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A dimensão do "outrem" no dano por ricochete: STJ e a reparação moral indireta ao familiar

Comentários sobre dano por ricochete, a decisão do STJ que trata de falha no serviço médico e a possibilidade de os familiares da vítima reivindicar reparação moral indireta.

terça-feira, 18 de abril de 2023

Atualizado às 14:55

O presente texto visa expor brevemente sobre o conceito da modalidade de dano moral indireto e sua aplicação prática a partir do julgamento do Superior Tribunal de Justiça.

Com base na teoria dualista de Alois Brinz, para o vínculo obrigacional acontecer, são dois elementos: obrigação (Schuld) e responsabilidade (Haftung). O dever jurídico originário está definido por lei ou contrato. Quanto ao chamado dever jurídico secundário, sucessivo ou consequencial, este oriunda do inadimplemento ou descumprimento do dever jurídico originário.

Importa mencionar o que escreveu Cavalieri Filho: "toda conduta humana que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem, é fonte geradora de responsabilidade civil.".

No entanto, qual seria a dimensão da palavra "outrem" do art. 186 do Código Civil?

Em março de 2023, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou uma matéria delicada sobre responsabilidade por falha na prestação do serviço médico.

Resumidamente, a parte demandante descreve que desrespeitando ordem médica, houve aplicação de soro glicosado, causando coma diabético no paciente, que infelizmente faleceu no curso da demanda.

O próprio Hospital confirma a manutenção indevida do soro, mas negou que tenha causado o agravamento da situação do paciente. Contudo, o laudo pericial apontou a "ocorrência da troca de Soro (...) e que antes do erro praticado pelo Hospital réu, o paciente dispunha de capacidade de comunicação, bem como não era portador de diabetes".

Construindo, assim, a hipótese do nexo causal para a configuração do dano. A decisão do Tribunal recorrido reconheceu que os efeitos graves causados se estenderam para além do paciente, visto também alcançar indiretamente seus familiares, conforme precedentes do STJ.

Houve o agravamento da condição do paciente em decorrência da falha do serviço médico, ensejando no ingresso da ação para reparação moral da vítima (dano direto) e, por consequência, daqueles intimamente ligados a ele, pela via moral indireta.

O Hospital recorreu do acórdão no que atine a responsabilidade e valor do dano moral arbitrado. Como na Corte Superior não se discute fatos e provas a ponto de questionar aspectos da responsabilidade, caberia rediscutir tão somente o montante indenizatório.

O STJ (AgInt no AgREsp 2119486/DF), não reformou o acórdão recorrido por considerar razoável o valor arbitrado ao paciente (sucedido pelos herdeiros), bem como a título de dano indireto aos familiares.

Tal possibilidade é uma modalidade de dano moral denominada de dano reflexo, indireto ou ricochete, vastamente aplicada na jurisprudência da Corte. A maioria dos casos deriva de erro médico, falha na prestação de serviço público ou privado, inclusive acidente de trabalho em causas trabalhistas, a ser analisado cada caso concreto.

Incumbe enfatizar que a indenização indireta é pleiteada por direito próprio. Ou seja, os herdeiros tornam-se igualmente vítimas, com quantificação de dano moral específica e apartada daquele aplicado para o ofendido diretamente.

Em outras oportunidades, o Tribunal Superior já tinha se posicionado sobre a possibilidade do espólio ajuizar ação autônoma por reparação de danos sofridos pelo falecido, inclusive os que eventualmente geraram este fato. O dano moral é direito patrimonial autônomo, transmissível a herdeiros, podendo tanto ajuizar quanto prosseguir com a demanda, entendimento este consolidado pela Súmula 642 do STJ.

"O dano experimentado pelos familiares de forma reflexa (em ricochete) não se confunde com o dano direto sofrido pelo falecido, podendo ser cumulados". (AREsp 2065911/RS).

O dano por ricochete ainda pode existir independentemente do falecimento da vítima direta. São colegitimados para pleitear o dano moral.

Notadamente, serve a ressalva de que necessita ter proximidade afetiva com o ofendido direto, de maneira a se sentir atingido pelo evento danoso. Genitores e irmãos estão entre os vínculos reconhecidos pelo STJ como presumidos ou "presumidamente estreitos".

Portanto, o dano reflexo, indireto ou por ricochete surge quando, inicialmente, a ofensa ou abalo é direcionado a uma determinada pessoa, mas, os efeitos são sentidos por outra intimamente ligada a ela, com vínculo de parentesco.

Ingryd Stéphanye Monteiro

Ingryd Stéphanye Monteiro

Advogada, sócia do escritório Teixeira & Monteiro Sociedade de Advogados. Especialista em Direito Processual pela PUC-Minas.

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