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A função social da empresa e o acesso à justiça como vetores da cidadania e do valor social do trabalho

O princípio da função social da empresa passou a ser imprescindível para a construção de uma nova perspectiva, impondo um comportamento positivo dos gestores empresariais.

terça-feira, 18 de abril de 2023

Atualizado às 14:52

O acesso à justiça, como princípio, deve ser o vetor da efetivação da cidadania, pois é reconhecido por diversos instrumentos internacionais.

Entretanto, no Brasil, observa-se uma cultura de desvalorização do trabalho e precarização dos direitos sociais, em que pese a tentativa do legislador constituinte em romper com este paradigma ao elevar à categoria de princípio fundamental conformador o valor social do trabalho.

Nota-se que a vontade do legislador originário não garantiu a eficácia social esperada, em especial, pelos impactos econômicos provocados pela crise global.

Com a Reforma Trabalhista (lei 13.467/17), esperava-se uma redução dos litígios, mas, o cenário aponta para precarização das condições e relações de trabalho, em especial, pelo fenômeno da uberização1  provocado pela nova economia sob demanda.

Assim sendo, não param de crescer o número de ações judiciais trabalhistas que buscam vínculos empregatícios por meio da nova tendência de subordinação algorítmica.2

Sob esta perspectiva, o acesso à justiça proporciona o exercício da cidadania, sendo esta entendida como um processo em construção pela incessante busca da concretização dos direitos fundamentais.

Por outro lado, desencadeou um efeito rebote, gerando um crescimento exponencial ao número de demandas, o que sobrecarrega o Judiciário.

Neste sentido, o princípio da função social da empresa passou a ser imprescindível para a construção de uma nova perspectiva, impondo um comportamento positivo dos gestores empresariais.

Segundo entendimento de Ubirajara Custódio Filho3:

"Função social significa dizer que a propriedade é direito/dever, antes que mero direito subjetivo, à disposição dos interesses e conveniências particulares de seu titular; significa também que a propriedade, ainda que passível de domínio privado, não pode servir a simples deleites e caprichos de seu titular, mas precisa ser útil à coletividade, no que couber. Enfim, função social significa que o Estado está legitimado a intervir na propriedade privada sempre que o seu titular exercer tal direito em contrariedade a certa finalidade ou política pública." g/n.

Diante de tão brilhante definição, pode-se constatar que a função social da empresa deve guardar compatibilidade com as normas constitucionais e infraconstitucionais, bem como as políticas públicas em geral.

Considerando que a verba salarial possui natureza alimentar, estando atrelada a garantia do mínimo existencial do cidadão e de sua família, não se pode perder de vista o espaço de integridade moral a ser assegurado, posto que o princípio da dignidade humana é fundamento do estado democrático e da república, servindo de norte para todo ordenamento jurídico.

Assim, é possível afirmar de acordo com a definição do Ministro Luís Roberto Barroso4 que:

"O princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um respeito à criação, independentemente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência. O desrespeito a este princípio terá sido um dos estigmas do século que se encerrou e a luta por sua afirmação um símbolo do novo tempo. Ele representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar."

 O princípio da dignidade humana descrito lapidarmente pelo professor Luís Roberto Barroso incorpora uma tendência de considerar que seu núcleo material é composto por um mínimo existencial que não se pode perder de vista em nenhum momento.

Aliás, qualquer ameaça ou lesão ao direito fundamental do indivíduo devem ser combatidas, pois o Poder Constituinte traçou os fins que a ordem econômica deve atingir e escolheu os princípios em que deve se basear, pautando-se na valorização do trabalho e na livre-iniciativa, tendo por finalidade assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Por fim, é imperioso romper com os paradigmas, compreender que o alcance dos princípios constitucionais, como fontes primárias de todo o sistema jurídico é múltiplo e ilimitado, porém devem ser ponderados, criando-se políticas públicas mais adequadas para que as empresas realizem sua função social e, ao mesmo tempo, os empregados tenham seus direitos respeitados, dando-se maior efetividade e eficácia ao princípio fundamental do valor social do trabalho. 

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1 A uberização é um reflexo da nova economia sob demanda (Gig Economy), fruto do mercado que as startups e o resto do mundo acompanham o crescimento.

2 Nesse sentido, a título de exemplo, aponta-se o acórdão da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, de lavra da Exma. Min. Des. Carina Rodrigues Bicalho, nos autos do processo n.º 0101291-19.2018.5.01.0015.

3 CUSTÓDIO FILHO, Ubirajara. A empresa e a Constituição. In: HILÚ NETO, Miguel(Coord.). Questões atuais de direito empresarial. São Paulo: Editora MP, 2007, p. 531.

4 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.) A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 37- 38.

Guilherme Galvão de Mattos Souza

Guilherme Galvão de Mattos Souza

Advogado. Professor. Mestrando em Direito(UNESA).Especialista em Direito Digital do Trabalho; Compliance e LGPD(VERBO).Especialista em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário(UNESA).

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