Dano moral ambiental
O STJ tem se mostrado favorável à proteção dos direitos difusos e coletivos relacionados ao meio ambiente, reconhecendo a possibilidade de reparação de dano moral ambiental em diversos casos de degradação ambiental.
terça-feira, 11 de abril de 2023
Atualizado às 07:53
Quem milita na área do Direito Ambiental tem familiaridade com o sistema de responsabilização previsto na Constituição Federal1, segundo qual, ocorrendo um dano ambiental, é cabível a tríplice responsabilidade (civil, penal e administrativa). Disso decorre que uma mesma conduta pode gerar desdobramentos nessas três esferas, de forma independente.
Quando uma empresa incorre em violação a qualquer norma de proteção ambiental, independentemente da obrigação de reparar os danos causados2, sanções penais e administrativas podem ser aplicadas, tais como multas, interdição de atividades e até mesmo a prisão dos responsáveis na empresa.
Os danos a serem reparados podem ser de ordem patrimonial, quando dizem respeito ao prejuízo econômico; ou extrapatrimoniais. Este últimos são também conhecidos como danos morais, pois se referem ao sofrimento psíquico ou moral, as dores, as angústias e as frustrações infligidas ao ofendido3.
A reparação dos danos causados é determinada pelo Poder Judiciário, no âmbito de um processo civil. A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva, isto é, não se faz necessário provar culpa do poluidor4. Para sua caracterização, basta comprovar somente o evento danoso, a conduta lesiva e o nexo causal entre o dano e a conduta do poluidor.
Quanto à titularidade para pleitear tal reparação civil, existe a possibilidade de que as pessoas que sintam lesadas, individualmente, ou representantes da coletividade (Ministério Público ou associações, por exemplo), ajuízem ação civil, para cumprimento da obrigação de fazer (realizar a reparação do dano, etc); obrigação de não fazer (não causar poluição, por exemplo), ou de pagar determinada quantia a título de indenização. Tais pretensões não se limitam a questões de ordem material e podem ser cumuladas com o pedido de reparação de danos morais coletivos. A peculiaridade do dano moral coletivo é que a angústia, o sofrimento, a dor psíquica dizem respeito a diversas pessoas, que pertencem a uma coletividade ou grupo social.
A plausibilidade do pedido de indenização por dano moral é atualmente reconhecida pela jurisprudência, inclusive, na seara dos interesses difusos e coletivos, uma vez que o artigo 225 da Constituição Federal não faz qualquer distinção ou restrição dessa natureza. Segundo CARLOS ALBERTO BITTAR FILHO:
[...] o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial.5
No mesmo sentido, a lei 7.347/85 determina que, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente podem ser objeto de ação civil pública.
O Ministério Público comumente defende que, até mesmo o dano ecológico suscetível de recuperação pode ser objeto de reparação na esfera moral, porque há uma distinção entre o patrimônio ambiental e o bem de valor moral. Enquanto o primeiro tutela o bem ambiental em si, o segundo trata do sofrimento psíquico da coletividade decorrente dos prejuízos à qualidade de vida e à saúde. No entanto, como advertiu o então Min. José Delgado, do STJ, em artigo seminal:
"Nessas condições, o dano material ambiental poderá ou não ensejar um dano moral ambiental. Dependerá de como tais eventos irão repercutir na comunidade onde se situa o bem ambiental afetado. Se gerar um sentimento de comoção social negativo de intranquilidade, de desgosto, haverá também um dano moral ambiental."6
No julgamento do REsp 1.114.398/SP, o STJ, em caso de abalroamento de navio tanque com NAFTA, reconheceu a possibilidade de reparação de dano moral ambiental independentemente da comprovação de prejuízo material. Por se tratar de fato público e notório, também dispensou a realização de prova pericial, bastando a demonstração de ofensa aos direitos difusos protegidos pela Constituição Federal, considerando patente o prejuízo moral do pescador artesanal profissional que se viu privado de exercer a atividade que é o seu meio de vida. No mesmo sentido, há diversos julgados do STJ7:
"Adiante, é pacífico o consenso deste Tribunal Superior, no que toca à configuração de dano moral (questão essa também debatida nesse repetitivo, cujo entendimento é o aplicável ao caso dos presentes autos), no sentido de que a privação das condições de trabalho, em consequência de dano ambiental, gera patente e intenso sofrimento ao pescador, que passa a conviver com a impossibilidade de sustentar sua família, configurando, por si só, dano extrapatrimonial a ensejar a compensação pleiteada."8
Importante notar que o acima citado REsp 1.114.398/PR foi julgado seguindo a sistemática dos recursos repetitivos (CPC, art. 543-C e Resolução STJ 08/08), pelo qual restou pacificado que é patente o sofrimento intenso de pescador profissional artesanal, causado pela privação das condições de trabalho, em consequência do dano ambiental, sendo devida a compensação por dano moral, fixada, por equidade, para vítimas do mesmo fato.
Pode-se então concluir que, de um modo geral, o STJ tem se mostrado favorável à proteção dos direitos difusos e coletivos relacionados ao meio ambiente, reconhecendo a possibilidade de reparação de dano moral ambiental em diversos casos de degradação ambiental. O valor da indenização por dano moral ambiental varia de acordo com as circunstâncias do caso, devendo levar em consideração a extensão e a gravidade do dano, bem como os efeitos na coletividade afetada9. Distingue-se apenas que aqui não há que se falar em caráter de punição na responsabilidade civil. Isto é, no Brasil, mesmo em tais situações, não se consagra o instituto de direito comparado dos danos punitivos (punitive damages), de forma que a reparação deve se ater à extensão e gravidade do dano, respeitados os critérios de razoabilidade e proporcionalidade10. Tais critérios, por terem caráter de norma geral, são passíveis de controle pelos tribunais superiores, em cada caso concreto.
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1 Art. 225, Constituição Federal
2 Súmula 37 do STJ: "são cumuláveis as indenizações por dano patrimonial e moral oriundos do mesmo fato".
4 Art. 14, § 1º, da lei 6.938/81
5 20 Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro. Revista de direito do consumidor. São Paulo: RT, 1994, v. 12, p. 55.
6 Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, v. 19, n. 1, jan./jun. 2008
7 REsp 1.114.398/PR, SEGUNDA SEÇÃO, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, DJe 16/2/2012) ; REsp 1.346.430/PR, QUARTA TURMA, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 21/11/2012; AgRg no AREsp 89.444/PR, TERCEIRA TURMA, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJe 24/8/2012
8 Agravo Em Recurso Especial 341.355 - PR (2013/0144977-9), Rel. Min, RAUL ARAÚJO
9 REsp 1.354.536 - SE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
10 REsp 214053/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2000, DJ 19/03/2001
Ana Carolina Ferreira de Melo Brito
Graduada em Direito pela UFPE. Pós-graduada em Direito Processual Civil e em Direito Processual Civil. Professora na pós-graduação em Desenvolvimento Sustentável e Auditoria Ambiental. Sócia do escritório Trigueiro Fontes Advogados.