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Penso, logo duvido

Descartes expressou o exercício da dúvida pela fórmula: penso, logo existo (Je pense, donc je suis). Esta formulação está hoje muito mal compreendida no Brasil, não só pelo povo em geral, como particularmente pela mídia. Assim sendo proponho a forma que está no título: penso, logo duvido.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Atualizado em 27 de abril de 2007 11:19


Penso, logo duvido


Américo Masset Lacombe*

Descartes expressou o exercício da dúvida pela fórmula: penso, logo existo (Je pense, donc je suis). Esta formulação está hoje muito mal compreendida no Brasil, não só pelo povo em geral, como particularmente pela mídia. Assim sendo proponho a forma que está no título: penso, logo duvido.

É a dúvida que nos leva a um exame mais acurado dos fatos. É exatamente a dúvida que nos leva à reflexão. A certeza é paralisante. Sempre que se chega a ela deixa-se de pensar. Isto não significa que não devemos almejar a certeza, mas ela só pode ser atingida a partir da dúvida.

A certeza obtida de forma açodada é a principal característica daqueles que tem preguiça de pensar. Se seguíssemos este preceito não teria havido o triste episódio da Escola de Base, quando inocentes foram moralmente imolados em virtude da histeria de uma mãe e da vaidade de um delegado de polícia.

Se exercitássemos a dúvida não teria a nossa mídia referendada uma vã acusação no caso do Bar Bodega, e que só a coragem de um promotor estadual elucidou os fatos porque pensou e duvidou.

Mais recentemente, um cidadão do povo danifica a fachada de uma casa, onde ocorreu um bárbaro assassinato, com pichações acusatória ao filho do casal vítima, que logo se revelou inocente e também vítima. E isto ocorreu por precipitação da polícia e da mídia.

Erros de julgamento são muitos e a história revela vários deles, sendo o mais emblemático o famoso caso do capitão francês Alfred Dreyfus, de ori-gem judaica. Dirão alguns que são erros humanos, e que, portanto, muitos outros haverão para nos envergonhar. Mas podemos evitar muitos deles se começarmos a por em dúvida todos os tipos de acusações não só noticiadas na mídia como as próprias denúncias criminais e acusações civis.

Se formos lógicos e analisarmos com frieza tudo que nos chega aos ouvidos, estaremos diminuindo, em muito, a possibilidade de cometermos injustiças.

A mídia, por exemplo, não deve crer em tudo que chega ao seu conhecimento pelas diversas fontes de informação, ainda que tal fonte seja uma denúncia oferecida pelo Ministério Público. A denúncia pode ser inepta, ou não sendo, o acusado poder ser absolvido.

Nada substitui o ato de duvidar antes de formularmos um juízo, qualquer que seja ele, de fato ou de valor.

Portanto, duvido de quase tudo que dito a respeito da operação Hurricane. Possivelmente alguns acusados serão justamente condenados. Mas devemos perguntar: como será a vida dos que forem inocentados a partir de toda a pirotecnia midiática que acabamos de assistir?

Não posso, como profissional de direito sem conhecimento do inquérito, dizer se alguém é culpado ou inocente. Mas como cidadão que preza a dignidade da pessoa humana, tenho o dever de duvidar.


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* Advogado e Mestre; Doutor em Direito pela PUC-SP. Desembargador Federal aposentado.





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