MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Você sabe o que é investigação defensiva em psicologia?

Você sabe o que é investigação defensiva em psicologia?

O objetivo da avaliação psicológica é traçar um perfil de personalidade do Averiguado que indique ou descarte qualquer indício de elementos parafínicos que poderiam torná-lo suscetível a ter praticado os atos alegados.

terça-feira, 11 de abril de 2023

Atualizado às 13:27

É muito bom estar com vocês toda semana, trazendo assuntos importantes da Psicologia Jurídica que podem agregar informações aos profissionais do Direito.

No artigo de hoje, venho trazer uma vertente de um tema importantíssimo, mas que pouca gente conhece, do Direito Criminal: a Investigação Defensiva, e a sua aplicabilidade na Avaliação Psicológica.

Mas o que é a Investigação Defensiva?

A Investigação Defensiva é um procedimento regulamentado pelo Provimento 188/18 do Conselho Federal da OAB, que em seu art. 3º dispõe que:

Art. 3° A investigação defensiva, sem prejuízo de outras finalidades, orienta-se, especialmente, para a produção de prova para emprego em:

  1. pedido de instauração ou trancamento de inquérito;
  2. rejeição ou recebimento de denúncia ou queixa;
  3. resposta a acusação;
  4.  pedido de medidas cautelares;
  5. defesa em ação penal pública ou privada;
  6.  razões de recurso;
  7. revisão criminal;
  8. habeas corpus;
  9. proposta de acordo de colaboração premiada;
  10.  proposta de acordo de leniência;
  11. outras medidas destinadas a assegurar os direitos individuais em procedimentos de natureza criminal.

Parágrafo único. A atividade de investigação defensiva do advogado inclui a realização de diligências investigatórias visando à obtenção de elementos destinados à produção de prova para o oferecimento de queixa, principal ou subsidiária.

No art. 4º determina o referido Provimento que, dentre as diligências que o advogado pode realizar para atingir tal objetivo, está a elaboração de laudos e pareceres periciais. Para tanto, pode dispor de profissionais tecnicamente habilitados (art. 1º). E é aí que entram em cena os Psicólogos tecnicamente habilitados, que assessoram os advogados em ações criminais, sobretudo de perfil de personalidade e em acusações de abuso sexual, violência doméstica, assédio. Isso porque, em que pese a gravidade das acusações verdadeiras, existem outras tantas acusações inverídicas, feitas exclusivamente para afastar a outra pessoa (casos de alienação parental, exigir indenização só para extorquir dinheiro, destruir a reputação da outra por vingança ou revanchismo, etc.).

O objetivo da Avaliação Psicológica é traçar um perfil de personalidade do Averiguado que indique ou descarte qualquer indício de elementos parafílicos que poderiam torná-lo suscetível a ter praticado os atos alegados.

Isso porque, a produção de prova técnica frequentemente deixa de considerar um elemento igualmente importante no esclarecimento da demanda: a avaliação psicológica do(a) acusado(a), para saber se existem (ou não) elementos que poderiam indicar a possibilidade de ocorrência de algum elemento comprometedor. O sistema de produção de provas técnicas permite que ocorra essa lacuna gravíssima, concentrando-se exclusivamente no depoimento da vítima e/ou do(a) acusador(a), sendo que a vítima pode sofrer fortes influências externas e estruturar 'falsas memórias', assim como o(a) acusador(a) pode ter motivações alheias ao bem-estar da vítima, mas que permanecem ocultas e disfarçadas de 'proteção', pode simular ou dissimular suas intenções e assim manipular e ludibriar profissionais e autoridades.

E como acontece essa Investigação Defensiva Psicológica?

Consiste na Avaliação Psicológica da pessoa acusada do crime contra quem está tramitando o Inquérito Policial ou o processo criminal (lembrando: a Investigação Defensiva pode ocorrer "(...) em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção de elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu constituinte." (art. 1º do Provimento).

Tudo começa com boa entrevista. Já mencionei em outro artigo que a entrevista e a testagem (utilização de instrumentos válidos e reconhecidos pelo Sistema SATEPSI-CFP) são importantes ferramentas do Psicólogo para uma Avaliação Psicológica fidedigna.

A entrevista pode ser: estruturada ou semi-estruturada. O importante é que o psicólogo não se atenha a uma única entrevista, pois nela há uma impressão de discurso ensaiado, defesas, situação artificial. É a partir da segunda entrevista que as defesas começam a cair, e o psicólogo experiente pode identificar conteúdos latentes (ocultos) por trás do discurso "prontinho".

A testagem é a utilização de instrumentos pelos psicólogos: testes, inventários ou escalas. O psicólogo deve conhecer bem o contexto em que utilizará tais instrumentos, sob os seguintes critérios:

  • Validade do instrumento conforme o sistema SATEPSI-CFP;
  • Idade, sexo, escolaridade e outras características (ex.: deficiências) das pessoas envolvidas;
  • Pertinência ao caso;
  • Análise dos resultados dentro do contexto, e não uma mera reprodução de informações psicométricas.

PALOMBA (2014 (a, b)) acrescenta que, se não é dos depoimentos das crianças nem das sessões lúdicas que se extrai a verdade, o melhor caminho é o exame do acusado: se ele tiver traços de pedofilia, ele apresentará na maioria das vezes desde a infância, condutas peculiares e suas anormalidades. Se ele for inocente, quando diante da denúncia partirá para o ataque, se mostrará ansioso, revoltado, inconformado; se for culpado, tentará se esquivar, imputando ao outro a culpa pelo fato, e falará o mínimo possível sobre o tema. Também será necessário conhecer os antecedentes pessoais e familiares, realizar exames complementares, e entrevistar pessoas que possam lhe fornecer informações acerca da vida do acusado.

Conforme enfatiza SHINE (In: GROENINGA e PEREIRA, 2003, p.244):

[...] Portanto, se do ponto de vista psicanalítico a repetição na transferência com a perita analista foi suficiente pata o convencimento da profissional, isto, por si só, não garante que o destinatário último da perícia (juiz) também possa firmar o seu convencimento. Ademais, para o fim de um laudo pericial faltaria abordar o suposto abusador, [...], para que as informações a respeito dele sejam colocadas dentro de uma perspectiva da dinâmica familiar. [...]

Observa-se que, quando o psicólogo em Vara Criminal entrevista o pai/homem acusado, ocorre uma restrição da atuação. Por pressão do Ministério Público criminal e do Juiz, existe a busca desenfreada pela 'confissão do crime', mesmo às custas de pressionar o psicólogo a violar normas éticas de avaliação psicológica, além de eventuais crenças pré-concebidas do profissional ('viés de confirmação') na ocorrência do abuso, e ele desconsidera deliberadamente quaisquer indícios ou evidências que desafiam essa 'convicção'- inclusive como forma de 'mostrar serviço' para a autoridade judiciária, porque sabe que é a forma de seu laudo ser acolhido (concordando com o MP inquisidor e acusador, que irá subsidiar/influenciar a decisão judicial no mesmo sentido... (OLIVEIRA e RUSSO, 2017).

Tudo isso é para alertar que é responsabilidade do advogado e dos profissionais técnicos convocados a auxiliá-lo para a condução idônea da Investigação Defensiva, pois em muitos casos acaba se tornando o único meio de prova e defesa da pessoa.

Mas, e se der errado? Se a pessoa tiver mesmo um componente parafílico ou predisponente a algum comportamento ilícito? A Investigação Defensiva irá justamente indicar tais elementos, para que a pessoa busque ajuda (ex.: tratamento psicológico/psiquiátrico) que lhe seja mais benéfico do que exclusivamente o cumprimento da pena.

É isso o que eu queria expor neste artigo. Espero que tenham apreciado a leitura tanto quanto me é prazeroso escrever e contribuir para o debate saudável de ideias.

Até o próximo artigo!

------------------------

PALOMBA, G.A. 'Epidemia' perigosa (1). Psique Ciência & Vida. São Paulo: Escala, ano VIII, n. 104, p. 82, 2014a.

PALOMBA, G.A. 'Epidemia' perigosa (2). Psique Ciência & Vida. São Paulo: Escala, ano VIII, n. 105, p. 82, 2014b.

OLIVEIRA, D.C.C.; RUSSO, J.A. Abuso sexual infantil em laudos psicológicos: as "duas psicologias". Physis Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 27, n. 3, p. 579-604, 2017.

SHINE, S.K. Abuso sexual de crianças. In: GROENINGA, G. C.; PEREIRA, R. C. Direito de Família e Psicanálise: rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003, p. 229-251.

SILVA, D.M.P. Psicologia Jurídica e os litígios em Varas de Família. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2021.

Denise Maria Perissini da Silva

VIP Denise Maria Perissini da Silva

Psicóloga clínica e jurídica. Coord. PG Psic. Jur UNISA e UNIFOR. Prof. SEWELL/SECRIM. Colab. Comissões OAB/SP e "Leis & L.etras" Autora livros Psic. Jurídica. Perissini Cursos e Treinamentos S/C.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca