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A garantia provisória no emprego da trabalhadora gestante e o seu direito de recusa à reintegração

A estabilidade gestacional não foi criada para que a gestante se beneficie monetariamente de tal garantia constitucional, mas para que o nascituro fique resguardado de uma condição pecuniária mínima de sua mãe.

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Atualizado às 13:23

A garantia provisória no emprego da trabalhadora gestante possui previsão constitucional expressa no artigo 10, II, "b" do ADCT, tratando-se de dispositivo constitucional autoaplicável (norma de eficácia imediata) e que visa à proteção, acima de tudo, do nascituro.

O artigo 391-A, caput da CLT (acrescentado pela lei 12.812/13) por sua vez, expressa que a confirmação do estado de gravidez advindo no curso do contrato de trabalho, ainda que durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, garante à empregada gestante a estabilidade provisória prevista no artigo 10, II, "b" do ADCT. Tal direito é conferido ao empregado ou à empregada adotante ao qual tenha sido concedida guarda provisória para fins de adoção (artigo 391-A, parágrafo único da CLT, acrescentado pela lei 13.509/17).

Ademais, é importante ressaltar que tal "confirmação" da gravidez sequer precisa do conhecimento do empregador ou mesmo da própria trabalhadora, conforme Súmula 244, I do TST e jurisprudência da SDI-1 do TST sobre o tema:

Súmula 244 do TST. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT).

(...) O artigo 10, inciso II, alínea "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias veda a dispensa arbitrária da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. O citado dispositivo constitucional foi interpretado por esta Corte, consoante o disposto na Súmula n° 244, item I, do TST (...). Extrai-se do referido verbete sumular que é condição essencial para que seja assegurada a estabilidade à empregada apenas o fato de a gravidez ter ocorrido durante o transcurso do contrato de trabalho, pois esse direito, objetivamente, visa à tutela principalmente do nascituro, não sendo, para tanto, exigido o conhecimento da gravidez nem pelo empregador, nem pela própria gestante. Portanto, é condição essencial para que seja assegurada integralmente essa estabilidade à reclamante tão somente o fato de a gravidez ter ocorrido durante o transcurso do contrato de trabalho (...) (TST. E-ED-RR-237900-76.2009.5.02.0021, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, DEJT 5/10/18)

Sobre a temática, o STF, no Recurso Extraordinário com repercussão geral 629.053/SP, confirmou a jurisprudência acima do TST, no sentido de desnecessidade de conhecimento do estado gravídico da gestante para garantia provisória no emprego:

(...) A proteção constitucional somente exige a presença do requisito biológico: gravidez preexistente a dispensa arbitrária, independentemente de prévio conhecimento ou comprovação. (...) A proteção contra dispensa arbitrária da gestante caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher, ao assegurar-lhe o gozo de outros preceitos constitucionais - licença maternidade remunerada, princípio da paternidade responsável -; quanto da criança, permitindo a efetiva e integral proteção ao recém-nascido, possibilitando sua convivência integral com a mãe, nos primeiros meses de vida, de maneira harmônica e segura - econômica e psicologicamente, em face da garantia de estabilidade no emprego -, consagrada com absoluta prioridade, no artigo 227 do texto constitucional, como dever inclusive da sociedade (empregador). (...) Recurso Extraordinário a que se nega provimento com a fixação da seguinte tese: A incidência da estabilidade prevista no art. 10, inc. II, do ADCT, somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa. (grifos nossos) (STF. RE 629053, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 10/10/2018. DJe-040. Divulg. 26/02/2019. Public. 27/02/2019)

Dito isso, apresentamos uma observação importante, que é a motivação do presente ensaio: a garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade (Súmula 244, II do TST).

Nesse caso, entendemos1 que deve a trabalhadora pleitear a sua reintegração no emprego se a demanda for ajuizada ainda no período estabilitário, mas pode solicitar a conversão em pecúnia SE apresentar motivos plausíveis que impeçam a continuação da prestação de seu labor, aplicando-se analogicamente o artigo 496 da CLT2 e Súmula 396 do TST3. Ou seja, não pode ser feito é o simples pedido de pagamento do período estabilitário quando este ainda se encontra em curso, sem apresentação de motivos razoáveis para que retorne ao emprego, sob pena de abuso de direito (artigo 187 do Código Civil).

A estabilidade gestacional não foi criada para que a gestante se beneficie monetariamente de tal garantia constitucional, mas para que o nascituro fique resguardado de uma condição pecuniária mínima de sua mãe. Se esta, no entanto, se recusa a trabalhar sem motivo algum, observamos falta de dever de lealdade e boa-fé objetiva, de modo que entendemos que está a renunciar a um direito expressamente, não podendo ser conferida proteção desmedida neste ponto.

Isso porque a categoria do abuso de direito versa sobre "um ato jurídico de objeto lícito, mas cujo exercício, levado a efeito sem a devida regularidade, acarreta um resultado que se considera ilícito"4, inserindo-se exatamente no princípio da eticidade como função de controle da boa-fé objetiva à autonomia privada5.

Entretanto, ponderamos que esse não vem sendo o entendimento adotado pelo C. TST6, recentemente reiterado de modo pacífico no seguinte precedente:

(...) A jurisprudência desta Corte Superior está pacificada no sentido de que a recusa à proposta de reintegração ao emprego não constitui abuso de direito por parte da empregada gestante, tampouco retira o direito de perceber a indenização substitutiva do período estabilitário. No presente caso, a Eg. 8ª Turma ao considerar que a Empregada gestante incorreu em abuso de direito ao recusar o retorno ao emprego e indeferir o recebimento da indenização substitutiva, decidiu em dissonância com a iterativa, notória e atual jurisprudência deste TST. (...) (TST. E-ARR-10538-05.2017.5.03.0012, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 10/2/23)

Tal temática sempre gerou e, naturalmente, continuará a gerar controvérsias. Afinal, tomando como base o artigo 496 da CLT (aplicação analógica ao caso, diante da inexistência de qualquer outro dispositivo específico), a indenização somente pode ser deferida se, e somente se, a reintegração não for "aconselhável". A simples recusa, mesmo que injustificada, motivaria o dever do empregador, até mesmo o mais diligente, em indenizar a trabalhadora? Ou a proteção ao nascituro sobrepaira qualquer tipo de discussão, como se o valor indenizatório fosse o mais adequado em detrimento do labor em si (acompanhado, naturalmente, do pagamento)?

Essas e outras são cenas de capítulos vindouros, podendo, ainda que em tese, haver debate no STF em razão eventual interpretação conforme a Constituição do artigo 391 da CLT diante do artigo 10, II, "b" do ADCT.

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1 FREITAS, Claudio; DINIZ, Amanda. CLT Comentada. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2021, pp.525/526.

2 CLT. Art. 496 - Quando a reintegração do empregado estável for desaconselhável, dado o grau de incompatibilidade resultante do dissídio, especialmente quando for o empregador pessoa física, o tribunal do trabalho poderá converter aquela obrigação em indenização devida nos termos do artigo seguinte.

3 Súmula 396 do TST. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO. CONCESSÃO DO SALÁRIO RELATIVO AO PERÍODO DE ESTABILIDADE JÁ EXAURIDO. INEXISTÊNCIA DE JULGAMENTO "EXTRA PETITA" (...) II - Não há nulidade por julgamento "extra petita" da decisão que deferir salário quando o pedido for de reintegração, dados os termos do art. 496 da CLT.

4 FRANÇA, Rubens Limongi. Enciclopédia Saraiva de Direito. Vol. 02. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 45.

5 TARTUCE, Flavio. Manual de Direito Civil. Vol. Único. 5ª ed. São Paulo: Método, 2015, pp.372/373.

6 Vide, dentre outros: TST. E-RR - 89100-42.2006.5.02.0044, Data de Julgamento: 19/3/2015, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 31/3/2015;  TST. RR-1913-56.2016.5.12.0047, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto César Leite de Carvalho, DEJT 06/09/2019;  TST. RR - 94-90.2013.5.15.0149, Data de Julgamento: 19/11/2014, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/11/2014.

Claudio Victor de Castro Freitas

Claudio Victor de Castro Freitas

Juiz do Trabalho do TRT da 1ª Região. Mestre e Doutor em Direito e Relações Sociais pela UFF/RJ. Doutorando em Direito do Trabalho e Previdenciário pela UERJ. Ex-advogado da Petrobras. Professor universitário.

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