"Revisão da vida toda" com mais de 10 anos - Inaplicabilidade da decadência
O recálculo do benefício de acordo com a opção pela média da vida toda, criada somente agora pelo STF, não se submete ao prazo decadencial, de 10 anos, conforme situações análogas já julgadas pelo Poder Judiciário.
segunda-feira, 3 de abril de 2023
Atualizado às 13:43
Tem sido bastante veiculado na mídia o julgamento, do final do ano passado, pelo Supremo Tribunal Federal, do Tema de Repercussão Geral 1.102 (RE 1.276.977/RG), ou seja, da chamada "REVISÃO DA VIDA TODA", onde foi fixada a seguinte tese:
"O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da lei 9.876, de 26.11.1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC 103/2019, tem o direito de optar pela regra definitiva, caso esta lhe seja mais favorável" (GRIFAMOS)
A nossa Suprema Corte, em tal leading case, considerou que o não oferecimento efetivo, ao segurado filiado à Previdência anteriormente a 1999, de uma opção pela melhor média e pelo melhor benefício (para o que seria necessário que o INSS apresentasse dois cálculos ao segurado, no momento de seu pedido de benefício - o que nunca fez) implica em ofensa ao princípio constitucional da isonomia, na medida que acarreta um tratamento diferenciado, mais gravoso, para os filiados à previdência com contribuições anteriores a julho de 1994, que tinham suas efetivas contribuições desse período desprezadas.
Com efeito, em 1999, foi promulgada a lei 9.876, por meio da qual foi implementada mais uma de uma infinita série de reformas previdenciárias. Tal norma, em específico, criou duas fórmulas para a apuração da base de cálculo do benefício dos segurados. Primeiramente, a regra geral e definitiva, do artigo 29, que definiu, para trabalhadores que começassem a contribuir a partir de 27 de novembro de 1999, o cálculo da Previdência de acordo com 80% dos recolhimentos mais altos de todo o período contributivo do segurado, "verbis":
"Art. 29. O salário-de-benefício consiste:
I - para os benefícios de que tratam as alíneas b e c do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário;
II - para os benefícios de que tratam as alíneas a, d, e e h do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo. (grifamos)
E uma regra de transição, no artigo 3º, para quem já era filiado à Previdência Social, fixando que o benefício deveria ser calculado a partir das contribuições realizadas a partir de julho de 1994, com o desprezo de contribuições anteriores, "verbis":
"Art. 3 Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da lei 8.213, de 1991, com a redação dada por esta lei." (destaques nossos)
O INSS, indistintamente, fez uma interpretação literal dos dispositos acima, e calculou, para todos os segurados filiados ao INSS "até o dia anterior à data de publicação desta lei", a média das 80% maiores contribuições somente de julho de 1994 em diante somente, com o desprezo de todas as contribuições à previdência efetivamente realizadas pelos segurados nos períodos anteriores de toda a sua vida profissional.
E isso exatamente era o que determinava a regra de transição do art. 3º da lei 9.876/99 acima vista, sem qualquer ressalva de não aplicação a qualquer segurado anterior, nem tampouco qualquer alusão sequer a qualquer direito do segurado (ou obrigação da Administração) aos dois cálculos - um de acordo com a regra definitiva do artigo 29 e outro de acordo com a regra de transição do artigo 3º - ou a qualquer OPÇÃO por qualquer um deles. E as normas infralegais emanadas do Executivo nunca fizeram qualquer interpretação diversa desta.
Assim, o INSS, quando de pedidos de qualquer benefício, sequer efetuava mais de um único cálculo para a sua apuração, para fins de comparação e de concessão ao segurado de uma "OPÇÃO" pelo cálculo mais favorável, já que, como explicado, sempre considerou descabida à época essa "OPÇÃO". Assim, por óbvio, como a atividade dos servidores do INSS é estritamente vinculada à lei e aos seus regulamentos, e uma vez que o referido órgão sempre entendeu descabida a "OPÇÃO" referida, NUNCA houve orientação ou a concessão de tal "OPÇÃO" ao público.
