Aumento de trabalhos análogos à escravidão no país traz preocupação
É importante que sejam implementadas políticas públicas direcionadas ao combate ao trabalho em condição análoga à de escravo, para que o país possa se orgulhar de combater um ciclo de exploração racial.
quinta-feira, 23 de março de 2023
Atualizado às 08:12
O início de 2023 trouxe novamente à tona casos de trabalhadores em situações análogas a de escravidão no Rio Grande do Sul e outros estados brasileiros. Segundo o Ministério Público do Trabalho, as 1973 denúncias envolvendo o trabalho de pessoas em condições análogas a de escravidão em 2022 representam o índice mais alto dos últimos dez anos, além de ser o dobro do número apresentado em 2012, quando 857 denúncias foram registradas.
Uma das situações que causam o maior impacto na sociedade brasileira é o de Bento Gonçalves (RS), que possuía cerca de 200 trabalhadores provenientes da Bahia, em sistema de trabalho análogo à escravidão, com condições degradantes nos alojamentos, jornadas de trabalho superiores a 14 horas diárias, além de torturas recorrentes.
O resgate de trabalhadores não envolve só a retirada do local de exploração, mas também o trabalho conjunto para o respeito a seus direitos básicos, tais como o pagamento das verbas rescisórias, a emissão de guia de seguro-desemprego, possibilidade de retorno ao local de origem, com o auxílio de centros de assistência social.
O que caracteriza as situações de trabalho como análogas a escravidão
Alguns elementos caracterizam a chamada "escravidão contemporânea", entre eles:
- Trabalho forçado: ato que envolve a limitação do direito de ir e vir;
- Servidão por dívida: como ocorre quando há um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas
- Condições degradantes de trabalho: quando se nega o respeito à dignidade humana, colocando em risco a saúde e vida do trabalhador;
- Jornada exaustiva: quando o trabalhador é levado ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida.
Demonstrado qualquer um destes fatores no ambiente de trabalho, o responsável poderá ser condenado na seara criminal, de acordo com art. 149 do Código Penal, que considera crime a redução à condição análoga à de escravidão.
Na esfera trabalhista, as mais importantes punições resultam das Ações Civis Públicas, ajuizadas normalmente pelo Ministério Público do Trabalho, que pleiteiam indenização por danos morais coletivos.
Outra consequência para as empresas é a imagem comprometida no mercado nacional e internacional, como no caso ocorrido em Bento Gonçalves, que apesar de ter sido firmado um termo de ajustamento de conduta, prejudicou de maneira significativa a imagem das empresas envolvidas.
Denúncias são vitais para resgates
Nos últimos dez anos, mais de 15 mil pessoas foram resgatadas do trabalho análogo à escravidão no Brasil, também segundo o Ministério Público do Trabalho. As denúncias podem ser feitas pelo portal do Ministério Público do Trabalho e há também um site específico para a ação:https://bit.ly/3Yn1ndr, não sendo necessária a identificação do denunciante.
Desde 1995, as fiscalizações e resgates de trabalhadores são realizados pelo GEFM, coordenado por auditores-fiscais do Trabalho, em parceria com o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, entre outras instituições.
É importante que sejam implementadas políticas públicas direcionadas ao combate ao trabalho em condição análoga à de escravo, para que o país possa se orgulhar de combater um ciclo de exploração racial, o qual fora mantida por muitos anos de forma disfarçada pelos interesses econômicos, desinteressados na abolição efetiva da exploração humana.
Izabela Borges Silva
Advogada do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados.