Cobrança de ICMS sobre a TUST e TUSD
Além do ponto de vista formal, também foram levados em consideração os prejuízos bilionários sofridos pelos cofres estaduais em decorrência da medida legislativa questionada.
sexta-feira, 14 de abril de 2023
Atualizado às 14:00
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é um imposto estadual1, previsto no art. 155, II, da CRFB/1988 e na lei Complementar 87/96, e pode ter como fato gerador a circulação de mercadorias, a prestação de serviços de transporte intermunicipal, interestadual ou de comunicação2.
A energia elétrica é considerada mercadoria para fins de incidência do ICMS, nos termos do art. 155, II, § 2º, X, "b" e § 3º, da CRFB/88. Por isso, a Tarifa de Uso dos Sistemas Elétricos de Transmissão (TUST) e a Tarifa de Uso dos Sistemas Elétricos de Distribuição (TUSD) estão diretamente relacionadas ao imposto em questão.
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
§ 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
X - não incidirá:
b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica;
§ 3º. À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.3
Em regra, os consumidores não escolhem o seu fornecedor de energia elétrica. Entretanto, no caso de grandes consumidores, a legislação admite que estes possam escolher qual empresa irão contratar, conforme o disposto no art. 15, caput, da lei 9.074/95.
Art. 15, caput. Respeitados os contratos de fornecimento vigentes, a prorrogação das atuais e as novas concessões serão feitas sem exclusividade de fornecimento de energia elétrica a consumidores com carga igual ou maior que 10.000 kW, atendidos em tensão igual ou superior a 69 kV, que podem optar por contratar seu fornecimento, no todo ou em parte, com produtor independente de energia elétrica.4
Assim, existem duas espécies de consumidores: os cativos, aqueles que recebem a energia diretamente de distribuidora, sem margem de negociação ou escolha, e os livres, aqueles que podem optar por contratar seu fornecimento.5
No caso dos consumidores livres, discute-se se a TUSD, que é paga pelo consumidor que adquire energia elétrica diretamente dos agentes de comercialização ou de geração no mercado livre de energia elétrica, compõe a base de cálculo do ICMS.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) diverge sobre o assunto. Para a 1ª turma, a TUSD compõe o preço final da operação de fornecimento de energia elétrica, incluindo na base de cálculo do ICMS. Isso porque o ICMS incide sobre todo o processo de fornecimento de energia elétrica, uma vez que as fases de geração, transmissão e distribuição da energia são indissociáveis. Dessa forma, o custo inerente a cada uma dessas etapas, entre elas a referente à TUSD, compõe o preço final da operação e, consequentemente, a base de cálculo do imposto, nos termos do art. 13, I, da LC 87/96 (STJ. 1ª Turma. REsp 1.163.020-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 21/3/17 - Info 601).6
Por outro lado, a 2ª turma entende que TUSD não integra a base de cálculo do ICMS sobre o consumo de energia elétrica, uma vez que o fato gerador ocorre apenas no momento em que a energia sai do estabelecimento fornecedor e é efetivamente consumida. Assim, a tarifa cobrada na fase anterior do sistema de distribuição não compõe o valor da operação de saída da mercadoria entregue ao consumidor (STJ. 2ª Turma. REsp 1649658/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 20/4/17).7
Em fevereiro de 2023, na ADIn 7.195-DF, o Ministro Luiz Fux concedeu uma liminar suspendendo o cálculo diferenciado na cobrança do ICMS sobre o setor de energia elétrica. Isso porque a lei complementar 194/22 modificou o inciso X do art. 3º da lei Complementar 87/96, passando a excluir tanto a TUST quanto a TUSD da base de cálculo do ICMS.8
Art. 3º. O imposto não incide sobre:
X - serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica. (Incluído pela lei complementar 194, de 2022)9
Para o Ministro, com base no art. 155, II e § 3º, da CRFB/1988 c/c art. 34, § 9º, do ADCT, ao editar a norma complementar, o Poder Legislativo Federal extrapolou o poder conferido pela Constituição da República para disciplinar as questões relativas ao ICMS, visto que houve uma interferência na maneira pela qual os Estados exercem a sua competência tributária.
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
§ 3º. À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.
Art. 34, § 9º, ADCT. Até que lei complementar disponha sobre a matéria, as empresas distribuidoras de energia elétrica, na condição de contribuintes ou de substitutos tributários, serão as responsáveis, por ocasião da saída do produto de seus estabelecimentos, ainda que destinado a outra unidade da Federação, pelo pagamento do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias incidente sobre energia elétrica, desde a produção ou importação até a última operação, calculado o imposto sobre o preço então praticado na operação final e assegurado seu recolhimento ao Estado ou ao Distrito Federal, conforme o local onde deva ocorrer essa operação.10
Além do ponto de vista formal, também foram levados em consideração os prejuízos bilionários sofridos pelos cofres estaduais em decorrência da medida legislativa questionada e, consequentemente, a possibilidade de atingir os municípios, uma vez que a Constituição da República, no inciso IV do art. 158, determina que 25% da receita arrecadada com ICMS deverá ser repassada aos municípios. Assim, com base na medida cautelar na ADIn 7195, tanto a TUST quanto a TUSD compõem a base de cálculo do ICMS.
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1 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Tributos - Teoria Geral e espécies. 1ª ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2012, p.242 e 264/269.
2 SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1061.
3 BRASIL. Constituição da República. Disponível em:
4 BRASIL. lei 9.074/95. Disponível em:
5 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. O valor da TUSD compõe a base de cálculo do ICMS. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
6 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ. 1ª Turma. REsp 1.163.020-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 21/3/17 - Info 601. Disponível em:
7 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ. 2ª Turma. REsp 1.649.658/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 20/4/17. Disponível em:
8 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STF. ADIn 7195, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 9/2/23. Disponível em:
9 BRASIL. Lei Complementar 87/96. Disponível em:
10 BRASIL. ADCT. Disponível em: