Nova regulamentação dos mecanismos de fomento à cultura
A iniciativa era muito esperada pela comunidade cultural, um setor que deve ser muito valorizado, não só pelo soft power da Cultura em nosso processo civilizatório.
terça-feira, 28 de março de 2023
Atualizado às 13:25
No dia 24/3/23, foi publicado o decreto Federal 11.453, regulamentando os mecanismos de fomento do sistema de financiamento à cultura, ou seja, a nova norma não trata apenas da Lei Rouanet (Pronac), mas também da Lei Aldir Blanc, do Cultura Viva, da Lei Paulo Gustavo (LC 195) e de outras iniciativas, que passam, portanto, a ter uma regulamentação integrada. A nova norma revoga o regulamento editado no Governo Bolsonaro (decreto 19.755/21)
De início, destacamos o resgate da liberdade de expressão artística, intelectual, cultural e religiosa, respeitada a laicidade do Estado (art. 3º) e a possibilidade de integração de ações afirmativas e reparatórias de direitos aos projetos, por meio de editais específicos, de linhas exclusivas em editais, da previsão de cotas, da definição de bônus de pontuação, da adequação de procedimentos relativos à execução de instrumento ou prestação de contas, entre outros mecanismos similares destinados especificamente a determinados territórios, povos, comunidades, grupos ou populações (art. 5º).
Outro aspecto que chama a atenção é o fortalecimento do processo de chamamento público, introduzido pela lei 13.019/14 (MROSC) como forma de acesso e divulgação aos canais e instrumentos de fomento cultural (art. 9º - 21), que poderão ser de fluxo contínuo (recebimento de propostas ao longo do ano) ou ordinário (recebimento concentrado no tempo, para seleção).
Em um esforço de democratização de acesso, a norma permite a busca ativa de agentes culturais integrantes de grupos vulneráveis, admitindo a inscrição de suas propostas por meio da oralidade, reduzida a termo escrito pelo órgão responsável pelo chamamento público e também a admissão de propostas de agentes culturais que atuem como grupo ou coletivo cultural sem constituição jurídica, nesse caso, com a necessidade de indicação de pessoa física como responsável legal para o ato da assinatura do instrumento jurídico, cuja representatividade será formalizada em declaração assinada pelos demais integrantes do grupo ou coletivo (art. 15).
Uma novidade interessante, que permite maior controle, transparência e segregação de ativos, é a possibilidade de o agente cultural optar por constituir sociedade de propósito específico para o gerenciamento e a execução do projeto fomentado por transferência direta de recursos da administração pública (art. 19, § 10), o que é possível para os acordos de cooperação, termos de fomento ou termos de colaboração (MROSC), para os termos de compromisso cultural (Cultura Viva) e para os termos de execução cultural (Lei Aldir Blanc e Lei Paulo Gustavo).
Tratando especificamente da Lei Rouanet, o decreto refirma o fortalecimento de processos ampliados de seleção, permitindo que o MinC selecione, mediante chamamento público, as ações culturais a serem financiadas pelo mecanismo de incentivo fiscal, estimulando a adesão das empresas patrocinadoras ao chamamento e mesmo a realização de processos públicos de seleção de projetos, via edital lançado pelos incentivadores pessoa jurídica (art. 48).
Buscando responder às recorrentes críticas da concentração metropolitana dos recursos da Lei Rouanet, particularmente no Sul e Sudeste, o mecanismo de incentivo fiscal conterá medidas de democratização, descentralização e regionalização do investimento cultural, com ações afirmativas e de acessibilidade que estimulem a ampliação do investimento nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e em projetos de impacto social relevante (art. 50).
Tratando da prestação de contas, gargalo que acumula mais de 17.000 projetos pendentes de análise e que suscitou diversas decisões do TCU (ver, por exemplo, Acordão 2.513/18), o decreto mantém metodologia de procedimentos distintos, definidos a partir de matriz de risco e volume financeiro do projeto (art. 51).
Por fim, estabeleceu o novo regulamento que o Ministro da Cultura editará, em até trinta dias, instruções normativas dispondo sobre I - regras de transição para os projetos em execução, de forma a garantir sua adequação ao disposto no novo regulamento; II - possibilidade de transferência de recursos captados em projetos por instituições sem fins lucrativos que optem por utilizar planos anuais ou plurianuais de atividades; III - possibilidade de prorrogação de prazos de captação e execução de projetos em execução cuja análise de pendências administrativas esteja atrasada; IV - análise, em regime de urgência, de planos anuais ou plurianuais de instituições culturais que tenham apresentado suas propostas em 2022 e ainda não tenham obtido sua aprovação para o exercício de 2023; e V - possibilidade de apresentação ou desarquivamento de propostas de planos anuais ou plurianuais por instituições culturais, para início imediato no exercício de 2023.
A iniciativa era muito esperada pela comunidade cultural, um setor que deve ser muito valorizado, não só pelo soft power da Cultura em nosso processo civilizatório, como pela divulgação de nosso país e pelo retorno financeiro que suscita, na geração de empregos, renda e turismo.
Eduardo Szazi
Doutor em Direito Internacional, Vice-Presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB/PR e sócio de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados.