O reexame do tema de repercussão geral 935 pelo plenário virtual do STF (ED-ARE 1.018.459) no sentido do reconhecimento condicionado da cobrança de contribuição assistencial por entidades sindicais
O julgamento ainda se encontra pendente da manifestação dos demais ministros da Corte, sob a sistemática do Plenário Virtual.
segunda-feira, 17 de abril de 2023
Atualizado em 18 de abril de 2023 08:08
Está em andamento no Plenário Virtual do STF um julgamento potencialmente significativo sob os ângulos processual e material. Trata-se dos embargos de declaração opostos contra o acórdão do ARE 1.018.459, que havia proclamado a inconstitucionalidade da imposição de contribuição assistencial a não filiados aos sindicatos, mesmo que houvesse previsão nesse sentido em instrumentos negociais coletivos celebrados entre trabalhadores e empregadores, tampouco se sobreviesse sentença normativa coletiva da Justiça do Trabalho.
Os efeitos da decisão embargada seriam inegavelmente lesivos às relações coletivas de trabalho, gerando uma absoluta asfixia financeira das entidades sindicais defensoras de direitos dos trabalhadores. Afinal, após a aprovação da reforma trabalhista de 2017 (lei 13.467), a antiga contribuição sindical deixou de ser obrigatória, passando a depender de prévia e expressa autorização dos trabalhadores. Com isso, a captação de recursos por essa via despencou irreversivelmente. Ao lado disso, a súmula vinculante 40 do próprio Supremo, há muito mais tempo, restringiu apenas a sindicalizados a cobrança de contribuições confederativas.
Ou seja, a exigência peremptória de sindicalização para que seja possível arrecadar a taxa assistencial constituiria ameaça à própria subsistência do sistema sindical, cuja existência é garantida e fomentada pela própria Constituição.
Reconhecendo esse grave risco, e levando em conta que os encargos sindicais relativos à negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores se tornaram ainda mais relevantes, de acordo com novidades legislativas e da jurisprudência constitucional, o ministro Luís Roberto Barroso emitiu um potente sinal de alerta ao proferir seu voto-vista nos referidos embargos de declaração ao acórdão do ARE 1.018.459. No entendimento de Sua Excelência, a alteração de contexto fático e de premissas de análise justificam efeitos infringentes aos embargos de declaração, na hipótese. E, pensando bem, o raciocínio tem lógica, de acordo com os julgados do RE 590.415 (sobre prevalência de negociação coletiva em demissões incentivadas); do RE 999.435 (sobre intervenção sindical prévia em dispensas massivas); e do ARE 1.121.633 (sobre predomínio de cláusulas negociadas coletivamente sobre garantias legais, ressalvados direitos mínimos em matéria trabalhista). Nesses casos, o Supremo distinguiu a negociação coletiva sindical com prestígio e importância vitais no sistema de regulação de relações de trabalho. Razoável supor que após essa mutação sistêmica, seria de todo inconveniente, incompatível e incoerente sufocar o respaldo material dos sindicatos, que são a peça-chave do arcabouço institucional que sustenta a negociação coletiva.
Essa construção argumentativa evidencia a insanável contradição entre, de um lado, prestigiar a negociação coletiva e, de outro, esvaziar o seu custeio, enfraquecendo as entidades sindicais, que são agentes indispensáveis ao sistema de diálogo social. O voto-vista do ministro Barroso impressionou o relator do acórdão, ministro Gilmar Mendes, que, ato contínuo, reajustou o seu voto, passando a acompanhar a solução proposta pelo colega vistor, segundo a qual é constitucional a imposição de contribuição assistencial a todos os trabalhadores, sejam eles filiados ou não ao seu sindicato representativo, desde que lhes seja assegurado o chamado direito de oposição (opt-out) a ser manifestado em assembleia geral da categoria profissional.
Há outro aspecto ainda pouco examinado, mas de igual importância. A negociação coletiva se realiza como instrumento que, de um lado, assegura coesão e garantia de direitos para as pessoas trabalhadoras e, de outro, segurança jurídica, previsibilidade e limites de concorrência para as empresas.
Criam-se normas jurídicas de aplicação obrigatória para as categorias econômicas e profissionais (convenções coletivas) ou para a empresa e todos os seus empregados (acordos coletivos). Estudos, inclusive da OCDE1, indicam os aspectos positivos do conteúdo normativo, com efeito erga omnes, dos convênios coletivos de trabalho.
A autorização que se confere ao sindicato para negociar e celebrar uma convenção ou acordo coletivos é de índole coletiva - e não o somatório das vontades individuais -- de modo a sobressair a carga solidária da manifestação de vontade realizada na assembleia e a sua uniformidade.
Assim, tais instrumentos, sequer deveriam ser vistos, do ponto de vista lógico e epistemológico, como de "adesão" ou "oposição" individual. São instrumentos que guardam uma lógica de "conglobamento" e uma epistemologia intimamente relacionada à efetividade da ação sindical em sua função mais valorizada: a negocial.
De todo o modo, os votos até aqui proferidos, sinalizam importante e significativo processo de mutação para a valorização da negociação coletiva e o fortalecimento do sistema sindical brasileiros, desbalanceados com as recentes alterações legislativas e decisões judiciais.
O julgamento ainda se encontra pendente da manifestação dos demais ministros da Corte, sob a sistemática do Plenário Virtual. Mas não se pode ignorar que a matéria ganhou contornos agora bastante mais apropriados a um exame consentâneo com uma perspectiva íntegra sob o ponto de vista constitucional.
1 https://www.oecd.org/employment/negotiating-our-way-up-1fd2da34-en.htm
Mauro de Azevedo Menezes
Advogado, diretor-geral de Mauro Menezes & Advogados; mestre em Direito Público pela UFPE; doutorando em Ciências Jurídicas e Políticas na Universidad Pablo de Olavide; e professor pesquisador convidado na Universidad Castilla La Mancha.
José Eymard Loguercio
Advogado, mestre em Direito pela Universidade de Brasília, especialista em Direitos Humanos do Trabalho e Direito Transnacional do Trabalho pela Universidade Castilla-La Mancha (UCLM), Espanha. Sócio da LBS Advogados e presidente do Instituto Lavoro.