O direito à saúde do animal na perspectiva do direito médico-veterinário e da guarda responsável
O Direito à saúde do animal é direito assegurado, consagrado e reconhecido juridicamente, compondo a guarda responsável e a prestação de serviço do médico-veterinário eficiente, sujeitando o infrator às penas do crime de maus-tratos, crueldade, abuso animal, bem como, à reparação civil.
segunda-feira, 13 de março de 2023
Atualizado às 13:39
Dia 14 de Março é celebrado no Brasil o Dia Nacional dos Animais. A data tem como objetivo conscientizar, sociedade, representantes e autoridades do reconhecimento do animal como sujeito de direitos sui generis, sujeito dotado de função biológica, seres sencientes, que sente fome, sede, frio, medo, angústia, dor e sofrimento, sendo que desse reconhecimento nasce a necessidade do efetivo combate aos maus-tratos, crueldade, abuso animal, que ceifa vida prematuramente, consubstanciado no artigo 225 inciso VII § 1º da Constituição Federal, c.c artigos 1º e 11º da Declaração Universal dos Direitos Animais, artigo 32 da lei 9.605/98 que tipifica o crime de maus-tratos, crueldade, abuso animal e resolução 1.236/18 do Conselho Federal de Medicina Veterinária que conceitua e caracteriza maus-tratos, crueldade, abuso animal.
Lembrando que, o combate aos maus-tratos, crueldade, abuso animal é DEVER de toda a sociedade.
Nesta perspectiva claro e evidente que o animal necessita da proteção jurídica, a fim de que possa viver sem dor e sofrimento desnecessário durante seu ciclo natural de vida, sem violência física, psicológica e sexual, respeitando seu Direito à Saúde, no que diz respeito a assistência médico-veterinária, vez que em linhas gerais pode-se conceituar os maus-tratos aos animais, como o fato de alguém impingir no animal qualquer tipo de dor ou sofrimento desnecessário, seja ele físico, sexual, psíquico e falta de assistência médico-veterinária.
Ocorre que, equivocadamente nossa sociedade por vezes tem restringido o Direito à Saúde do animal, e necessária assistência médico-veterinária quando o mesmo apresenta algum sintoma, ou comportamento atípico, ou seja conduz o bichinho para assistência médico-veterinária quando já apresenta-se debilitado, buscando que o médico-veterinário cure enfermidades já estabelecidas no animal, o que nem sempre será possível, pois o profissional da medicina veterinária não possui obrigação de resultado, mas sim de meio, até porque tratando-se de vida, de saúde, de seres dotados de função biológica, a resposta biológica do animal ao tratamento fará toda diferença.
Contudo não podemos ignorar o fato de que a necessária assistência médico-veterinária, compõe a Medicina Veterinária Preventiva, que é o agir, a fim de evitar que doenças acometa o animal quando a Literatura da Medicina Veterinária propicia prevenção, exemplo, a vacinação em regra anual, necessária à espécie de cada animal.
Destarte, vale destacar que o Médico-Veterinário também está obrigado à exercer a medicina veterinária, resguardando o Direito à Saúde do Animal, pois ao mesmo é consagrado o ato privativo ao exercício da prática clínica de animais em todas as suas modalidades nos termos do artigo 2º alínea "a" do decreto 64.704/69, que regula a profissão do médico-veterinário e dos conselhos da medicina veterinária:
Art 2º É da competência privativa do médico-veterinário o exercício liberal ou empregatício das atividades e funções abaixo especificadas:
a) prática da clínica de animais em tôdas as suas modalidades;
Ocorre que, apesar sujeitos de direitos, os animais por si só, não conseguem se deslocar até o profissional da medicina veterinária, a fim de propiciar-lhe assistência médico-veterinária, dependendo que seu tutor/guardião/representante legal o faça, como forma de guarda responsável, até porque ninguém está obrigado a atribuição de tutor/guardião/representante legal de animal, embora toda sociedade tenha o DEVER de respeitar a Vida animal, mas a partir do momento que decide para si a responsabilidade, nasce a OBRIGAÇÃO em resguardar o Direito à Saúde do animal e exercer a guarda responsável nos termos da Cartilha do Ministério da Saúde1.
A Cartilha do Ministério da Saúde inaugurou a revista Gibi da Saúde em Abril do ano de 2012 sobre a guarda responsável de animais, destacando na página 13, a importância da consulta periódica ao médico-veterinário e a medicina veterinária preventiva com o seguinte dizer """SEMPRE LEVO MEUS BICHINHOS AO VETERINÁRIO! TEM DE VACINAR AS DUAS CONTRA A RAIVA, A CRICA CONTRA LEPTOSPIROSE, E DAR REMÉDIO CONTRA OS VERMES, CARRAPATOS E PULGAS!"" destacando ainda nas páginas 20 e 21 a consciência do Direito à Saúde do animal ""Visitas ao veterinário Pode parecer que seu gato ou cão não queira muito ir ao veterinário, mas visitas periódicas são muito importantes. O seu animalzinho não tem como dizer que está doente. Apenas o veterinário pode interpretar corretamente sintomas de doenças e administrar as vacinas e remédios adequados."", ""Remédios Existem remédios que são necessários para manter seu animal saudável, principalmente contra vermes, pulgas e carrapatos. Pergunte ao veterinário quais remédios seu animalzinho precisa tomar e mantenha seu amigo sempre saudável. Lembre-se de que você é o melhor amigo, proprietário e também o guardião de seu bicho de estimação. Seja sempre cuidadoso e atencioso, pois ele depende de você."", ""Vacinas As vacinas principais para gatos e cães são as que previnem a leptospirose (para cães) e a raiva (para cães e gatos). Essas são duas doenças muito sérias, não só para os animais, mas também para os seres humanos. Se o seu bichinho não for vacinado, você e outras pessoas podem ficar doentes.""
Como se vê, a cartilha supra reconhece o Direito à Saúde do bichinho, como responsabilidade mútua entre o guardião/tutor/representante legal do animal e o profissional da medicina veterinária, pois o guardião tem o DEVER de propiciar ao animal medicina veterinária preventiva, consulta periódicas ao médico-veterinário, exames, cirurgias, bem como, disponibilizar e ministrar medicação ao animal que necessite como prescrito pelo médico-veterinário, enquanto o médico-veterinário no exercício profissional terá o DEVER de exercer a medicina veterinária no melhor da sua capacidade com máximo de zelo e dedicação, consubstanciado na literatura da medicina veterinária, empenhando-se para melhorar as condições de bem-estar e saúde animal, com procedimentos humanitários preservando o bem-estar animal evitando sofrimento e dor, nos termos do Código de Ética do Médico-Veterinário, que consagra o Direito Médico-Veterinário.
Pois bem, o Direito à Saúde do animal é tema importante não só ao convívio pacífico na relação humana/animal, como também é tema de importância ao Judiciário Brasileiro, pois quando negligenciada a saúde do bichinho, seja pelo Tutor/Guardião/Representante Legal do animal ou Médico-Veterinário, reconhecendo a necessária proteção jurídica, a celeuma está sendo dirimida por nossos Tribunais.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, recentemente negou pedido de indenização por suposto erro médico-veterinário à tutora que propôs demanda, vez que a perícia técnica veterinária asseverou que a cachorrinha foi acometida pela grave doença da cinomose devido à falta de vacinação, que inclusive buscou assistência médico-veterinária, quando a mesma já apresentava quadro sintomatológico avançado, ou seja, na situação fática a tutora/guardiã/representante legal do animal não exerceu a guarda responsável, ao não propiciar assistência médico-veterinária:
INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS E MATERIAIS - MORTE DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO - Sentença de improcedência dos pedidos iniciais - Recurso da autora com preliminar de nulidade da sentença por vícios no laudo pericial médico - Alegação de que o perito não é especialista na área objeto da perícia (segmento de clínica veterinária) - Não acolhimento - Profissional devidamente habilitado, que elaborou parecer técnico com diligência e com base em análise minuciosa de informações contidas nos documentos médicos existentes nos autos, como também em referências bibliográficas - Inexistência de qualquer irregularidade ao trabalho realizado - Preliminar rejeitada - Controvérsia a respeito da responsabilidade da clínica ré pela falha na prestação de serviços dispensada à cachorra de estimação da autora, portadora de cinomose - Falha na prestação de serviços não demonstrada - Laudo pericial conclusivo pela ausência de erro médico - Quadro sintomatológico avançado desde a primeira consulta - Falecimento do animal pela gravidade do próprio quadro patológico apresentado, de alta mortalidade e de rápida evolução e prognóstico reservado, principalmente em cães não vacinados (caso do animal de estimação da autora) - Manutenção da r. sentença de improcedência - RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1004754-93.2020.8.26.0348; Relator (a): Angela Lopes; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro de Mauá - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 3/3/23; Data de Registro: 3/3/23).
Que, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, também condenou médico-veterinário por exercer a medicina veterinária, em tese sem observar o Direito à saúde do animal, quando o mesmo não propiciou atendimento consubstanciado na literatura da medicina veterinária no pré e pós-operatório, causando dor e sofrimento desnecessário ao animal:
ERRO VETERINÁRIO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. FALECIMENTO DO ANIMAL DIAS APÓS A CIRURGIA DE CASTRAÇÃO. Insurgência da autora contra sentença de improcedência. 1. REVELIA. Não verificação. Contestação rebateu as alegações contidas nas iniciais. Impugnação específica realizada. Não acatamento. 2. ERRO VETERINÁRIO. Acolhimento parcial. Ausência de erro na condução do procedimento de castração. Laudo pericial conclusivo acerca da correção desse procedimento. Negligência, porém, no pré e no pós-operatório. Cachorra com expressivo baixo peso, não tendo sido realizado exame algum antes da cirurgia. Tutora que buscou atendimento nos 4 dias seguintes, com piora expressiva do animal. Acompanhamento negligente, sem exames, sem internação ou melhor investigação. Erro que não levou ao evento morte, mas contribuiu para o agravamento rápido da doença. Negligência verificada. Indenização por dano moral, nesse tocante, fixada em R$ 5.000,00, considerado o grau de culpa (art. 944, CC). RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1039533-58.2020.8.26.0224; Relator (a): Carlos Alberto de Salles; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarulhos - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/1/23; Data de Registro: 20/01/2023). (grifo nosso).
Bem como, o mesmo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, condenou Tutora ao delito de maus-tratos aos animais, por não propiciar assistência médico-veterinária ao animal que necessitava:
Apelação Criminal - Crime de Maus Tratos Contra Animais - Alegação de Inocorrência de omissão por parte da ré - Prova Oral que demonstra que a ré fora orientada por diversas vezes a levar o animal ao veterinário, o que não foi feito - Recurso improvido. (TJSP; Apelação Criminal 1506875-68.2020.8.26.0079; Relator (a): Josias Martins de Almeida Junior; Órgão Julgador: 2ª Turma Cível e Criminal; Foro de Botucatu - Vara do Juizado Especial Cível e Criminal; Data do Julgamento: 2/3/23; Data de Registro: 2/3/23). (grifo nosso)
Como se vê, o Direito à saúde do animal é direito assegurado, consagrado e reconhecido juridicamente, compondo a guarda responsável e a prestação de serviço do médico-veterinário eficiente, sujeitando o infrator às penas do crime de maus-tratos, crueldade, abuso animal, bem como, à reparação civil. Mas lembrando o Direito à Saúde do animal, também depende da implementação de políticas públicas, como Hospital Púbico Veterinário e Farmácia Popular, entre outros.
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1 extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/gibi_da_saude_ano1_n1.pdf