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A inconstitucionalidade das taxas para interposição de recursos administrativos

Pedro Cota Almeida e Hugo Gabriel Machado Amaral

Ainda que se mostre constitucional a cobrança de taxa para realização de perícias e diligências, a sua base de cálculo deve ser estabelecida de proporcional ao custo do serviço público prestado que justifica a sua imposição.

segunda-feira, 6 de março de 2023

Atualizado às 08:08

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF), confere à União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a competência tributária para instituírem tributos, dentre os quais destaca-se a possibilidade dos impostos, taxas, contribuições de melhorias decorrentes de obras públicas, empréstimos compulsórios e contribuições especiais.

Conforme discriminadas no art. 145, II, as taxas são caracterizadas pela vinculação e pela referibilidade que a atuação estatal deve guardar com o contribuinte, sobretudo em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, seja ela efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição1.

Em paralelo, assim como os entes federados possuem a capacidade de estabelecer cobranças pela realização de serviços, o contribuinte, por sua vez, detém o direito de questionar quando entender que esta cobrança é ilegítima ou inconstitucional. No art. 5º da CF, XXXIV, alínea "a", são assegurados a todos, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos, contra ilegalidades ou abuso de poder2.

Como ferramenta fundamental para garantir que todos os indivíduos possam ser apreciados pelo Estado, o direito a petição se trata de ferramenta basilar para o exercício democrático sem que haja ameaça ou lesão ao Direito, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à liberdade e à igualdade processual.

Em outras palavras, trata-se do direito dos contribuintes de apresentar recurso administrativo com a finalidade de provocar o reexame do ato de cobrança pela Administração Pública correspondente, que possui, ainda, fundamentação nos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º da CF, LV, e que assegura aos conflitantes, seja em processo judicial ou em vias administrativas, a possibilidade de se defenderem utilizando de todos os meios e recursos a eles inerentes.

Por ampla defesa entende-se a garantia dada aos litigantes, em processo administrativo ou judicial, de condições que lhe possibilitem apresentar todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo, pois a todo ato produzido por uma das partes caberá igual direito de defesa3.

Portanto, eventual exigência de garantia ou pagamento de taxa para a admissibilidade de recurso administrativo viola o art. 5º, LV, da CF, que assegura o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes, e o art. 5º, XXXIV, "a", da CF, que garante o direito de petição independentemente do pagamento de taxas.

Entretanto, é comum que Estados e Municípios exijam garantias ou cobrem taxas para apresentação de impugnação e recursos administrativos, o que, como visto, viola as garantias constitucionais do contraditório, ampla defesa e do direito de petição, que deve ser marcado pela gratuidade, sob pena de desestimular ou simplesmente inviabilizar o seu exercício. Dessa forma, podemos interpretá-los como instrumentos de equilíbrio entre governantes e governados a fim de garantir o devido processo legal.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 6.145, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), foi instado a se manifestar acerca da inconstitucionalidade da lei Estadual 15.838 de 2015, do Estado do Ceará, que exigia o pagamento de taxa caso o contribuinte apresentasse impugnação em primeira instância administrativa, recurso ordinário pela câmara de julgamento ou de recurso extraordinário pela câmara superior ou requeresse a realização de perícia e diligências no âmbito do processo administrativo4.

Dessa forma, entendeu o STF que, no que tange ao direito de petição e o recurso administrativo, ainda que a legislação do Estado do Ceará afirme que o recolhimento da taxa não consubstancia requisito de admissibilidade da impugnação e recurso administrativo, a simples existência da referida cobrança, independente do momento, revela contrariedade ao direito de petição5.

Isso porque, a jurisprudência do STF, em especial nos precedentes que fundamentaram a Súmula Vinculante 216, se consolidou o sentido de que o recurso administrativo é um desdobramento do direito de petição, de maneira que, sendo o disposto no art. 5º, XXXIV, "a", verdadeira imunidade tributária, que impede a cobrança de taxa para exercício do direito de petição, da mesma forma se mostra inconstitucional a cobrança de taxa pela apresentação de impugnação ou recurso administrativo.

Por outro lado, no que diz respeito à cobrança de taxa para efetiva realização de perícias e para empreendimento de diligências a pedido do contribuinte, o STF entendeu que tais atos não estariam abarcados no âmbito conceitual do direito de petição, nem violariam o seu direito à ampla defesa e ao contraditório. Pelo contrário, por entender serem serviços públicos colocados à disposição do contribuinte, específico e divisível, de utilização não compulsória (não consubstanciam pressupostos para válida constituição do crédito tributário), mostra-se constitucional a instituição de taxa para a realização destes serviços.

Entretanto, tal como instituída, no caso, foi reconhecida a inconstitucionalidade da taxa, pois o estabelecimento de um valor fixo para realização de perícias e diligências sem levar em consideração a complexidade, o lapso temporal para sua execução, os valores envolvidos na apuração do crédito fiscal e o custo efetivo do serviço público evidenciam a desproporcionalidade e desconexão da comutatividade ou referibilidade.

Dessa maneira, nota-se que o acesso à justiça se trata de uma garantia constitucional que acompanha a relação entre os componentes do escopo social. Assim, o STF, ao julgar inconstitucional a cobrança da taxa pelo mero exercício do direito de petição, fez prevalecer a garantia dos direitos básicos destinados a todos os cidadãos e reforçou o amplo acesso a defesa pelo devido processo legal entre as partes.

Ademais, deixou claro que, ainda que se mostre constitucional a cobrança de taxa para realização de perícias e diligências, a sua base de cálculo deve ser estabelecida de proporcional ao custo do serviço público prestado que justifica a sua imposição.

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1 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm  

2 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm 

3 MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, 33. ed. rev. e atual. até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016 - São Paulo: Atlas, 2017, p. 85.

4 Supremo Tribunal Federal. STF invalida cobrança de taxas em processos administrativos fiscais no Ceará. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=494352&ori=1

5 Supremo Tribunal Federal. ADI 6145. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5702414

6 Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante 21. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=26&sumula=1255

Pedro Cota Almeida

Pedro Cota Almeida

Advogado no Ayres Ribeiro Advogados e especialista em Direito Tributário e Gestão Fiscal e Tributária pela PUC/MG.

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Hugo Gabriel Machado Amaral

Hugo Gabriel Machado Amaral

Colaborador tributarista no escritório Ayres Ribeiro. Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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