Reestruturação da assistência social
A Medida Provisória 1.164/23 reestruturou alguns elementos da Assistência Social brasileira.
quarta-feira, 8 de março de 2023
Atualizado às 09:05
Retorno do programa Bolsa Família
O primeiro elemento importante diz respeito ao retorno do programa Bolsa Família, previsto anteriormente na lei 10.835/04, e que havia sido substituído pelo benefício do auxílio Brasil, objeto da lei 14.284/21.
A Medida Provisória 1.164/23 traz toda uma normativa relativa à adaptação de uma política pública para outra, assim como a previsão dos requisitos de elegibilidade para esse novo programa assistencial e os valores das prestações que serão pagas aos beneficiários.
A mesma Medida Provisória também deixa claro que o Bolsa Família é uma etapa para a consecução da ideia de renda básica de cidadania, mais conhecida como renda mínima, e que atualmente se encontra prevista no art. 6º, parágrafo único, da Constituição Federal:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Parágrafo único. Todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda, cujas normas e requisitos de acesso serão determinados em lei, observada a legislação fiscal e orçamentária.
Também é relevante sublinhar que, nos termos do art. 4º, da Medida Provisória 1.164/23, o Benefício de Prestação Continuada - BPC, previsto na lei 8.742/93, compõe o cálculo da renda mensal familiar per capita para fins de aferição de direito aos benefícios oriundos do programa Bolsa Família.
Alterações no CadÚnico
A Medida Provisória 1.164/23 também alterou algumas disposições relativas ao CadÚnico:
Art. 6º-F. Fica instituído o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico, registro público eletrônico com a finalidade de coletar, processar, sistematizar e disseminar informações para a identificação e a caracterização socioeconômica das famílias de baixa renda ou vulneráveis à pobreza, nos termos do regulamento.
(...)
§ 2º A inscrição no CadÚnico poderá ser obrigatória para acesso a programas sociais do Governo federal, na forma estabelecida em regulamento.
§ 3º Para fins de cumprimento do disposto no art. 12 da Emenda à Constituição 103, de 12 de novembro de 2019, e de ampliação da fidedignidade das informações cadastrais, será garantida a interoperabilidade de dados do CadÚnico com os dados constantes do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, de que trata a lei 8.213, de 24 de julho de 1991.
§ 4º Os dados do CNIS incluídos no CadÚnico poderão ser acessados pelos órgãos gestores do CadÚnico, nos três níveis da federação, conforme termo de adesão do ente federativo ao CadÚnico, do qual constará cláusula de compromisso com o sigilo de dados.
§ 5º A sociedade civil poderá cooperar com a identificação de pessoas que precisem ser inscritas no CadÚnico, nos termos do regulamento.
Diversas dessas medidas ainda serão objeto de regulamento, mas por ora podemos indicar alguns primeiros apontamentos.
Conforme a nova redação dada ao § 2º, do art. 6º-F, da Lei Orgânica da Assistência Social, a inscrição no CadÚnico deixa de ser obrigatória para acesso aos programas sociais do Governo federal.
Doravante, apenas "poderá" ser estabelecida como um dos requisitos obrigatórios para acesso às políticas assistenciais, na forma prevista em regulamento, mas não é, aprioristicamente, um critério de elegibilidade obrigatório para esses programas.
O art. 12, da Emenda Constitucional 103/19, estabeleceu a obrigatoriedade de um mecanismo integrado de dados relativo às informações sobre os sistemas previdenciários e programas sociais do Governo Federal:
Art. 12. A União instituirá sistema integrado de dados relativos às remunerações, proventos e pensões dos segurados dos regimes de previdência de que tratam os arts. 40, 201 e 202 da Constituição Federal, aos benefícios dos programas de assistência social de que trata o art. 203 da Constituição Federal e às remunerações, proventos de inatividade e pensão por morte decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal, em interação com outras bases de dados, ferramentas e plataformas, para o fortalecimento de sua gestão, governança e transparência e o cumprimento das disposições estabelecidas nos incisos XI e XVI do art. 37 da Constituição Federal.
§ 1º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e os órgãos e entidades gestoras dos regimes, dos sistemas e dos programas a que se refere o caput disponibilizarão as informações necessárias para a estruturação do sistema integrado de dados e terão acesso ao compartilhamento das referidas informações, na forma da legislação.
§ 2º É vedada a transmissão das informações de que trata este artigo a qualquer pessoa física ou jurídica para a prática de atividade não relacionada à fiscalização dos regimes, dos sistemas e dos programas a que se refere o caput.
As regras contidas no art. 6º-F, §§ 3º e 4º, da lei 8.742/93, com a redação dada pela Medida Provisória 1.164/23, se inserem nesse quadro, passando a permitir que os gestores do CadÚnico e, reciprocamente, do CNIS, possam realizar cruzamento de dados, a fim de dar conta da veracidade das informações prestadas pelos cidadãos, dentro de um escopo de autotutela administrativa (princípio da legalidade).
O § 5º do art. 6º-F, da lei 8.742/93, com a redação dada pela Medida Provisória 1.164/23, estabelece que a sociedade civil poderá cooperar com a identificação de pessoas que necessitem ser inscritas no CadÚnico.
Esse dispositivo exige uma certa atenção.
Se, conforme o art. 194, caput, da Constituição Federal, a Seguridade Social é um conjunto de iniciativas e condutas do Estado e também da sociedade civil (e nisso se pode justificar a norma em questão), ao mesmo tempo deve ser seguido, estritamente, o princípio da legalidade (art. 5º, inciso II, da Constituição Federal), segundo o qual ninguém será obrigado a nada, senão em virtude de lei.
Da mesma forma, essa mencionada cooperação da sociedade civil na identificação de pessoas que devam ser inscritas no CadÚnico deve resguardar todos os preceitos relativos a dados pessoais e dados pessoais sensíveis constantes da LGPD- Lei Geral de Proteção de Dados.
Limitações nos empréstimos consignados
A Medida Provisória 1.164/23 alterou as regras referentes aos empréstimos consignados.
De acordo com a nova redação dada ao art. 6º, da lei 10.820/03, bem como mediante a revogação do art. 6º-B, do mesmo diploma legal, não é mais viável a contratação de empréstimos consignados incidentes sobre o BPC ou sobre programas federais de transferência de renda (a exemplo do Bolsa Família).
Art. 6º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar que o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS proceda aos descontos referidos no art. 1º e, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam os seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, na forma estabelecida em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS e ouvido o Conselho Nacional de Previdência Social.
Esse novo arranjo normativo, se por um lado possivelmente blindará os beneficiários desses programas assistenciais das situações de endividamento, em contrapartida, poderá dificultar o acesso dessas pessoas a mecanismos formais de crédito.
Em suma, essas são as principais medidas trazidas pela novel Medida Provisória 1.164/23.
Marco Aurélio Serau Junior
Diretor Científico do IEPREV - Instituto de Estudos Previdenciários.