Vedação ao cabimento do mandado de segurança contra decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo
O caminho processual a ser seguido em caso de irresignação com determinado pronunciamento judicial são os recursos, e, na ausência de efeito suspensivo próprio, o requerimento perante o órgão julgador.
quarta-feira, 1 de março de 2023
Atualizado às 14:38
Sabe-se que o mandado de segurança é um remédio e ação constitucional que visa reprimir ou prevenir atos coatores emanados pelo Poder Público, por intermédio dos seus agentes.
É um instrumento processual destinado a proteção dos direitos dos cidadãos, aqueles líquidos e certos, violados ilegalmente ou por abuso de poder.
Importante mencionar, o fato de que não só os agentes públicos podem violar direitos através de atos ilegais. Atores particulares, que desempenham atividades públicas na modalidade de concessão ou permissão (delegatários) também estão sujeitos ao alcance dos efeitos da ação de mandado de segurança.
Ressalta-se que, direito líquido e certo amparado por habeas corpus e habeas data, inviabiliza a impetração do mandado por força legal.1
Tal vedação denota a especialidade dessa ação. Vale lembrar, também, que não só pessoas físicas se sujeitam ao procedimento, como também as jurídicas que incorrerem nas condutas legalmente previstas.
Além disso, não somente contra atos administrativos cabe o remédio constitucional. Por uma interpretação lógica dos incisos II e III, do artigo 5° da lei do Mandado de Segurança, é cabível, também, em face de decisões judiciais.
De outra borda, é consolidada no Superior Tribunal de Justiça a posição pelo seu cabimento contra decisão judicial apenas quando eivada de ilegalidade, teratologia ou patente abuso de poder.2
A Corte da Cidadania autoriza o seu manejo tão somente ante ausência de um recurso jurídico apto a combatê-lo, que a decisão seja "manifestamente ilegal ou teratológica".3
Pois bem. Como matéria de fundo do presente texto, está a impossibilidade do manejo do mandado de segurança contra decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo.
Primeiramente, é preciso diferenciar as duas espécies de efeito suspensivo recursal presente no sistema processual brasileiro.
Os recursos podem ter o efeito suspensivo automático ou próprio, ou seja, aquele previsto em lei, como é o caso da apelação.4
A melhor doutrina aponta para um fato importante. Nesse caso, não é o recurso em si que atribui o efeito suspensivo a decisão recorrida.
A mera recorribilidade de determinado pronunciamento judicial, por si só, já retira a sua eficácia, havendo ou não a interposição do recurso.5
O que ocorre é o prolongamento da ineficácia com a interposição do recurso, que cessará após o seu julgamento e não necessariamente após o trânsito em julgado.
De outra borda, a maioria dos recursos não possui esse efeito suspensivo automático, devendo o interessado requerer ao órgão julgador a sua atribuição.6
Isso quer dizer, em que pese determinado recurso não possuir efeito suspensivo legal, o recorrente poderá requer ao relator que o conceda.
Com isso, chega-se à conclusão de que todo recurso é passível de obter efeito suspensivo, nesse caso, sendo o próprio recurso interposto a retirar a eficácia da decisão impugnada.
Postas essas premissas, surge a pergunta: se não se concederá mandado de segurança quando se tratar de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo, então não cabe mandado de segurança em face de nenhuma decisão judicial?
A redação do artigo 5°, inciso II, da lei do Mandado de Segurança, deixa margem para interpretação.
Ora, não cabe o remédio constitucional se da decisão judicial couber recurso com efeito suspensivo.
Nesse palmar, entra o preceito esculpido no CPC, o qual nos diz que todo recurso é passível de requerimento de efeito suspensivo, quando da imediata produção dos efeitos da decisão atacada houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a sua probabilidade de provimento.
Por isso, chega-se à conclusão de que o mandado de segurança só terá cabimento quando o recurso não tiver efeito suspensivo próprio, além de não ser possível o seu requerimento ao órgão julgador.
Além disso, assim como o STJ, o STF limita o cabimento do mandado de segurança apenas em face de decisões judiciais teratológicas, quando não é possível suportar a sua existência no mundo jurídico em razão de algum vício aberrante no exercício da jurisdição.7
Na hipótese de negativa do órgão julgador na concessão do efeito suspensivo ao recurso interposto, agravo de instrumento por exemplo, entende-se ser possível a impetração do mandado, desde que não ultrapasse o prazo decadencial de cento e vinte dias da decisão judicial atacada, ato coator.
Diante dessa hipótese, alguns poderiam sustentar que não cabe mandado de segurança em face de decisão judicial transitada em julgado.
Ocorre que, nesse caso haverá a preclusão, fenômeno endoprocessual com prejudicialidade interna, que não se confunde com a coisa julgada, de prejudicialidade externa.
Portanto, o manejo do mandado em face de decisão judicial é excepcional, quando o recurso cabível não tiver e nem puder ter efeito suspensivo, ou quando o recurso não for hábil ao ataque da decisão por condutas, na maioria das vezes ilegais, impostas pelo próprio órgão julgador.
Ao final, o manejo do mandado constitucional só se revela possível diante da impossibilidade de se recorrer da decisão, por meio de recurso com efeito suspensivo automático ou condicionado.
Isso, com vistas a reforçar que as decisões judiciais possuem legalmente os meios hábeis de impugnação, os recursos, que possuem um título exclusivo no CPC, tamanha a sua regulamentação.
O remédio constitucional não se presta a substituição recursal, tampouco sucedâneo de ação rescisória, possuindo regramento próprio, além de hipóteses delineadas pela lei de regência.
O caminho processual a ser seguido em caso de irresignação com determinado pronunciamento judicial são os recursos, e, na ausência de efeito suspensivo próprio, o requerimento perante o órgão julgador.
Caso não se obtenha o efeito almejado para se evitar prejuízos de incerta reparação, além do improvável provimento recursal, na hipótese de a decisão ser teratológica ou manifestamente ilegal, é possível o manejo do mandado dentro do prazo decadencial legal, ou até mesmo após a publicação da decisão, mas antes do seu trânsito em julgado, nos casos de decisões interlocutórias parciais de mérito, sentenças ou acórdãos.8
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1 Artigo 1°, da Lei do Mandado de Segurança
2 RMS 50.588/STJ
3 RMS 46.144/STJ
4 Artigo 1.012, do CPC
5 Barbosa Moreira, código, n. 143, pg. 257
6 Parágrafo único, do artigo 995, do CPC
7 RMS 33.814/STF
8 MS 22.157/STJ.