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Mas como é ser juíza?

Que sejamos uma sociedade que consegue dar liberdade aos nossos magistrados de sê-lo de modo feminino ou masculino, como queiram.

quarta-feira, 8 de março de 2023

Atualizado às 07:23

Em pleno século XXI, a experiência do papel social de juiz ainda é diferente para homens e mulheres. É preciso olhar para a magistratura com perspectiva de gênero. O machismo está naturalizado em nossa sociedade e impacta sim o exercício de nossa profissão. O poder ainda é associado a atributos masculinos. 

Mulheres juízas são mais confrontadas por advogados, servidores e partes, como se inseguras ou incapazes de lidar com pressão. Desembargadoras relatam serem mais cobradas por colegas em seus votos como relatoras que Desembargadores homens. A despeito da igualdade quantitativa na carreira, elas ainda ocupam menos posições em cargos de chefia, comissões e funções relevantes em tribunais. 

Na prática, a sensação é de que uma mulher precisa se travestir de qualidades masculinas para ser aceita naquele lugar de autoridade. Afinal, o poder seria masculino? O poder tem gênero? Papéis sociais de gênero têm estreita relação com o que as pessoas esperam de um juiz, seu comportamento e atributos. O "ser juíza" se relaciona com preconceitos arraigados sobre homens e mulheres. 

Ora, há cem anos, mulher não votava, não saia sozinha, não tinha CPF, conta em banco, só poderia trabalhar fora se autorizada pelo pai ou esposo. Era a "rainha do lar", a "Amélia, que era mulher de verdade". Em 2021, o Brasil já teve Presidenta, e elas já chefiam mais de 30 milhões de lares. Vivemos em outro mundo, mas antigos ideais de masculino e feminino ainda nos constituem. Segundo Relatório do Fórum Econômico Mundial, serão necessários 217 anos para que mulheres tenham as mesmas oportunidades de trabalho e salários que homens. 

Mas, afinal, como deve ser o juiz? Atributos tidos como "femininos" são despiciendos a um juiz. É até uma quebra de protocolo um juiz emotivo ou sensível. A percepção tradicional do cargo resta associada a rostos e qualidades masculinas, como se o feminino não fosse bom o suficiente para exercer figura de autoridade. 

Ideário, práticas e modos de fazer foram modulados em um ambiente constituído e mantido por homens. A entrada progressiva da mulher trouxe uma série de desafios, às juízas e para o sistema como um todo, incluindo colegas homens, os servidores, os advogados e usuários da justiça. Há a demanda de conciliação da carreira, com papeis ainda esperados socialmente de uma mulher acerca de maternidade, casamento, vida social e doméstica.

À guisa de conclusão, reflito que a figura da mulher juíza é algo extremamente simbólico. Representa a quebra de preconceitos arraigados. É a mulher sujeito e protagonista. Significa a conquista definitiva do espaço público pelo feminino. Quer dizer que mulher sabe mandar sim; que mulher pode sim priorizar a carreira; que pode ser firme e corajosa sim, e bonita também, e gentil, e doce, se quiser. Juízes precisam conhecer o Direito e ser imparciais, sensatos e corajosos, atributos que podem ser de homens ou mulheres. Que sejamos uma sociedade que consegue dar liberdade aos nossos magistrados de sê-lo de modo feminino ou masculino, como queiram. E que os juízes e juízas não precisem se afastar de si para exercer seu papel. O nome disso é equidade.

Marianna de Queiroz Gomes

Marianna de Queiroz Gomes

Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ/GO). Membro do Comitê de Equidade de Gênero do TJGO. Doutora e mestre em Direito e Ordem Constitucional pela Universidade Federal do Ceará.

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