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Prestação de contas eleitorais e o duplo grau de jurisdição

A prestação de contas eleitorais é uma forma de garantir que os recursos financeiros usados nas campanhas políticas sejam utilizados de forma legal e transparente, e que não haja interferência indevida de interesses particulares ou ilegais.

quinta-feira, 13 de abril de 2023

Atualizado às 13:21

A prestação de contas eleitoral é matéria que vem ganhando relevância nos últimos anos, sobretudo após a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), estabelecido pela lei 13.487, de 06 de outubro de 2017 e utilizado pela primeira vez nas Eleições Gerais de 2018. Conceitualmente, trata-se do dever de prestar contas que nenhum contendente do pleito eleitoral pode se esquivar, sob pena de se submeter à declaração de desaprovação das Contas e decretação de devolução do dinheiro público despendido na campanha.

Desde a edição do Código Eleitoral em 1965, a prestação de contas já estava prevista nas normas que disciplinam os pleitos nacionais. No início, ela tinha um viés claramente administrativo, sendo reiterados os julgamentos no sentido de que se tratava de análise meramente formal. A partir das eleições de 2002, a prestação passou a ser obrigatoriamente elaborada por meio do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE), o que simplificou o processo e tornou as declarações mais objetivas.

Apenas com a edição da lei 12.034 de 2009 foi atribuído expressamente caráter jurisdicional a prestações de contas ao prever que "o exame da prestação de contas dos órgãos partidários tem caráter jurisdicional", atribuindo o prazo de três dias para interposição de recurso.1

Essas alterações legislativas pacificaram as divergências jurisprudenciais sobre o caráter jurisdicional do procedimento, o que por definição vincula a incidência de toda principiologia processual na análise das contas eleitorais.

Tal questão esta longe de ser de menor importância. Embora não se atribua sanções na acepção jurídica do termo no decorrer do processo de Prestação de Contas Eleitorais, o sistema de financiamento público eleitoral introduzido pelo FEFC, não raras vezes, em virtude do uso de dinheiro público nas campanhas eleitorais, impõe aos candidatos a obrigação de devolução de valores à União por falhas de natureza meramente formal nas Prestações de Contas Eleitoral. Tal consequência, que por si mesma pode atingir valores bastante significativos, somadas ao desgaste político por ter as contas declaradas desaprovadas pela Justiça, compele a Justiça Eleitoral a adoção de uma postura processual garantista no julgamento das Contas de Campanha.

Neste ponto, uma incontornável problemática do sistema de competência da Justiça Eleitoral é salvaguardar o duplo grau de jurisdição nas campanhas cujos Tribunais Regionais ou Tribunal Superior Eleitoral são os foros originários. Esse princípio está ligado ao devido processo legal e à garantia da ampla defesa, permitindo que as partes envolvidas em um processo possam ter a oportunidade de apresentar argumentos e provas em mais de uma instância.

Neste sentido, em função da impossibilidade de um Tribunal Superior analisar os fatos e provas, de rigor seria pacificar o recebimento de novos documentos em sede de Embargos de Declaração. Permitir uma análise de um documento que pode alterar o julgamento de uma conta de campanha, deveria prevalecer na ponderação sobre a instrumentalidade das formas. A jurisprudência deveria amadurecer no sentido de oportunizar a juntada de novos documentos em sede de prestação de contas, mesmo que elaborados anteriormente, até o julgamento pelas instâncias ordinárias, inclusive em embargos de declaração. Importante ressaltar que, em sede de registro de candidatura, que tem uma necessidade de celeridade muito maior que na prestação de contas, a jurisprudência vigente já possui tal entendimento.

Nesse ponto, embora, a rigor, os embargos de declaração tenham a finalidade de sanar eventual contradição, omissão, obscuridade ou erro material no julgamento da causa, excepcionalmente, devem ser conhecidos em sede de Prestação de Contas Eleitorais para recepcionar documentos juntados após a primeira decisão de mérito da Prestação de Contas. Vale relembrar que o processo de PCE não detém características de litígio por se tratar de procedimento declaratório, motivo pelo qual também seria vedada a reformatio in pejus, na análise dos novos documentos fornecidos.  

 Tal fato mitigaria a não observância do duplo grau de jurisdição, ainda que a análise seja efetuada pelo mesmo plenário que proferiu a decisão de mérito sobre as contas. A prestação de contas eleitorais é uma forma de garantir que os recursos financeiros usados nas campanhas políticas sejam utilizados de forma legal e transparente, e que não haja interferência indevida de interesses particulares ou ilegais. É salutar que os Tribunais tenham cautela no seu julgamento, ainda que em prejuízo ao conceito de celeridade tão caro a matéria eleitoral.

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1 §5º Da decisão que julgar as contas prestadas pelos candidatos caberá recurso ao órgão superior da Justiça Eleitoral, no prazo de 3 (três) dias, a contar da publicação no Diário Oficial.

§6º No mesmo prazo previsto no §5º, caberá recurso especial para o Tribunal Superior Eleitoral, nas hipóteses previstas nos incisos I e II do §4º do art. 121 da Constituição Federal.

§7º O disposto neste artigo aplica-se aos processos judiciais pendentes.

Bruno César de Caires

Bruno César de Caires

Sócio do escritório Caires, Marques e Mazzaro Advogados, mestre em Direito Constitucional na Universidade de Lisboa e pós-graduando em Direito Eleitoral pela EJEP - TRE/SP.

Vitor Marques

Vitor Marques

Advogado, mestre e doutorando em Filosofia do Direito pela PUC-SP. Sócio do escritorio Caires, Marques e Mazzaro Advogados.

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