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A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro

A teoria da perda de uma chance, trata-se de uma teoria inspirada no direito francês, o qual vem sendo objeto de discussão perante o Supremo Tribunal de Justiça.

quinta-feira, 30 de março de 2023

Atualizado às 07:46

A teoria da perda de uma chance surgiu na França entre o final do século XIX e início do século XX através de uma decisão da Corte de Cassação Francesa, ora Chambre des Requêtes de La Cour de Cassation.

Naquela oportunidade, a decisão francesa determinou o pagamento de uma indenização a uma parte que, em razão da negligência de um officier ministériel, o mesmo deixou de autenticar os atos jurídicos e documentos públicos necessários.

Logo, em razão da negligência operada ao caso, fez com que impedisse a regular tramitação do processo, fazendo com que a parte negligenciada deixasse de ganhar (ROCHA, 2014).

Feito isso, no ano de 2006, a respectiva teoria foi recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro, através do Recurso Especial 788.459/BA:

RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE.1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. Constituição Federal. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido" (REsp 788459 BA 2005/0172410-9, rel. Ministro Fernando Gonçalves, DJe 13.03.2006, p. 334)

Isto é, o respectivo Acórdão, o qual condenou a parte Ré ao pagamento de indenização, aplicou a teoria da perda de uma chance, pois restou demonstrado que a Autora havia efetivamente perdido a oportunidade de ganhar o programa e levar o prêmio, por culpa da Ré que elaborou pergunta sem resposta.

Desse modo, considerando que, a respectiva teoria não possui previsão expressa no ordenamento jurídico, logo a doutrina prevê a necessidade do preenchimento de requisitos próprios como: (i) conduta; (ii) dano; (iii) nexo causal e; (iv) chance real e séria.

No que tange ao requisito dano, o mesmo se distingue do dano final, ou seja, o medo de averiguar sua extensão se dá por meio da averiguação da efetiva perda de um benefício almejado ou uma oportunidade perdida.

Já em relação ao requisito chance real e séria, a doutrina prevê que deve ser levado em consideração a prova da real probabilidade de obtenção daquela vantagem esperada e que se deixou de ter, não se baseando em meras expectativas.

Nesse sentido, destaca-se que, um dos obstáculos encontrados na aplicação da respectiva teoria está na dificuldade de se demonstrar o nexo causal entre a conduta e o dano praticado pelo agente.

Diante disso, para o doutrinador Cavalieri Filho (2021), a demonstração do nexo causal é de extrema importância, não bastando somente a presunção dessa causa e efeito

 "Não basta que o agente tenha praticado uma conduta ilícita; tampouco que a vítima tenha sofrido um dano. É preciso que este dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito. Em síntese, é necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado desse ato, sem o quê a responsabilidade não ocorrerá a cargo do autor material do fato."

Entretanto, a entendimentos que relativizam tal pressuposto, admitindo a aplicação de tal teoria sem que haja a efetiva demonstração do vínculo entre dano e conduta

"à teoria da perda de uma chance, admite a relativização deste conceito, permitindo a existência da responsabilidade civil mesmo quando não existente o nexo causal da forma prevista na legislação extravagante, ou melhor, no Código Civil Brasileiro. Isto é, esta nova teoria RELATIVIZA o ideal do nexo de causalidade adotado pelo diploma supracitado".

Posto isto, devido à ausência de legislação regulamentadora, aplica-se a ideia de que, na reparação por perda de uma chance, a prova do prejuízo se faz por meio do nexo de causalidade, ainda que parcial (MELO, 2007).

Isto é, o nexo de causalidade passa a ser um requisito valorativo atrelado a identificação dos danos que serão imputados ao agente que os causou.

Diante disso, após haver a recepção da teoria da perda de uma chance pelo ordenamento jurídico, pode-se observar os inúmeros julgados baseados em tais considerações.

O Ministro Luiz Felipe Salomão, ao julgar o Recurso Especial 1.540.153/RS, entendeu que a perda uma chance é uma técnica decisória a fim de, superar as insuficiências da responsabilidade civil, porém tal teoria não tem como objetivo se aplicar a "danos fantasioso" ou "meras expectativas", mas sim reparar uma chance que a vítima teria de obter uma vantagem:

RECURSO ESPECIAL. AÇÕES EM BOLSA DE VALORES. VENDA PROMOVIDA SEM AUTORIZAÇÃO DO TITULAR. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. DANO CONSISTENTE NA IMPOSSIBILIDADE DE NEGOCIAÇÃO DAS AÇÕES COM MELHOR VALOR, EM MOMENTO FUTURO. INDENIZAÇÃO PELA PERDA DA OPORTUNIDADE.1. "A perda de uma chance é técnica decisória, criada pela jurisprudência francesa, para superar as insuficiências da responsabilidade civil diante das lesões a interesses aleatórios. Essa técnica trabalha com o deslocamento da reparação: a responsabilidade retira sua mira da vantagem aleatória e, naturalmente, intangível, e elege a chance como objeto a ser reparado" (CARNAÚBA, Daniel Amaral. A responsabilidade civil pela perda de uma chance: a técnica na jurisprudência francesa. In: Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 922, ago, 2012). (...) O dano suportado consistiu exatamente na perda da chance de obter uma vantagem, qual seja a venda daquelas ações por melhor valor. Presente, também, o nexo de causalidadeentre o ato ilícito (venda antecipada não autorizada) e o dano (perda da chance de venda valorizada), já que a venda pelo titular das ações, em momento futuro, por melhor preço, não pode ocorrer justamente porque os papéis já não estavam disponíveis para serem colocados em negociação.6. Recurso especial a que se nega provimento.

Ainda, além das relações entre privados, tal teoria aplica-se também em relação à responsabilidade civil do Estado, para o Ministro Mauro Campbell Marques, no julgamento do Recurso Especial 1.308.719/MG, implica em novo critério de mensuração do dano causado, ou seja, sendo indispensável realizar a distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo.

Feito isso, mesmo que não há previsão no Código Civil, a teoria da perda de uma chance por força dos princípios constitucionais e das reiteradas decisões perante o Tribunal Superior, deve se recepcionada no ordenamento jurídico como um dano injusto, logo uma violação a um direito, sendo passível então de indenização (FRAZÃO, 2011).

Dessa forma, considerando o exposto, a teoria da perda de uma chance ainda é objeto de debate em alguns pontos, como a quantificação do dano e a comprovação da relação de causalidade, a mesma tem se mostrado uma ferramenta útil para garantir a proteção de danos causados pela perda de oportunidades, seja no âmbito profissional, educacional ou pessoal.

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ROCHA, Nuno Santos. A "perda de Chance" Como uma Nova Espécie de Dano. Coimbra: Almedina, 2014. p.104.

AVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 15. ed. Barueri: Atlas;, 2021.

LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2007. Disponível em: .

MELO, Raimundo Simão de. INDENIZAÇÃO PELA PERDA DE UMA CHANCE. 2007. Caderno de Doutrina e Jurisprudência da Ematra XV, v.3, n.2. Disponível em: .

FRAZÃO, Ana. Pressupostos e funções da responsabilidade civil subjetiva na atualidade: um exame a partir do direito comparado. 2011. Disponível em: .

Nathalia Gracinski Rippel

Nathalia Gracinski Rippel

Acadêmica em Direito pela Unipar - Universidade Paranaense. Colaboradora do escritório Fonsatti Advogados Associados.

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