Doenças transitórias não justificam a eliminação de um candidato
Doenças transitórias ainda que previstas no edital, não podem ser consideradas fator para eliminação de um candidato.
segunda-feira, 10 de abril de 2023
Atualizado em 18 de setembro de 2024 08:49
É como dizem por aí: o concurseiro não tem um minuto de paz!
Você abre mão de muitas coisas (saúde mental, inclusive), estuda feito louco, passa por muitas dificuldades, inseguranças, algumas reprovações. Depois de um tempo, finalmente, você encontra a prova que parece que foi feita para você e é, então, A-PRO-VA-DO! Mal consegue conter a emoção e começa a fazer milhares de planos.
Você se empolga e começa a se preparar para as próximas fases e jura que os problemas residem apenas na fase objetiva. Você sabe que é saudável e jamais imagina encontrar qualquer empecilho na etapa de exames médicos. Mas quando menos imagina, é reprovado justamente nesta etapa.
Quando a reprovação no exame médico é considerada legal?
Basicamente, quando a doença em questão estiver prevista em edital e for considerada incapacitante para a realização das funções relativas ao cargo. Esses dois quesitos tem de existir juntos, então preste bem atenção: não basta estar previsto em edital, também tem de ser uma condição que impeça o futuro servidor de realizar suas atribuições.
Portanto, doenças transitórias, ainda que previstas no edital, não podem ser consideradas fator para eliminação de um candidato.
O que são doenças transitórias?
São aquelas doenças temporárias e controláveis, que podem ser facilmente revertidas como: colesterol ou triglicérides altos, elevação da pressão arterial, estar acima do peso ou perda da visão e/ou audição que não comprometam o exercício da visão.
A ideia da etapa de exames médicos, que é uma etapa obrigatória em todo concurso público, é justamente avaliar se o candidato possui condições físicas para exercer suas futuras funções. Logo, não faz sentido uma doença que pode ser facilmente revertida e que não causa grande impacto no desempenho das atribuições ser critério de eliminação. Claramente, fere o princípio da razoabilidade, que é um princípio que impõe coerência e racionalidade.
Contudo, mesmo sendo causa ilegal de eliminação, não é raro um candidato ser eliminado de um certame por conta de uma doença transitória. Ainda que uma doença transitória conste em edital como fator de eliminação, saiba que é ilegal.
Fui eliminado por conta de uma doença transitória. O que fazer?
Saiba o que fazer em caso de eliminação por doença transitória
Primeiramente, tente se acalmar e ser racional, isso fará toda a diferença. Confira o edital, veja se a doença que te eliminou consta ou não no edital. Caso não conste, mais um ponto a seu favor.
Depois, procure entender as razões da banca e veja se há alguma relação entre a doença e as funções do cargo.
Procure um médico, explique a situação e peça que ele elabore um relatório, informando que aquela situação transitória não é fator incapacitante para a realização das funções do cargo em questão.
Assim, você terá argumentos e embasamento para a confecção do seu recurso administrativo. Envie e espere o parecer da banca.
Caso ela se mantenha com a decisão de eliminação, não perca as esperanças. Nem tudo está perdido. Você esgotou suas chances na via administrativa, mas ainda há a via judicial.
Como já mencionamos, esse tipo de eliminação fere o princípio da razoabilidade. Existem várias decisões a favor dos candidatos em outros casos como esse. Confira aqui uma decisão do STJ no ano de 2017:
"[...] 2. Ocorre que, no interregno entre o 1o. exame efetivado e o 2o. agendado, o agravado desenvolveu moléstia, da qual estava em recuperação quando da nova convocação, razão pela qual requereu administrativamente a validação de seu primeiro exame de saúde, ou a designação de data próxima ao início do curso para que realizasse o exame, haja vista naquele momento estar debilitado fisicamente por causa transitória, com previsão de restabelecimento da saúde antes do início do curso. 3. Reconhece-se que as condições de saúde são per si transitórias, o que justifica a reconvocação para a realização do exame médico. Entretanto, a mesma transitoriedade que justifica a determinação da Administração em repetição do exame médico passado mais de 1 ano, justifica o pedido Administrativo do candidato de que fosse designada data próxima ao início do curso para que realizasse o exame. [...] ( EDcl no AgRg no RMS 32.522/RN, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 13/11/2017)"
Recentemente, repercutiu bastante um caso de um candidato que foi eliminado em um concurso policial para o cargo de soldado. Ele tinha tido câncer no rim esquerdo e o retirou, mantendo uma vida normal apenas com o rim direito. Mesmo assim, a banca o eliminou. Contudo, o candidato conseguiu reverter a situação judicialmente, usando o argumento que a condição que o eliminou em nada atrapalha ao realizar as funções referentes ao cargo pretendido.
É importante que o candidato esteja munido de todo tipo de recurso que possa embasar a sua ação e deixar claro que a sua condição não atrapalha em nada a realização de suas futuras funções. Assim, é desejável que tenha o laudo médico utilizado no recurso administrativo. Além disso, pode realizar exames complementares. Em alguns casos, é interessante que o candidato realize o mesmo exame em mais de um laboratório ou clínica. Isso mostrará que os valores são variáveis e mudam de um estabelecimento para o outro, não sendo um critério tão específico para justificar a eliminação.
Lindson Rafael Silva
Advogado, diretor do VIA Advocacia, especialista em concursos públicos, professor da Escola Superior de Advocacia.