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Benefício por incapacidade permanente, antiga aposentadoria por invalidez

A nova previsão legal não observou adequadamente aqueles benefícios por incapacidade temporária que já estavam vigentes há muito tempo!

sexta-feira, 10 de março de 2023

Atualizado às 14:22

Referida revisão do benefício por incapacidade permanente é diante do contido no art. 26, §§ 2º e 5º, da EC 103/19, onde alterou a regra de cálculo da RMI da aposentadoria por incapacidade permanente ("aposentadoria por invalidez") até que lei discipline o cálculo dos benefícios do RGPS.

Impôs valor correspondente a 60% da média aritmética simples dos salários de contribuição no PBC, limitada ao valor máximo do salário de contribuição do RGPS, com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição para segurados homens ou 15 anos de contribuição para seguradas mulheres.

Porém, foram expressamente excepcionadas da incidência dessa limitação as aposentadorias que decorrerem de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho (art. 26, § 3º, inciso II, da EC 103/19), mantendo-se para estas o valor da RMI em 100% da média aritmética simples dos salários de contribuição no PBC.

Ocorre que a aludida Emenda Constitucional não alterou a RMI do benefício de auxílio-doença, que continua sendo de 91% do salário de benefício, limitado à média aritmética simples dos últimos 12 salários-de-contribuição, nos termos dos arts. 61 e 29, § 10, da LBPS.

Com isso, instalou-se no regime jurídico previdenciário brasileiro um total descompasso, eis que o segurado acometido por uma incapacidade mais "leve" faz jus a um salário de benefício 31% menor que o acometido por uma incapacidade mais severa.

A falta de consonância da regra do art. 26, §§ 2º e 5º, da EC 103/19 com o regramento dos benefícios por incapacidade é tamanha que, por força de sua incidência, até mesmo o titular de aposentadoria por invalidez com o acréscimo de 25% previsto no art. 45 da lei 8.213/91 percebe um salário-de-benefício inferior ao do titular de auxílio-doença previdenciário que, por princípio, tem uma incapacidade de menor grau limitante.

Essa regra não faz o menor sentido. Estabelece que um segurado em gozo de auxílio doença receba remuneração bem superior a um segurado aposentado por invalidez.

É surreal! Imagine-se um segurado em gozo de auxílio-doença que tenha um agravamento em sua incapacidade e passe a fazer jus à conversão do benefício em aposentadoria por invalidez.

Pela nova regra da EC 103/19, ele teria uma redução no valor da remuneração na ordem de mais de 30% no valor do benefício, e não um acréscimo como deveria ser por uma questão de lógica e justiça. Um verdadeiro despautério!

Dessa forma, consequentemente, seu benefício é convertido em aposentadoria e o valor passa a ser de 60% de sua média contributiva.

Assim, perceba o quanto a norma não faz qualquer sentido na ótica da proteção social, pois justamente após a constatação da incapacidade permanente o segurado terá uma redução de mais de 30% no valor do seu benefício.

A situação gerada pela EC 103/19 no ordenamento previdenciário nacional pode ser diagnosticada, segundo a doutrina de Norberto Bobbio (Teoria do Ordenamento Jurídico. 2 ed. São Paulo: EDIPRO, 2014, pp. 92-93), como uma antinomia imprópria, especificamente a chamada "antinomia de valoração", caracterizada, não pela incompatibilidade normativa, mas sim pela injustiça e, consequentemente, pela violação à isonomia.

A injustiça da norma do art. 26, §§ 2º e 5º, da EC 103/19 consubstancia-se na contrariedade ao princípio da razoabilidade, o qual limita a atuação do Estado na produção de normas jurídicas e encontra fundamento na garantia do "substantive due process of law" (art. 5º, LIV, da CF).

Sob essa perspectiva, não há racionalidade na desequiparação estabelecida pelo art. 26, §§ 2º e 5º, da EC 103/2019, pois confere ao segurado acometido por uma incapacidade mais severa um benefício flagrantemente inferior àquele concedido ao acometido por uma incapacidade mais branda, ou seja, ao invés de tratar desigualmente os desiguais a fim de gerar uma isonomia material, a norma em questão desarrazoadamente agrava ainda mais a desigualdade.

Trata-se, assim, de desequiparação arbitrária, caprichosa, aleatória, sem qualquer adequação entre meio e fim, razão pela qual se mostra juridicamente intolerável.

Além do mais, é inconteste a contrariedade ao art. 1º, inciso III, da CF, tendo em vista que os direitos fundamentais referidos nesta decisão são reputados densificações do princípio da dignidade da pessoa humana que é, segundo a doutrina e a jurisprudência nacionais, o valor-fonte da ordem político-jurídica brasileira.

Tem-se, portanto, uma Emenda Constitucional flagrantemente inconstitucional (consoante aborda com propriedade Jairo Lima, em "Emendas Constitucionais Inconstitucionais", ed. Lumen Iuris, 2019).

Inconstitucional por afronta ao princípio da isonomia (art. 5º, CF/88), bem como o Princípio da seletividade e Princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios (art. 195, CF/88), Princípio da proporcionalidade e o Princípio da razoabilidade, tudo permeado pelo valor máximo e de densidade axiológica mais importante da dignidade da pessoa humana.

A par disso, conforme explicitam DANIEL MACHADO DA ROCHA e JOSÉ ANTONIO SAVARIS (Op. cit. p. 132), "O princípio da seletividade e distributividade destina-se a aperfeiçoar a universalidade, mediante a identificação do nível de proteção orientada não apenas às contingências sociais intrinsicamente consideradas, mas àquilo que elas podem, em relação a determinadas pessoas, de fato causar perda substancial de recursos para subsistência com dignidade".

Por fim, no Enunciado 213 do XVII FONAJEF, diz:

"O cálculo dos benefícios por incapacidade deve observar os critérios da legislação anterior à entrada em vigor da EC 103/19, quando a data de início da incapacidade a preceder, mesmo que a DER seja posterior"

Soma-se a isso, o Enunciado 214, que diz:

"O cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente deve observar a lei vigente à época do início da incapacidade permanente, ainda que precedido de auxílio doença."

Portanto, a nova previsão legal não observou adequadamente aqueles benefícios por incapacidade temporária que já estavam vigentes há muito tempo!

Eduardo Martins Gonçalves

VIP Eduardo Martins Gonçalves

Advogado do escritório: EMG Sociedade Individual de Advocacia, especialista em Direito Previdenciário, Acidente do Trabalho e Empresarial e Membro do TED da 23ª Turma - OAB/SP, como Relator.

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