Saliente-se, ademais, que o próprio INSS reconhece isto, por meio de pedido de suspensão, no STF, da aplicação imediata da decisão de referida Corte acerca da revisão da vida toda, justamente por não ter sistema de informático para ofertar tal opção declarada devida e obrigatória somente agora.
Por esse motivo, entendemos que os segurados que recebem benefícios há mais de 10 anos, também possuem o direito de, agora, após a decisão do STF aqui analisada, de requererem o recálculo e a OPÇÃO, considerada devida e obrigatória, a uma médica contributiva mais vantajosa.
E isso sem a necessidade de análise ou da revisão de quaisquer elementos fáticos do ato de concessão do benefício a ser revisto, a não ser o seu recálculo, ou seja, mero reajustamento e aplicação de fórmula de cálculo e concessão de real OPÇÃO, de acordo com o critério legal e constitucional, que acabou de ser fixado pelo E. STF.
Realmente, não se trata aqui de um pedido de revisão sujeito ao prazo de decadência de 10 anos, referido pelos arts. 103, caput e inciso I e artigo 103-A da lei 8213/911, nem mesmo de aplicação da chamada tese do "melhor benefício", também recentemente decidida como sujeita ao prazo decadência, pelo E. STJ, como a seguir passaremos a demostrar.
II. DIREITO DE "OPÇÃO", DEFINIDO PELO STF, QUE SOMENTE SURGIU AGORA E NÃO PODE SER NEGADO COMO SE TIVESSE SIDO OPORTUNIZADA TAL "OPÇÃO" NO PASSADO - DECISÃO DO STF - NATUREZA JURÍDICA DE CONSTITUTIVA DO DIREITO
No caso da média da vida toda, nenhum dos elementos do ato de concessão PRECISA ser revisto, somente devendo, agora e retroativamente, ser OPORTUNIZADA A OPÇÃO DE CÁLCULO, E CONSEQUENTEMENTE, se mais favorável o novo cálculo, ser aplicado o reajustamento do benefício, com base na norma oriunda somente agora, e unicamente por conta da decisão dessa mesma Corte, com a concessão da oportunidade, agora, de opção ao segurado, que até o momento lhe foi negada e até mesmo inexistente.
Realmente, neste aspecto, salienta-se que nunca houve inércia dos segurados, nem tampouco haveria a possibilidade fática ou legal de se OPTAR POR FÓRMULA DE CÁLCULO DIVERSA DA UTILIZADA COMPULSORIAMENTE PELO INSS, nem tampouco de se formalizar um pedido de revisão cujo fundamento seria a possibilidade de uma OPÇÃO não reconhecida como sequer existente ou possível legalmente pelo INSS.
Destarte, se o direito não existia, vindo o STF a verdadeiramente criá-lo no caso da tese da vida toda, ou ao menos a ratificá-lo, após a sua criação no julgamento da tese repetitiva fixada no tema 999 do mesmo E.STJ, não pode ser esse mesmo direito considerado caduco, já que o mesmo foi constituído pela norma emanada da interepretação da lei, pelo poder judiciário, quando a adequou e conformou ao regramento constitucional (interpretação conforme a constituição - princípio da isonomia).
III. DA JURISPRUDÊNCA SOBRE O AFASTAMENTO DA DECADÊNCIA E DA PRESCRIÇÃO EM FACE DO SURGIMENTO DO DIREITO SOMENTE APÓS A DATA DA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO, COMO NO CASO DA TESE DA VIDA TODA, QUE CRIOU OPÇÃO NÃO EXISTENTE ANTES EM NOSSO SISTEMA
São essas as situações, idênticas ou análogas à tese da vida toda, onde foi expressamente afastada a DECADÊNCIA pelo Poder Judiciário e também pela própria Administração:
A) Revisão do Buraco Verde ou Revisão do Primeiro Reajuste
Em situação idêntica em tudo à tese da vida toda, temos a chamada Revisão do Buraco Verde ou Revisão do Primeiro Reajuste, as quais foram decididas primeiramente pelo E. STF e posteriormente normatizadas e cristalizadas no artigo 26 da lei 8.870/94 e no artigo 21, §3º da lei 8.880/94.
Em poucas palavras, no período compreendido entre 5/4/91 e 31/12/93, o INSS fez a apuração do salário base de segurados (base de cálculo), aplicando a limitação do teto constitucional contemporâneo antes de apurar a média dos 36 salários de contribuição, o que acarretou em dupla limitação ao teto na formação da renda do segurado (apuração de sua base de cálculo, tal qual na revisão da vida toda). Sendo assim, aqueles benefícios sofreram perdas, merecendo consequentemente, reajuste.
Assim, após o entendimento fixado pelo E. STF, o legislador houve por bem dar cumprimento à determinação da Suprema Corte, prevendo o reajustamento devido pela revisão do buraco verde, no artigo 26 da lei 8.870/94 e no artigo 21, §3º da lei 8.880/94.
E posteriormente o Poder Judiciário reconheceu, unissonamente, A INAPLICABILIDADE DO PRAZO DECANDECIAL a TAIS PEDIDOS REAJUSTAMENTO, "verbis":
"PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO NOS TERMOS DOS ARTIGOS 26 DA LEI 8.870/94 E ARTIGO 21, § 3º, DA LEI 8.880/94. DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. JULGAMENTO NOS TERMOS DO ART. 1.103, §4º, DO CPC. In casu, não há que se falar na ocorrência da decadência, por não se tratar de pedido de revisão do ato de concessão do benefício, mas de reajuste do benefício, de forma que a sentença merece ser anulada".
(.) (TRF 3ª Região, OITAVA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2254247 - 0008053-64.2016.4.03.6183, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI, julgado em 18/09/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/10/2017)
B) Revisão do Art. 29 (Revisão dos Auxílios) - Ação Civil Pública julgada pelo E. STF e Memorando-Circular Conjunto nº 21 DIRBEN/PFEINN/ DO INSS - Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais (TNU) - NÃO SE APLICADA DECADÊNCIA OU PRESCRIÇÃO
A Revisão do Artigo 29, também conhecida como "revisão dos auxílios", existe porque, entre 17/04/2002 e 17/04/2009, os benefícios por incapacidade ou doença foram calculados com base na média de 100% dos salários de contribuição do segurado ao longo de sua vida profissional, enquanto o art. 29, da lei 8.213/91 estabelece que a média seja das 80% maiores contribuições, com o desprezo das 20% menores.
Sobre o tema, o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical e o Ministério Público Federal ajuizaram uma ação civil pública contra o INSS (ACP n° 0002320.59.2012.4.03.6183/SP), na qual ficou determinado, em acordo firmado perante o E. STF, que o INSS deveria revisar administrativamente todos os benefícios que se enquadraram nessa situação, seguindo um cronograma que iniciaria em março de 2013 e se encerraria em maio de 2022.
Esse acordo em relação à matéria supra descrita (revisão do mesmo artigo 29, o mesmo também analisado na "Revisão da Vida Toda"), é justamente o mesmo que o INSS, por meio de seu Ministro da Previdência atual, Carlos Lupi, pretende realizar em relação à "Revisão da Vida toda", como declarou publicamente recentemente o próprio Ministro, ao dizer que "decisão judicial é para ser cumprida", como se confere das notícias jornalísticas abaixo destacadas, o que evidencia a similitude das situações:
Lupi quer acordo com STF para revisão da vida toda do INSS - 17/2/23
"São Paulo - O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, quer um acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF) para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pagar a revisão da vida toda diretamente nas agências. Como exemplo, a revisão do artigo 29, que aumentou das aposentadorias por invalidez, auxílio-acidente, auxílio-doença ou pensão por morte, de forma automática. Conforme reportagem do jornal Folha de S.Paulo nesta sexta-feira (17), o ministro já iniciou tratativas com a Advocacia-Geral da União (AGU) para levar a questão ao Supremo.
"Para quem já está cadastrado eu quero encontrar uma forma de que, conforme o valor, a gente faça uma programação para colocar na conta", disse Lupi. O ministério propõe pagar os valores de forma progressiva, por lotes, em um calendário pré-programado. Assim, ele afirmou que "decisão judicial é para ser cumprida". E que não adianta seguir recorrendo contra uma questão que o STF já decidiu.
Em dezembro, o STF reconheceu a chamada "revisão da vida toda" das aposentadorias do INSS. Trata-se do recálculo da média salarial para a aposentadoria, considerando todos os salários do trabalhador, mesmo os anteriores a julho de 1994, ano da implementação do Plano Real. O INSS parou de considerar essas contribuições em decorrência da Reforma da Previdência de 1999, cujas regras de transição excluíam da conta os pagamentos antes do Plano Real." (destaques nossos)
Ministro da Previdência quer acordo com STF para pagar revisão da vida toda
A ideia é pagar os valores devidos de forma progressiva, por lotes, em um calendário pré-programado
"São Paulo - O ministro da Previdência, Carlos Lupi, quer um acordo com o STF (Supremo Tribunal Federal) para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) pagar a revisão da vida toda nas agências, a exemplo do que foi feito com a revisão do artigo 29.
Segundo Lupi, as conversas com a AGU (Advocacia-Geral da União) já foram iniciadas para que o órgão, que representa o INSS na Justiça, possa levar a questão ao Supremo.
A ideia é pagar os valores de forma progressiva, por lotes, em um calendário pré-programado. "Decisão judicial é para ser cumprida." Na opinião de Lupi, seguir recorrendo contra o tema, já definido no Supremo, é algo "sem fim".
A revisão do artigo 29 foi julgada pelo STF em 2012. Na ocasião, o INSS fechou um acordo com o Supremo e passou a pagar a correção nos postos, em um calendário que levou em conta a idade do segurado, se ainda recebia e o valor a ser pago. Os atrasados foram liberados ao longo de dez anos." (destaques nossos)
E justamente em relação a essa "revisão do art. 29 - revisão dos auxílios", fruto de um acordo celebrado pelo INSS no Supremo Tribunal Federal (o qual o Ministro da Previdência deseja repetir em relação à vida toda), o Poder Judiciário hoje é assente e uníssono ao afirmar a INAPLICABILIDADE DA DECADÊNCIA, sendo, ainda, mesmo a PRESCRIÇÃO interrompida pelo ato de reconhecimento da mesma pelo INSS, o Memorando-Circular Conjunto nº 21 DIRBEN/PFEINN/ DO INSS.
Neste exato sentido, foi o entendimento da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais (TNU), a qual fixou as seguintes teses sobre esse assunto:
"(2) afasta-se a decadência pelo reconhecimento administrativo do direito, perpetrada pelo Memorando-Circular Conjunto 21/DIRBENS/PFEINSS de sorte que somente decaiu o direito à revisão dos benefícios iniciais concedidos há mais de dez anos, a contar de 15 de abril de 2.010;
(3) a publicação do Memorando 21/DIRBEN/PFEINSS, de 15-4-2010, ato administrativo que reconheceu o direito dos segurados à revisão pelo art. 29, II, da lei 8.213/91, importou a renúncia tácita por parte do INSS aos prazos prescricionais em curso, que voltaram a correr integralmente a partir de sua publicação;
(4) para pedidos administrativos ou judiciais formulados dentro do período de 5 (cinco) anos da publicação do ato normativo referenciado não incide a prescrição, retroagindo os efeitos financeiros da revisão à data de concessão do benefício revisando. Processo 5004459-91.2013.4.04.7101"
C) RE 924456 (Tema 754) - REAJUSTAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS DE SERVIDORES, COM A APURAÇÃO DE BASE DE CÁLCULO DE ACORDO COM O ENTENDIMENTO DO STF, POSTERIORMENTE RECONHECIDO RETROATIVAMENTE PELA EC nº 70/2012 - STF SOMENTE VALIDOU OS EFEITOS FINANCEIROS PROSPECTIVOS (MAS SEM DECADÊNCIA) E ISSO PORQUE OS MESMOS FORAM VEICULADOS POR EMENDA À CONSTITUIIÇÃO - E AINDA ASSIM POR PLACAR APERTADO (6X5)
E nem se alegue que a decadência somente não se aplicaria a essas duas situações acima vistas por conta unicamente da determinação legal neste sentido, sendo somente esta, a lei (e somente ela), que poderia excepcionar a decadência previdenciária para alguns casos, o que não ocorre com a "revisão da vida toda".
Esse argumento não prevalece a um exame simples e nem tampouco frente à interpretação do próprio STF em situação análoga, abaixo descrita.
Isto porque as leis - no caso aquelas que normatizaram as revisões do buraco verde e dos auxílios (art. 29), após decisões do E. STF sobre essas matérias (como ocorreu também com outras matérias, como veremos a seguir) - quando tornaram clara a necessidade de cumprimento imediato de decisões do STF, não criaram nada de novo, e por isso mesmo o seu cumprimento imediato e irrestrito deriva, antes do que da lei, da força e autoridade das decisões do E. Supremo Tribunal Federal.
Por conta disso, uma vez que é das decisões soberanas do STF que nasce verdadeiramente o direito e somente a partir daí os seus efeitos, não se aplica a decadência ou mesmo a prescrição em relação aos períodos de perdas anteriores à tais decisões do STF e do reconhecimento posterior pelo Poder Executivo (que não tem outra opção, senão cumprir a decisão judicial do STF, como declarado pelo próprio Ministro da Previdência, conforme acima noticiado).
Realmente, essa questão é muito bem captada pelo voto do Ministro Dias Toffoli, do E. STF, no julgamento, com repercussão geral, do RE 924456 (Tema 754), pelo E. STF, quando este analisou as consequências intertemporais da EC nº 70/12, ao verdadeiramente normatizar a jurisprudência já anteriormente consolidada no próprio STF, acerca da inconstitucionalidade de tratamento previdenciário menos favorável a servidores públicos, trazido pela EC 41/2003:
"Note-se, portanto, que a EC 70/12, nesse ponto, não veio a instituir nada de novo: a inovação legislativa, in casu, destinou-se muito mais a dirimir as dúvidas existentes, transformando em cristalina norma constitucional aquilo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já há tempos havia reconhecido." (destaques nossos)
(RE 924456 - Órgão julgador: Tribunal Pleno - Relator: Min. DIAS TOFFOLI Redator do acórdão: Min. ALEXANDRE DE MORAES - Julgamento: 5/4/17 Publicação: 8/9/17)
E mais adiante, no mesmo voto, o Ministro fundamenta o seu entendimento, na premissa de que a declaração de inconstitucionalidade da norma previdenciária, ou de sua forma de aplicação pelas autoridades administrativas, cria o próprio direito de reajustamento e recálculo do benefício previdenciário indevidamente não pago, direito este que assegura ao beneficiário o recebimento de todos os valores que indevida, ilegal e inconstitucionalmente o ente previdenciário não o pagou, desde a data de concessão do benefício.
E o entendimento do Ministro Dias Toffoli vai além, no sentido de que nem mesmo uma Emenda Constitucional poderia limitar esse direito de recebimento do integral benefício, desde a origem, estabelecendo efeitos financeiros somente a partir da data de sua publicação (ainda que não fizesse referência - a própria EC - à decadência do próprio direito):
"O texto, de fato, é preciso ao estabelecer que os efeitos financeiros da integralidade e da paridade incidirão a partir da promulgação da EC 70. Há, inclusive, precedentes do Supremo Tribunal Federal reconhecendo e afirmando tal compreensão, como as decisões monocráticas no RE 639.132/RJ, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, e no ARE 772.509/RJ, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski.
Entretanto, ocorre que, a meu ver, o que fundamenta o direito ao recebimento dos atrasados, de modo geral e, também, no caso concreto - isso é, inclusive, o que extraio do acórdão impugnado -, não é a alteração promovida pelo art. 2º da EC 70/12, mas sim a própria interpretação conferida, dentre outros, por este Tribunal à EC nº 41/03, antes mesmo de ter sua redação modificada, como anteriormente ponderado.
Disso resulta que, embora os efeitos financeiros da EC 70/12 tenham sido projetados para o futuro - isto é, a partir de sua promulgação, em 29/3/12 -, o servidor público aposentado por invalidez permanente em decorrência de doença grave entre o início da vigência da EC 41/03 e a publicação da EC nº 70/2012 tem direito à integralidade, bem como ao recebimento de retroativos anteriores a 29 de março de 2012.
O direito aos proventos integrais e ao pagamento de atrasados decorre aqui não de indevida retroatividade da primeira, mas sim do próprio texto da segunda e da interpretação que esta Suprema Corte conferiu a ela." (destacamos)
O Ministro Dias Toffoli finaliza seu o voto, em tal julgamento, com a sua proposta de resultado e de tese (que restaram vencidos, mas com um resultado apertado e ainda assim só prevalecente por conta da expressa postergação de efeitos financeiros por Emenda Constitucional (6 X 5 - vencidos os Ministros Dias Toffoli, Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia):
"Portanto, há que se reafirmar a jurisprudência desta Corte e de se fixar a seguinte tese jurídica: o servidor público que, entre o início da vigência da EC 41/03 e a publicação da EC 70/12, tenha-se aposentado por invalidez permanente em decorrência de acidente em serviço ou de moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável prevista em lei faz jus à integralidade e à paridade desde a data da inativação." (destaques nossos)
E embora o Ministro supra mencionado tenha restado vencido por um voto apenas (Resultado 6:5), o julgamento do tema 754 acima visto deixa evidente a inaplicabilidade da decadência ou da prescrição, em relação ao recálculo e recomposição da base de cálculo dos benefícios previdenciários, determinado pela e somente a partir da decisão da Suprema Corte.
Realmente, essa conclusão não é refutada nem mesmo pelos votos vencedores na questão aqui trazida à colação, tendo sido somente feita uma data de corte para o pagamento de atrasados de TODOS OS SEGURADOS, independentemente da data da concessão e recebimento do benefício reajustado, por conta da fixação dos efeitos financeiros prospectivos da medida, por Emenda Constitucional, e da consideração de sua constitucionalidade pela maioria daquela Corte.
Vê-se, assim, que a questão tratada no tema 754 bem se assemelha à "revisão da vida toda", na medida em que, naquele caso, uma inconstitucionalidade, reconhecida pelo STF, no cálculo da base de cálculo de benefícios previdenciários, independentemente do tempo decorrido desde a concessão do benefício inicial, foi reconhecida como de correção imediata e de ofício, pela administração, por força de uma Emenda Constitucional posterior, a qual, embora prevendo efeitos financeiros somente prospectivos, não se referiu à decadência, mesmo tratando de benefícios concedidos inclusive há mais de 10 anos.
E naquela oportunidade, embora vencido, o Ministro Dias Toffoli, no julgamento supra referido, bem destaca que a EC somente corroborou o quanto já reconhecido anteriormente pelo Poder Judiciário, sendo esta, a decisão do Judiciário, no caso do STF, a gênese do direito de reajustamento ou de revisão, o qual, na "revisão da vida toda" se materializa como um direito de OPÇÃO, negada/ inexistente até agora, e ao pagamento da integralidade do seu benefício previdenciário, sendo este um direito humano fundamental seu, amparado no artigo 6º da CF/88, e não sujeito à decadência, que fulminaria o próprio DIREITO FUNDAMENTAL DE MELHOR BENEFÍCIO, MEDIANTE ESSA OPÇÃO NÃO VERDADEIRAMENTE OFERTADA AINDA no caso, fulminação essa, do próprio direito ao benefício real, que não é possível, como já inclusive decidido pelo próprio STF, quando da análise da NOVA DECADÊNCIA previdenciária, abaixo melhor examinada.
Desta forma, embora não haja ainda uma lei que regule a aplicação da "Revisão da Vida Toda", é certo que o INSS não pode se negar a cumprir o comando emanado pelo STF, e oferecer AGORA, de fato e finalmente, a OPÇÃO a todos os segurados que a solicitarem, como, aliás, vem fazendo em seu portal "Meu INSS" para aposentados há menos de 10 anos.
D) REVISÃO DO "BURACO NEGRO"
Em relação à chamada Revisão do Buraco Negro, prevista no artigo 144 da lei 8.213/91, TAMBÉM após manifestação sobre o assunto pelo E. STF, a mesma igualmente constituiu um comando normativo da Lei para que o INSS revise benefícios concedidos em momento anterior à sua edição, não sujeitando essa readequação a qualquer prazo decadencial. Ou seja, não estamos diante de revisão do ato de concessão, mas da correta aplicação da recomposição que trata o dispositivo normativo, inspirado no Direito declarado/criado pelo E. STF, conforme bem esclarecido pelo precedente a seguir:
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. REVISÃO DO BENEFÍCIO. ART. 144 DA LEI 8.213/91. DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. (.) 2. Não há falar em decadência ou prescrição do fundo de direito à revisão do benefício nos termos do art. 144 da Lei 8213/91, porque não se trata de retificação do ato de concessão do benefício, mas da correta aplicação, a benefício já concedido, da recomposição de que trata o mesmo dispositivo legal. (.) (TRF4, EDAG 5019035-52.2013.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 01/12/2017 - grifado)"
E) NOVA DECADÊNCIA - DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PELO E.STF - IMPOSSIBILIDADE, MESMO DE LEI, FULMINAR O PRÓPRIO DIREITO AO BENEFÍCIO - NO CASO DE OPÇÃO A BENEFÍCIO, QUE SEQUER FOI OPORTUNIZADA À ÉPOCA
Em outro giro verbal, também é essencial considerar para o deslinde da questão aqui colocada - aplicação ou não da decadência - o quanto julgado pelo mesmo Excelso Pretório, no julgamento da chamada "NOVA DECADÊNCIA", na ADI 6.096, da Relatoria do Ministro Edson Fachin.
Em tal ADI, foi declarada inconstitucional a alteração veiculada pela Medida Provisória 871/2019, convertida depois na Lei 13.846/2019 (que institui programa de combate a fraudes em benefícios previdenciários), a qual trouxe alterações no artigo 103, da lei 8.213/91, para estabelecer a decadência do próprio direito ao benefício previdenciário, depois de 10 anos de decisão administrativa de indeferimento, cancelamento ou cessação de um benefício.
O STF considerou, neste caso, que a decadência não pode ser aplicada, sendo inconstitucional o referido dispositivo legal alterado pela MP, por atingir o próprio fundo de direito fundamental à Previdência Social, assegurado pelo artigo 6º da CF/88 e pela jurisprudência do STF, e neste aspecto considerado um direito fundamental, imprescritível.
Ora, ao se negar a receber e analisar o DIREITO DE OPÇÃO a que se refere a tese da vida toda, ao fundamento de suposta decadência, as autoridades administrativas do INSS fazem exatamente aquilo que o Plenário do STF, na ADI 6.096, decidiu não ser possível e inconstitucional, ou seja, NEGA o próprio fundo de direito ao segurado (OPÇÃO LEGAL por média contributiva mais vantajosa), ao se furtar, mesmo após o comando inequívoco do STF, de permitir, pela primeira vez, verdadeiramente, a OPÇÃO dos segurados a uma base de cálculo mais benefíca, no cálculo do seu benefício (considerada imprescindível pelo STF, somente agora), ao fundamento de suposta decadência.
Sendo assim, reaguardado pela proteção da suposta decadência, o INSS continua a descrumprir o quanto determinado e criado pelo STF, e a negar o próprio direito à OPÇÃO que o STF passou a ser considerada devida, para fins isonomicos.
De fato, tendo as condições/pressupostos para este pedido de OPÇÃO passado a existir somente agora, com a decisão do E. STF, conclui-se não poder ser negado o DIREITO AO BENEFÍCIO DECORRENTE DESTA OPÇÃO (QUE somente AGORA SURGE), o qual é impassável de decadência, como já proclamado pelo E. STF, como visto acima, na ADI 6.096, e também, diga-se de passagem, de prescrição, conforme já pacificado há décadas, na Súmula 443 do mesmo C. STF:
"Súmula 443 - Aprovação: 01/10/1964
A prescrição das prestações anteriores ao período previsto em lei não ocorre, quando não tiver sido negado, antes daquele prazo, o próprio direito reclamado, ou a situação jurídica de que êle resulta."
F) TEMA 1.117 DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA -NÃO APLICABILIDADE DA DECADÊNCIA QUANDO O DIREITO AO BENEFÍCIO SURGE POSTERIORMENTE AO ATO DE CONCESSÃO, COMO NO CASO DA TESE DA VIDA TODA, ONDE O DIREITO DE "OPÇÃO" SURGIU COM A DECISÃO DO E. STF
E por derradeiro, mas não menos importante, temos, no mesmo sentido do quanto acima visto anteriormente - de que somente a partir da declaração/constituição do direito antes inexistente ou não declarado é que surge o direito ao seu pleito ou "revisão" - o entendimento pacificado, em sede de recursos repetitivos, pelo EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, por sua PRIMEIRA SEÇÃO, no julgamento do TEMA 1.117.
De fato, em tal julgamento, se estabeleceu a tese de que o marco inicial da fluência do prazo decenal, previsto no artigo 103 da lei 8.213/91, quando houver pedido de revisão da renda mensal inicial (RMI) para incluir verbas remuneratórias recebidas em ação trabalhista nos salários de contribuição que integraram o período básico de cálculo (PBC) do benefício, deve ser o trânsito em julgado da na respectiva ação reclamatória.
O relator dos recursos especiais foi o ministro Gurgel de Faria, o qual esclareceu que o tema debatido no referido julgamento não diz respeito à imposição do instituto da decadência sobre o ato de concessão - questão já decidida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 6.096, entre outros precedentes -, mas sobre o dies a quo deste prazo, e, se tratando de pedido de revisão de benefício cuja base é um direito que ainda não era reconhecido judicialmente no momento da concessão inicial, sendo-o somente posteriormente, como no caso de uma sentença trabalhista que reconhece vínculos de emprego posteriormente ao ato de concessão de aposentadoria pelo INSS. Nestes casos, foi decidido em repetitivos que o dies a quo do prazo decadencial é o trânsito em julgado da decisão que tiver reconhecido o direito que embasará o pedido de revisão previdenciária.
"Essa interpretação parte do raciocínio de que não está inerte aquele que busca a via judicial, seja para reconhecimento do vínculo de trabalho - com repercussão sobre o cômputo do tempo de contribuição -, seja para inclusão de verbas remuneratórias -com reflexo nos salários de contribuição e, por conseguinte, na renda mensal". (destaques nossos)
Segundo o relator, portanto, o reconhecimento judicial, na esfera trabalhista, deve ser considerado o nascimento do direito potestativo, em virtude da incorporação de verbas ou de tempo de contribuição ao patrimônio jurídico do trabalhador.
Assim, mutatis mutandis, para o caso da "tese da vida toda", onde inequivocamente não existia, antes do julgamento cogente do STF, de fato uma opção ao segurado, na escolha da base de cálculo de seu benefício (nem mesmo a lei ou qualquer regulamento facultava essa opção entendida como essencial pelo STF para se assegurar a isonomia constitucional), é claro concluir que também aí, somente com a decidão do STF, nasceu o Direito de opção, não se podendo penalizar com a decadência o segurado que não fez o que lhe era impossível fazer antes dessa decisão, tal qual decidiu a Primeira Seção do E. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 1.117.
Sendo assim, por considerar ilegal a negativa prévia e antecipada do INSS, quanto à possibilidade sequer dos segurados requererem administrativamente o seu pedido de reajustamento/opção pela vida toda, entendemos cabível o ajuizamento de mandados de segurança individuais, para requerer o afastamento da alegada e indevida decadência, tendo esta ação, inclusive, a vantagem de não acarretar o risco dos ônus da sucumbência ao demandante que não se sagrar vitorioso, por expressa disposição da lei do mandado de segurança.
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1 "Art. 103. O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício e do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de 10 (dez) anos, contado:
I - do dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; ou (...)
Art. 103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé".