MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Política de inclusão, diversidade e não-discriminação

Política de inclusão, diversidade e não-discriminação

Orientações e recomendações sobre inclusão, diversidade, não-discriminação e respeito.

segunda-feira, 27 de março de 2023

Atualizado às 11:15

INTRODUÇÃO

O tema vem ganhando cada vez mais relevo no contexto atual, mas muitas pessoas e organizações ainda não possuem um verdadeiro entendimento e conhecimento sobre o que seriam tais políticas, por isso a necessidade de esclarecer o tema.

A Política de Diversidade, Inclusão e Não-Discriminação ("Política") é fundamental e crítica para o envolvimento dos colaboradores com uma organização, seus clientes, fornecedores e parceiros.

A Política deve declarar o compromisso da empresa em garantir um local de trabalho equitativo, diverso e inclusivo, podendo ser um documento único, ou conter diversos outros anexos e outras políticas mais específicas dentro de si, dependendo da necessidade e realidade da organização.

Também deve incluir o processo para fazer reclamações de discriminação no local de trabalho e como a empresa monitorará e avaliará a eficácia da política e das melhores práticas de trabalho.

Existe atualmente uma cultura de inclusão e pertencimento de cada indivíduo. O resultado deve ser promover uma cultura alinhada em torno de uma estratégia de inclusão que reflita as nuances locais e regionais prioritárias ao redor do mundo.

Em uma análise mais local, considerando o nosso país, é importante seguir com o empenho para construir uma força de trabalho que reflita a diversidade de nossas diferentes realidades brasileiras, pois o país é particularmente rico em termos de diversidade.

Assim, não é tarefa fácil criar um documento que reflita a vasta gama de identidades que existem no Brasil, mas isso não deve impedir que o foco seja em alcançar acesso e resultados equitativos.

Nesse processo, é essencial que todas as pessoas se sintam benvindas e respeitadas nas organizações, independentemente de raça, cor, deficiência, crença, cultura, religião, gênero, orientação sexual, idade, profissão, ideologia política ou filosófica, condição econômica ou de quaisquer outros rótulos sociais.

PILARES E PRINCÍPIOS

A base da Política reside em dois pilares fundamentais: Inclusão e Respeito, como forma de promover a empatia e a compreensão entre as pessoas, de preferência não só no ambiente de trabalho, mas começando por ele.

Por sua vez, os princípios, suportados pelos pilares acima, podem ser descritos da seguinte forma:

A) Igualdade

Significa garantir igualdade de acesso, tratamento, resultados e impacto do trabalho e das ações.

Como base temos os Princípios Constitucionais que determinam que todos os indivíduos devem ter oportunidades iguais para aproveitar ao máximo suas vidas, liberdades e talentos.

Em uma evolução mais contemporânea do conceito, temos enraizada em nossa sociedade a ideia de que ninguém deve ter menos chances de vida por causa de sua origem, identidade pessoal ou experiência.

Esse princípio pressupõe a identificação de barreiras e preconceitos e a tomada de ações direcionadas para superar desigualdades, discriminação, desvantagens e marginalização específicas experimentadas por certos grupos e indivíduos.

As desigualdades podem se manifestar por meio de preconceito, opressão e discriminação - direta e indireta - e podem ser sistêmicas por meio de comportamento, políticas, práticas e culturas.

B) Diversidade

São as diferenças de cor, etnia, habilidades, idade, gênero, crenças, interesses, classes sociais, estado civil, orientação sexual, origem geográfica, acadêmica ou profissional, opiniões, formações, pensamento, experiências, doenças e muitas outras características.

A Diversidade reconhece que todos são diferentes em uma variedade de formas, e que essas diferenças devem ser reconhecidas, respeitadas, valorizadas, promovidas e celebradas.

Algumas pesquisas mostram diversidade de pessoas pode ser benéfica para a tomada de decisões, inovação e solução de problemas, pois trazem uma gama diversificada de formações e experiências.

As pessoas precisam se sentir capacitadas, com um senso de pertencimento e seguras para contribuir com suas ideias e pontos de vista e atingir todo o seu potencial, não bastando apenas serem diversas, mas também respeitadas em suas diferenças.

C) Inclusão

Abrange o aspecto prático de efetivamente incluir as pessoas de forma justa, valorizando as diferenças, capacitando e permitindo que cada pessoa seja ela mesma, alcance todo o seu potencial e prospere no trabalho.

Todos devem sentir que pertencem ao local e seguros em serem si mesmos, e que suas contribuições são importantes, assim como que na empresa as políticas e práticas são justas e diversas pessoas são apoiadas para trabalhar juntas de forma eficaz.

Para alcançar uma inclusão genuína, deve haver ação positiva, com base nos seguintes pilares:

  1. Acesso igualitário
  2. Oportunidades iguais
  3. Tratamento igual
  4. Recursos iguais
  5. Resultados iguais
  6. Impactos iguais

O reconhecimento e valorização da identidade, origem ou circunstância é crucial para a criação de oportunidades e para desenvolver habilidades e talentos em todo o potencial, trabalhar em ambiente seguro, solidário e inclusivo, ser recompensado e reconhecido de forma justa pelo trabalho e ter uma voz significativa em assuntos que sejam relevantes.

PADRÕES MÍNIMOS

Ainda que pareça uma série de obrigações e deveres, a realidade é que a Política estabelece padrões mínimos de conduta e comportamento, ou seja, aquilo que é essencial para ser seguido e obedecido.

Fato é que para que tenha sucesso, qualquer Política deve ser precedida de educação, cultura e treinamento, visando com que seja não algo a ser consultado rotineiramente, mas um conjunto de princípios e diretrizes que façam sentido às pessoas e que naturalmente sejam incorporados no dia-a-dia.

A grande esperança é que, algum dia, a consciência das pessoas seja tão grande que não seja necessária qualquer Política escrita. Enquanto este dia não chega, seguimos trabalhando para educar e conscientizar pessoas e organizações.

REPORTES E PROCEDIMENTOS DE APURAÇÃO E PROVIDÊNCIAS

A partir do relato formal do um episódio, deve ocorrer a abertura de um procedimento administrativo interno, sempre que for o caso.

É recomendável que haja clareza com relação aos seguintes pontos:

  1. O relato dos fatos e ocorrências, com data dos fatos, indicação precisa das pessoas envolvidas e detalhamentos que houver;
  2. Todas as provas, incluindo indicação de testemunhas, fotos, vídeos, prints, áudios ou outros documentos existentes e/ou indicação daqueles que se pretenda juntar ou produzir, tais como depoimentos de outras testemunhas ou dos envolvidos; 
  3. Relatório, se houver, das tentativas de conciliação prévia, com indicação de eventuais propostas realizadas ou não;
  4. Informações disponíveis, fichas, documentos, reportes e históricos completos dos envolvidos; 
  5. Eventuais manifestações em defesa prévia, caso tenham ocorrido.

GARANTIA DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.

A fim de serem evitados questionamentos, nulidades ou alegação de procedimentos injustos de um modo geral, se faz necessário observar os princípios constitucionais que são aplicáveis ao devido processo legal de um modo geral.

A intenção do presente texto não é ingressar em uma discussão muito teórica sobre os direitos fundamentais da pessoa humana e as suas diversas dimensões, mas sim abordar o tema de um ponto de vista mais prático, pois o presente texto - apesar de escrito por advogado - não é destinado a outros advogados e sim ao público em geral.

Como explicação, para os que querem entender de uma forma mais aprofundada, pode-se dizer que, de modo geral, constatou-se ao longo dos anos que o poder econômico e social não está apenas nas mãos do Estado, mas também de muitas organizações e pessoas, ou seja, a possibilidade de problemas e infrações aos direitos fundamentais nem sempre parte somente do Estado, também podendo partir de entes privados que tenham em si muito poder econômico, jurídico ou social.

Como exemplos mais contemporâneos, teríamos as redes sociais, que ao excluírem um perfil de uma pessoa ou empresa podem muitas vezes acabar com um negócio ou fonte de renda da pessoa ou empresa envolvida, resultando em um grave dano, praticado inteiramente por um ente particular face a outro ente particular, o que poderia se dar de forma arbitrária.

Outro exemplo entre particulares poderia ser o litígio entre um franqueador opressor e um franqueado oprimido, onde o franqueador pode eventualmente abusar de seu poder econômico e jurídico em face do segundo, para exigir condições que revertam somente em seu proveito, e em detrimento do franqueado, mais frágil. Em tese, ambos são sujeitos de direito privado, equivalentes em termos de direitos, mas na prática a diferença chega a ser abismal, como bem se sabe.

Daí a necessidade da eficácia horizontal dos direitos constitucionais fundamentais, ou seja, ainda que a rigor tenham sido destinados à proteção do indivíduo contra o Estado, onde esse estaria acima do indivíduo, ou seja, relação "vertical", também podem se aplicar contra entes particulares, que em teoria estariam lado a lado, o que fez com que surgisse a eficácia "horizontal", aplicada nas relações privadas onde os interesses contrários são exclusivamente entre particulares.

Em outras palavras, enquanto a eficácia vertical é a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre o ente privado e o Estado, a eficácia horizontal é a aplicação dos direitos fundamentais às relações entre particulares.

Como a relação entre particulares é, ao menos teoricamente, de igualdade jurídica, quando os direitos fundamentais são aplicados a essas relações, se fala que os direitos fundamentais têm uma eficácia horizontal.

Pois bem, feita toda a explicação jurídica, do ponto de vista prático é essencial considerar os princípios abaixo:

  • Direito ao Contraditório e Ampla Defesa;
  • Devido Processo Legal (Due Process of Law);
  • A dignidade da pessoa humana;
  • A presunção de inocência;
  • Direito de saber, exatamente, do que está sendo acusado;
  • Legalidade (decisão prevista conforme regras prévias e não "inventada") e clareza sobre quais as punições a que estará sujeito;
  • Individualização da eventual penalidade;
  • O sigilo e confidencialidade, excetuadas as situações previstas em lei;

PREVISÃO DE PENALIDADES PARA O NÃO-CUMPRIMENTO

Qualquer pessoa que viole uma Política poderá estar sujeito a penalidades, as quais podem variar de acordo com a determinação de cada empresa.

Vale ressaltar que algumas das violações da Política, em alguns casos mais extremos, podem constituir crime, caso em que o caso sai da esfera empresarial e é transferido, de fato, para as esferas competentes.

As penalidades em esfera administrativa ou empresarial podem ser as seguintes:

  • Solicitação formal de encerramento da conduta e de que haja pedido de desculpas;
  • Advertência formal;
  • Multas pecuniárias ou em percentuais dos valores devidos, em geral a serem revertidas para causas beneficentes;
  • Suspensão do serviço, participação ou trabalho;
  • Rescisão do contrato de trabalho ou prestação de serviços;
  • Em casos mais extremos, pedidos de reparação de danos (indenização) e/ou denúncias às autoridades competentes para apuração de eventuais crimes.

A aplicação das penalidades deve ser graduada de forma a considerar a gravidade da situação que está sendo apurada, eventual reincidência do acusado, histórico pessoal e outros fatores.

Na dosimetria da penalidade deverá ser considerado, ainda, se há ou não um pedido de desculpas ou tentativa de reparar o ato, indenizá-lo ou de evitar que ocorram novamente pelo causador ou por terceiros. No entanto, tais atos não devem isentar a aplicação de penas, mas sim serem considerados como atenuantes, quando for o caso.

As penalidades mais graves devem ser aplicadas em casos de que a conduta seja não apenas considerada como infringindo a Política, mas também como contravenção penal ou crime.

O TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

Antes da aplicação de quaisquer das penalidades acima, sugere-se como possibilidade, dependendo da gravidade, antecedentes, e outros fatores, que possa ser avaliada a assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que suspenderá o andamento do processo administrativo interno.

O TAC tem um caráter pedagógico e é destinado àquele causador que confessa e reconhece a conduta que lhe foi atribuída, retratando-se perante a pessoa ofendida e comprometendo-se a encerrar em definitivo a conduta reportada, por meio de uma compensação, geralmente a ser realizada em prol de uma entidade beneficente ou doação a quem esteja precisando de auxílios, ou ainda, por meio da realização de serviços ou atos educativos pelo causador.

Aceito o TAC, este será firmado pelas partes envolvidas e encaminhada aos interessados. Na hipótese de descumprimento do TAC, deverá ser retomada a apuração da conduta originalmente atribuída ao causador para a aplicação da penalidade cabível.

EDUCAÇÃO E TREINAMENTO

Vale dizer que a incorporação dos valores em uma organização é medida que se faz, inicialmente, por meio da disseminação de valores culturais que possam ser incorporados voluntariamente pelas pessoas destinatárias, para que, no fim, não seja necessário o uso de qualquer Política, bastando o mero bom-senso das pessoas.

Enquanto tal objetivo se mostra ainda distante, recomendável que se façam palestras, encontros, webinários e que sejam enviados materiais informativos e educacionais ao público-alvo para que o tema seja incorporado naturalmente na consciência das pessoas, sem que haja necessidade de imposição, o que deveria ser suficiente (mas não é, como sabemos).

DIVULGAÇÃO PÚBLICA

Em complemento ao item acima, é importante destacar que os materiais da Política e seus anexos e itens relacionados devem ter ampla divulgação pública, seja por meio das redes sociais da organização, circulação de e-mails internos, impressão de apostila, materiais a serem divulgados aos novos profissionais que ingressam, assim como outros veículos de divulgação.

Quanto mais claro e inequívoco for o conhecimento geral da Política, mais ela será incorporada no cotidiano da organização e mais rápida tende a ser a conscientização de todos sobre o tema.

CONCLUSÃO

Reconhecemos que tenha havido um progresso em diversidade nas últimas décadas, inclusive pois o tema sequer era muito difundido, mas a realidade é que ainda há muito a se fazer para enfrentar desafios sistêmicos em torno da igualdade no local de trabalho e enfrentamentos aos diversos tipos de preconceitos.

A contratação de uma base de colaboradores diversificada não garante que todos os funcionários tenham a mesma experiência ou oportunidades no local de trabalho.

A luta pela diversidade e inclusão é um ato de constante interação, assim como, por exemplo, navegar um barco exige que se esteja sempre no comando e ajustando as direções, o mesmo vale para este tema. O vento não sopra sempre para o norte, assim como os desafios de diversidade e inclusão não são imóveis e não são sempre os mesmos, exigindo constante análise, reflexão e ajustes de direção.

Para um impacto real à inclusão e diversidade e direcionamento para um mundo de trabalho onde todos os colaboradores são capacitados para prosperar, é fundamental tratar-se cada experiência individual reconhecendo-a como única, pois cada diversidade é diferente da outra, por mais óbvia que pareça esta frase.

Em uma análise mais extrema, se todos os funcionários são únicos, como de fato são, a diversidade e inclusão é relevante para todos em uma organização.

Lucas Hernandez do Vale Martins

VIP Lucas Hernandez do Vale Martins

Pós-Graduado pela FGV Law em Processo Civil. Especialista em Contract Law - Harvard Law School e Corporate Finances - Columbia University. MBA em Investimentos. Relator do Tribunal de Ética da OAB/SP.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca