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Americanas: um overview, até o momento

Juliana França David, João Pedro Coutinho Barreto, Anne Nobre e Marven Braz

A responsabilidade criminal do auditor externo é subjetiva, ou seja, é necessário comprovar a existência de dolo (intenção) ou culpa (negligência) para que seja imputada responsabilidade criminal a ele.

quarta-feira, 29 de março de 2023

Atualizado às 07:50

Em janeiro, fomos todos surpreendidos com a notícia de que a Americanas, empresa tradicional do ramo varejista, estaria com um rombo de 20 bilhões de reais devido a  seus lançamentos financeiros.

Como se sabe,  após 9 dias no comando, o CEO Sergio Rial anunciava sua  demissão. As inconsistências contábeis reveladas  por sua gestão eram preocupantes. Não tardou muito e se multiplicaram as alegações de supostas irregularidades da empresa.

O bom e velho latim não erra ao dizer que "Abundans cautella non nocet", a cautela abundante não prejudica, pelo contrário, evita condenações prematuras. Assim, antes de analisarmos as acusações feitas contra a varejista, é necessário compreender que a fase  investigativa foi recentemente instaurada, e a CVM ainda tem se movimentado com bastante diligência sobre o caso.

Feita a observação acima, pode-se depreender que o mercado fez a seguinte interpretação do caso: o rombo da varejista, e seu aparente crescimento artificial, foram fruto da  inobservância de  princípios  fundamentais na avaliação de uma boa  governança corporativa:  (i) o da transparência, ou seja, o dever de informar os stakeholders (parte interessada), de forma a demonstrar "2tentativa de diminuição da assimetria de informação existente entre os agentes internos e externos da organização" (Malacrida & Yamamoto, 2006), dever este de informação, que pode ser entendido como disclosure, ou seja, evidenciação de informações sobre a empresa e a gestão dos negócios, (ii) do dever de prestar contas, cabendo aos administradores a assunção das consequências pelas suas decisões, se tomadas de forma indevida, inclusive, as omissões, como é o caso imputado à Americanas.

Por conseguinte,  não constavam no passivo da varejista as transações deficitárias  geradas pelo forfait (risco sacado), isto é, as dívidas junto ao banco devido à sua função de atravessador. Documentos internos da empresa3, recentemente noticiados, indicam que os diretores negavam a referida operação ao Comitê de Auditoria, o que, supostamente, camuflava o déficit adquirido. 

Assim, como a empresa aparentava estar "equilibrada", passou-se um falso clima de confiabilidade para o mercado, o que, por consequência, fomentou o aumento da busca por debêntures e maior valorização das ações das Lojas Americanas. Entretanto, como divulgado,  as contas eram, a princípio, fraudulentas e não refletiam a realidade. O investidor estava comprando, como diria o professor João Marcelo de Lima Assafim4, " um pedaço de papel achando que era folha de ouro".

Portanto, a empresa Americanas tem sido midiaticamente acusada de ter ocultado dados financeiros que impactaram de  forma  significativa a movimentação do mercado brasileiro.

O que aconteceu com as Americanas?

O risco sacado5, também conhecido como "forfait" consiste na abertura de uma linha de crédito entre uma empresa e uma instituição financeira. O risco sacado acontece da seguinte forma: um fornecedor da empresa gera uma nota pendente de pagamento pelo produto fornecido. A instituição financeira realiza o pagamento para o fornecedor de forma antecipada e a empresa, por sua vez, ao invés de pagar diretamente ao fornecedor, pagará à instituição financeira. Essa empresa também é denominada empresa âncora, já que ela se torna a garantidora do pagamento que foi feito de forma antecipada pela instituição financeira para o fornecedor. No caso em questão, a empresa âncora trata-se da Americanas.

A respectiva operação é adotada por diversas redes varejistas no Brasil6, em razão da grande quantidade de produtos comprados e demora na saída para o consumidor final, bem como a realização de pagamento feita por meio do cartão de crédito, que atrasa, consequentemente, o retorno financeiro para a empresa.

Com essa operação, a empresa âncora consegue gerar fluxo de caixa em um prazo maior para quitar sua dívida com a instituição financeira. Além disso, consegue antecipar o pagamento dos recebíveis, visto que o banco realiza esse pagamento.

No caso das Americanas7, o que gerou esse rombo bilionário foi o lançamento equivocado desses dados no balanço da empresa. Ao invés de lançar a dívida com o banco como um pagamento pendente à Instituição Financeira, a dívida estava sendo lançada como dívida ao fornecedor.

Essa prática maquiava o equilíbrio financeiro da empresa, uma vez que a dívida com o fornecedor, na maioria das vezes, não é acrescida de encargos financeiros, ao contrário da dívida com a instituição financeira.

Assim, sem contabilizar os juros devidos durante alguns anos, o balanço parecia equilibrado, mas, na verdade, não correspondia à realidade, apresentando, quando descoberto, um rombo de aproximadamente 40 bilhões de reais. 

Há algum crime?

A conduta dos responsáveis poderia amoldar-se ao crime descrito no artigo 27-C, da lei 6.385/76, como um crime contra o Mercado de Capitais. Esse artigo determina que será crime realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas destinadas a elevar o preço ou o volume negociado de uma ação na bolsa de valores, com o fim de obter lucro.

A chamada "maquiagem das contas" supostamente feita pela empresa seria, a princípio, capaz de caracterizar essa conduta.

Para tanto, porém, é necessário que fique comprovado que houve manipulação de informações financeiras ou fraudes com a intenção de influenciar as decisões de investidores, haja vista tratar-se de crime doloso, sem previsão da modalidade culposa. Por exemplo, se a empresa ou seus executivos divulgaram informações falsas ou omitiram informações importantes sobre a situação financeira da empresa, no intuito de conquistar mais investidores, isso poderia ser considerado o crime descrito no artigo 27-C, da lei 6.385/76. A manipulação intencional de informações contábeis da empresa pode levar a uma distorção do preço das suas ações na Bolsa de Valores e causar prejuízos aos investidores.

E sobre a auditoria da PwC?

A responsabilidade principal do auditor externo é realizar uma auditoria independente e objetiva das demonstrações financeiras de uma entidade, com o objetivo de emitir uma opinião sobre a precisão e a conformidade das demonstrações financeiras com as normas contábeis aplicáveis. Isso inclui a avaliação da adequação das políticas contábeis usadas e a razoabilidade das estimativas contábeis feitas pela administração, bem como a identificação de quaisquer irregularidades significativas ou fraudes. Além disso, o auditor externo também é responsável por avaliar a adequação do sistema de controle interno da entidade e por identificar e reportar quaisquer problemas de governança ou ética.

Por isso, convencionou-se que o auditor externo tem o dever de lisura das informações.

A responsabilidade criminal do auditor externo é subjetiva, ou seja, é necessário comprovar a existência de dolo (intenção) ou culpa (negligência) para que seja imputada responsabilidade criminal a ele. Isso significa que o auditor externo só seria considerado responsável criminalmente se tivesse ciência de que as demonstrações financeiras contêm informações falsas ou incorretas e, mesmo assim, emitiu uma opinião de conformidade. Ademais, o auditor externo tem o dever de agir de acordo com as normas de auditoria e deve seguir procedimentos para detectar fraudes, caso contrário, pode ser responsabilizado civilmente.

Entretanto, conforme mencionado anteriormente, caso as informações tenham sido omitidas à Auditoria externa, é possível a mitigação ou a extinção da responsabilidade dos Auditores, tanto civil, quanto administrativa, quanto criminal.

___________

1 Motta, Anaís; Desidério, Mariana.  Ex-CEO, Rial explica saída da Americanas: 'Necessidade de correção de rota'. Jornal UOL - economia. Acesso pelo link: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2023/01/17/ex-ceo-da-americanas-explica-saida-apos-rombo-de-r-20-bilhoes.htm

2 De acordo com Evelyze Cruz Dallagnol, Henrique Adriano de Sousa, Gabriela de Abreu Passos, Joacir Celso Duarte Junior, Mayla Cristina Costa. Os Princípios da Governança Corporativa: o Enfoque dado pelas Empresas Listadas na B3.Revista de Contabilidade e Controladoria - São Paulo -  24 de Julho de 2019. Citando; Malacrida & Yamamoto, 2006.

3 Junqueira, Caio. Americanas: diretoria omitiu operações que provocaram rombo bilionário, mostram documentos . CNN Brasil. Acesso pelo link: https://www.cnnbrasil.com.br/business/americanas-diretoria-omitiu-operacoes-que-provocaram-rombo-bilionario-mostram-documentos/

4 Professor Catedrático da Faculdade Nacional de Direito - UFRJ.  Citação retirada de uma de suas aulas de Direito e Empresarial ocorridas no segundo semestre de 2022.

5 Gaspar Malu, Jornalista. Exclusivo: Documentos da Americanas indicam que diretoria omitiu do conselho operações que causaram rombo. Disponível em Jornal  O GLOBO, 01/03/2023. Acesso pelo link:https://oglobo.globo.com/blogs/malu-gaspar/post/2023/03/exclusivo-documentos-da-americanas-indicam-que-diretoria-omitiu-do-conselho-operacoes-que-causaram-rombo.ghtml?utm_source=globo.com&utm_medium=oglobo&fbclid=PAAabDZ6MB04FBLPo7LlOI7tZGbSZfx8Eddp7_Llyn3DWFXJDGRnVOVnKmNBY

6 Laurence Felipe. Operações de risco sacado vêm aumentando nas grandes varejistas desde 2020, diz Citi. Disponível em 16 de janeiro de 2023 na página Valor Investe, Globo. Acesso através do Link: https://valorinveste.globo.com/mercados/renda-variavel/empresas/noticia/2023/01/16/operaes-de-risco-sacado-vm-aumentando-nas-grandes-varejistas-desde-2020-diz-citi.ghtml 

Nakagawa Fernando, Analista de Economia. Veja tudo o que aconteceu no rombo da Americanas e saiba o que ainda está por vir. Disponível na página da CNN Brasil, em 21 de março de 2023. Acesso pelo link:https://www.cnnbrasil.com.br/business/veja-tudo-o-que-aconteceu-no-rombo-da-americanas-e-saiba-o-que-ainda-esta-por-vir/

Juliana França David

Juliana França David

Advogada criminal. Mestranda em Direito Processual na UERJ. Especializada em Direito Penal e Processo Penal pela UCAM. Mentora de advocacia criminal da Comissão de Mentoria da OAB-RJ.

João Pedro Coutinho Barreto

João Pedro Coutinho Barreto

Advogado criminal, sócio do Escritório França David & Barreto Advogados. Mestrando em Direito Constitucional na UFF. Especializado em Criminologia, Direito Penal e Processo Penal pela UCAM.

Anne Nobre

Anne Nobre

Advogada criminal no escritório França David & Barreto Advogados. Pós-graduanda em Criminologia, Direito Penal e Processo Penal pela UCAM.

Marven Braz

Marven Braz

Colaborador no escritório França David & Barreto Advogados. Graduando em Direito pela UFRJ, com extensão em Direito Penal Econômico pela FGV.

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