Contumácia como requisito para a configuração do crime descrito no artigo 2º, II, da lei 8.137/90
Em tempos de crescente preocupação com a criminalização da atividade empresarial no Brasil, o bom senso da decisão é uma ilha no revolto mar de excessos em que vivemos.
segunda-feira, 17 de abril de 2023
Atualizado em 19 de abril de 2023 07:40
O crime estampado artigo 2º, II, da lei 8.137/90 consiste na conduta de "deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos".
A propósito da tipicidade em questão, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RHC 163.334/SC, fixou a seguinte tese jurídica:
"O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço, incide no tipo penal do art. 2º, II, da lei 8.137/90" (sem grifos no original).
Nesse toar, aplicando-se o atual entendimento do Pretório Excelso, conclui-se que, conquanto o fato deletério atribuído ao agente, a princípio, se subsuma à figura penal retro mencionada, a ausência de contumácia poderá conduzir ao reconhecimento da atipicidade da conduta e, por conseguinte, à absolvição do Réu.
É dizer, ainda que a figura em questão seja típica, a contumácia foi incluída como requisito necessário para a tipificação.
Vejamos.
"RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA (ART. 2º, II, DA LEI N. 8.137/1990). VIOLAÇÃO DO ART. 23, I, DO CP. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 2º, II, DA LEI 8.137/1990. PROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONTUMÁCIA DELITIVA (RHC N. 163.334). MOLDURA FÁTICA (EXTRAÍDA DA INSTÂNCIA ORDINÁRIA) QUE INDICA QUE A AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DO ICMS DECLARADO OCORREU POR POUCO PERÍODO DE TEMPO (QUATRO MESES), INEXISTINDO MENÇÃO À REITERAÇÃO SUBSEQUENTE. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO. Recurso conhecido em parte e, nessa extensão, provido para absolver a recorrente, com fundamento no art. 386, III, do CPP." (REsp 1.852.129/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 16/06/2020, DJe 26/06/20)
Foi com base nesse entendimento que ao julgar o AgRg no REsp 1.867.109/SC (j. 25/8/20), o STJ afastou a punição de um agente porque o não recolhimento do tributo havia se limitado a um mês:
"A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 399.109/SC, pacificou o entendimento de que o não recolhimento do ICMS em operações próprias é fato típico.
Todavia, ainda a propósito da tipicidade no tocante ao delito previsto no inciso II do art. 2.º da lei 8.137/90, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RHC n. 163.334/SC, cujo acórdão ainda está pendente de publicação, fixou a seguinte tese jurídica: "O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da lei 8.137/90".
No caso dos autos, a conduta típica imputada ao Agravante restringe-se ao não recolhimento do ICMS relativo a 1 (um) mês.
Portanto, nos termos do atual entendimento do Pretório Excelso, inafastável a conclusão de que, conquanto o fato deletério atribuído ao réu, a princípio se subsuma à figura penal antes mencionada, a ausência de contumácia - o débito com o fisco se refere a tão somente 1 (um) mês -, conduz ao reconhecimento da atipicidade da conduta e, por conseguinte, à absolvição do réu".
Ainda que ocorra o não pagamento por período superior aleatório - 6 meses por exemplo - tal circunstância não seria suficiente para demonstrar a contumácia, tampouco o dolo de apropriação. Ou seja, não se identifica, em tais condutas, haver sido a sonegação fiscal o recurso utilizado pelo empresário para financiar a continuidade da atividade em benefício próprio, em detrimento da arrecadação tributária.
A nosso ver, andou bem o julgador superlativo.
Isso porque é justamente a identificação dessa habitualidade que irá indicar que o agente possui um padrão de comportamento, de modo que não se trata de um simples erro ou descuido, tão comum na interpretação e aplicação da complexa legislação tributária nacional.
Em tempos de crescente preocupação com a criminalização da atividade empresarial no Brasil, o bom senso da decisão é uma ilha no revolto mar de excessos em que vivemos.