A súmula 340 do TST e o motorista comissionista puro: Uma relação tóxica
Uma coisa é certa: virá em boa hora nova decisão realizando tal distinguishing, consolidando este novo entendimento que melhor se adequa à realidade dos motoristas.
sexta-feira, 3 de março de 2023
Atualizado em 6 de março de 2023 09:52
Editada pelo Tribunal Superior do Trabalho em 2003, a Súmula 340 foi idealizada para estabelecer a base de cálculo da hora extraordinária nos casos em que o trabalhador e a trabalhadora recebem sua remuneração à base de comissões - os chamados comissionistas puros. Contudo, para os casos dos motoristas comissionistas puros, deve ser aplicada a base de cálculo definida pela súmula?
É justamente esse o tema que iremos tratar no presente artigo, como também o posicionamento do TST sobre o assunto.
A mencionada súmula define que: "O empregado, sujeito a controle de horário, remunerado à base de comissões, tem direito ao adicional de, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) pelo trabalho em horas extras, calculado sobre o valor-hora das comissões recebidas no mês, considerando-se como divisor o número de horas efetivamente trabalhadas."1
Quando da construção da súmula, o TST a editou justamente para atender a especificidade da dinâmica da figura do empregado comissionista puro, idealizando principalmente aqueles profissionais que atuam no ramo de vendas e que, quanto mais trabalham, mais recebem comissões e, por isso, a jornada extraordinária deveria ser calculada de forma diversa da regra geral da Consolidação das Leis do Trabalho.
Porém, nem toda hipótese de comissionista puro se enquadra na mencionada súmula, conforme se verifica na construção jurisprudencial do próprio TST com o passar dos anos. Toma-se como exemplo o trabalhador rural que se ativa nas lavouras de cana-de açúcar (Processo E- RR - 90100-13.2004.5.09.0025 - Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga - DEJT 17/6/11).
Recentemente veio à tona o caso dos motoristas remunerados exclusivamente pelo frete realizado (motorista comissionista puro), que também se afasta da Súmula 340 do TST por vários motivos:
a) o aumento da remuneração do motorista implicará ou mais horas trabalhadas ou a prestação de serviços em maior velocidade, circunstâncias que inviabilizarão a aplicação da Súmula em razão do disposto no art. 235-G da CLT. Afinal, em qualquer destes casos restará comprometida a segurança da rodovia e da coletividade;
b) o valor da comissão é baseado em porcentagem fixa sobre o valor do frete da entrega, sendo certo que o motorista normalmente não possui qualquer acesso aos contratos, aos valores e negociações. A empresa tem o controle dos fretes e, em razão do jus variandi, consegue controlar o patamar remuneratório do obreiro;
c) o motorista não escolhe as cargas que transporta (geralmente, fica a critério do empregador a escolha da carga), logo, ele não tem a liberdade de decidir pelas cargas com comissões que lhe fossem mais vantajosas;
d) os caminhões que fazem fretes são muito visados pelas criminalidade, principalmente pelo valor da carga, fazendo com que os caminhões sejam monitorados por GPS, com rotas pré-definidas e acompanhamento 24 horas.
e) há casos em que as funções do motorista não se limitam ao transporte de mercadorias (consequente realização de fretes), mas também pelo carregamento/descarregamento, manobra de veículos do pátio das empresas, dentre outros. Nesse caso, a comissão sobre o frete não remuneraria tais outras atividades.
f) o maior número de horas trabalhadas não implicará, necessariamente, melhor remuneração ao trabalhador.
Todo esse contexto nos conduz à simples conclusão de que não deve a Súmula 340 do TST ser aplicada objetivamente a todo e qualquer trabalhador comissionista puro, pois, como é o caso do motorista, o empregado sofrerá severos prejuízos financeiros.
Toma-se como exemplo um motorista que é contratado para trabalhar com frete cuja remuneração é baseada em comissão. Caso esse trabalhador tenha que entregar dois fretes, sendo que o primeiro ele consegue fazer durante sua jornada contratual e o segundo o demande um labor extraordinário, o valor de sua remuneração será o mesmo independentemente da quantidade de horas trabalhadas.
Em outras palavras, para o motorista comissionista puro, a jornada extraordinária não conduz à conclusão de que ele auferiria maiores comissões. Por isso que a Súmula 340 do TST não deve ser aplicada, já que sua situação contratual não se assemelha aos profissionais idealizados quando da edição pelo TST, pois aqueles profissionais quanto mais trabalhavam, mais comissões conseguiriam auferir.
Por sua vez, como dito, o motorista em uma jornada extraordinária não aufere maiores comissões, muito pelo contrário, no quesito tempo há uma perda em vez do ganho real.
Observa-se que o TST começou a enxergar com outros olhos a questão, divergindo de julgados mais antigos que aplicavam a Súmula 340 indistintamente aos motoristas.
A modernização da jurisprudência corrobora parte dos argumentos ora apresentados, conforme se verifica do julgado TST-RRAg - 1587-49.2014.5.17.0008 da Segunda Turma, de relatoria do Ministro José Roberto Freire Pimenta.
De acordo com a decisão:
"(...) a remuneração do reclamante (motorista de caminhão), embora restrita apenas a comissões, não variava em função do número de horas por ele trabalhadas (normais e extras), visto que era calculada apenas como base em determinado percentual incidente sobre o valor do frete das mercadorias por ele entregues (invariável, a cada viagem). Desse modo, inquestionável que, enquanto o número de horas gastas pelo reclamante em cada viagem variava em função do itinerário determinado por sua empregadora, em função dos endereços de seus clientes, o valor de cada frete e das correspondentes comissões incidentes não era alterado. Assim, não se pode, nessas circunstâncias, considerar presentes as premissas fático-jurídicas que autorizaram a consagração do entendimento expresso na Súmula 340 do TST, sendo perfeitamente justificada a distinção feita na decisão regional."
Recentemente outro caso foi apreciado pelo TST, Processo 0001487-24.2019.5.17.0007, ainda sob a análise da 6ª Turma. O julgamento foi iniciado e, em sessão futura, o Colegiado decidirá sobre a possibilidade ou não da aplicação objetiva da Súmula 340 a trabalhador motorista comissionista puro quando evidenciado que a jornada extraordinária não ocasiona ganho real na sua remuneração, podendo, caso deferida a tese autoral, modificar a jurisprudência quanto à aplicação da súmula para a categoria.
O processo acima mencionado foi objeto de Recurso de Revista interposto pela reclamada, que pugnou pela aplicação da Súmula 340, de forma objetiva. Inicialmente, a relatora dos autos, a Ministra Katia Magalhães Arruda, propôs, na sessão do dia 8/2/23, o conhecimento e provimento do recurso empresarial para que seja aplicada a jurisprudência consolidada pela Súmula, todavia, após sustentação oral em favor do reclamante, o processo foi retirado de pauta a pedido do Ministro Augusto César para melhor análise.
Das discussões ocorridas durante o julgamento, conduz à conclusão de que a Turma, seja por maioria, seja por unanimidade, tende a modificar seu prévio entendimento a excepcionar o motorista comissionista puro da aplicação objetiva da Súmula 340 do TST.
Uma coisa é certa: virá em boa hora nova decisão realizando tal distinguishing, consolidando este novo entendimento que melhor se adequa à realidade dos motoristas.
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1 https://jurisprudencia.tst.jus.br/?tipoJuris=SUM&orgao=TST&pesquisar=1#void
João Paulo Zago
Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na Faculdade Damásio, Advogado da LBS Advogados.