções impactantes. O tamanho, num primeiro e desatento olhar, cria no leitor a sensação apriorística de profundidade. O poeta inglês Alexander Pope, citado pelo escritor e jornalista Sérgio Rodrigues1, disse que palavras são como folhas de árvore: quando são muito abundantes, diminui a chance de vislumbrarmos ali embaixo "o fruto do sentido". Fecha-se o parêntese.
Do amontoar-se de processos e peças criminais deriva a notória superlotação das varas criminais. De um lado, muitos e muito grandes processos. Poucos juízes e pequena estrutura de apoio, de outro. É curioso: Antes, havia até os limites físicos dos arquivos dos cartórios das varas. Hoje, há a ausência de fronteiras da nuvem.
Some-se, por fim, uma expectativa difusa - e justificável! - de eficiência e respostas rápidas a, não raramente, dar causa a decisões tomadas sem o desejável discernimento.
O resultado é que nem todas as prestações jurisdicionais levam em conta tudo aquilo que deveria. Muito se perde na infinidade de informações inseridas luminosamente nos displays eletrônicos - a ecologia comemora, a visão sofre.
Sutilezas e especificidades de trabalhosa percepção são engolidas por preguiçosas generalizações. Um exemplo extremo da nocividade da acomodação ocorreu em conhecido processo que tramitou em Curitiba, no qual, abusando do recurso do "Crtl C - Ctrl V", uma magistrada condenou notória figura pública, "recortando e colando" trechos de decisão anteriormente proferida, abordando fatos sem qualquer relação com o caso em julgamento.
Cabem ao advogado, pois, as tarefas de condensar os muitos parágrafos; realçar a essência do caso; retirar o excesso supérfluo; secar a gordura. Compete individualizar as efetivas condutas de cada um dos denunciados. Salientar, enfaticamente, as teses de defesa. É seu encargo, em conclusão, chamar a atenção para a situação única e exclusiva do seu constituinte. É imperioso, repita-se, não apenas bem escrever. Mas, também, conquistar a concentração do leitor.
Concisão é importante. "Escrever é cortar palavras", teria dito Carlos Drummond de Andrade - o já citado Sérgio Rodrigues tem suas dúvidas da autoria da frase. Mas há situações que exigem aprofundamentos. O mesmo Sérgio Rodrigues salienta que nem sempre o menos é mais. Às vezes, o menos é menos mesmo.
Já há algum tempo, no início de peças que ficaram inevitavelmente longas, o nosso escritório principia o arrazoado com uma "ementa", sumariando todas as teses defensivas. Em alguns casos, até um índice. Tudo para tentar, rapidamente, incutir na mente do magistrado o caminho que será seguido, convidando-o a acompanhar a jornada com interesse.
Sempre que cabível, a sustentação oral costuma ter um grande potencial de dar alertas. O mesmo vale para o despacho de memoriais - aliás, em memoriais, o visual law parece-me caber muito bem!
Em todo esse contexto, o chamado visual law pode ser um coadjuvante útil. Sempre, insista-se, com moderação e reverência ao ritual próprio do universo jurídico.
Um gráfico é capaz de sintetizar vários raciocínios. Uma tabela pode resumir informações diversas. E, tomara, sejam sedutores o suficiente a despertar o interesse do destinatário a, mais dedicadamente, refletir sobre a totalidade da mensagem, transmitida por palavras.
E, se eu ainda não me fiz entender - apesar deste texto contraditoriamente longo! - vou "desenhar".
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1 "Escrever, cortar, escrever: a concisão e a clareza"; artigo publicado no site "Toda Prosa", em 02/10/2015, recuperável pelo endereço https://todoprosa.com.br/escrever-cortar-escrever-a-concisao-e-a-clareza-2/.
Sérgio Alvarenga
Sérgio Alvarenga é advogado da Advocacia Mariz de Oliveira.