A atuação do administrador judicial no âmbito da recuperação extrajudicial
Apesar do rito simplificado característico da recuperação extrajudicial, a nomeação de administrador judicial para atuação em processos de RE vem sendo admitida.
quarta-feira, 1 de março de 2023
Atualizado às 08:07
A lei 11.101/05 disciplina, além da Recuperação Judicial e Falência, o instituto da Recuperação Extrajudicial, o qual visa, em linhas gerais, a superação da crise empresarial por meio de um procedimento mais célere e menos oneroso. Trata-se de uma alternativa ao regime de recuperação judicial para combater crises de menor gravidade .
Embora pouco utilizada, a Recuperação Extrajudicial se destaca pela possibilidade de uma negociação parcial entre devedor e credores, conferindo maiores poderes às partes para novarem seus créditos. Não obstante, a lei 11.101/05 impõe algumas restrições, impedindo que o Plano de Recuperação Extrajudicial (PRE) preveja o pagamento antecipado de credores e o tratamento desfavorável de credores não sujeitos à recuperação extrajudicial (§ 2° do art. 161).
Importante mencionar que os efeitos do Plano de Recuperação Extrajudicial se limitam aos créditos constituídos até a data do pedido de homologação, ou seja, os créditos constituídos posteriormente ao pedido de RE não poderão ter o valor ou condições alteradas, sendo aplicado o mesmo raciocínio aos créditos oriundos das classes não sujeitas ao Plano.
Neste ponto, cumpre esclarecer que existem duas modalidades de recuperação extrajudicial, sendo uma impositiva, disciplinada no § 1° do art. 163 da lei, na qual não é necessária a abrangência de todas as classes de credores no Plano de Recuperação Extrajudicial, no entanto, caso aprovado, o plano obriga a todos os credores das classes abrangidas .
Outra modalidade de RE é a facultativa, prevista no art. 162 da lei 11.101/05, pela qual há a adesão da totalidade de credores sujeitos ao Plano, independente da classe que pertençam. Assim, o devedor escolhe com quem pretende negociar, de modo que se tem uma modalidade mais simples e voluntária, tornando possível que o Plano preveja tratamento desigual para os credores signatários. Nesta modalidade, a homologação do Plano é indispensável, sendo o Plano de Recuperação Extrajudicial considerado um mero negócio jurídico de natureza privada, sob condição suspensiva, o qual produzirá efeitos apenas após sua homologação.
Sobre o processo simplificado da recuperação extrajudicial, lecionam Luis Felipe Spinelli, Rodrigo Tellechea e João Pedro Scalzilli (2013, p. 89):
"Em segundo lugar, é possível afirmar que há maior celeridade no processamento do regime da recuperação extrajudicial, pois, apesar de o plano seguir o rito de homologação judicial, o procedimento, cujo caráter é meramente chancelatório, possui trâmite simplificado. Portanto, em não havendo, como de fato não existe, a necessidade de verificação e habilitação de créditos, de realização de assembleia de credores e de constituição de comitê de credores - situações que se verificam apenas na recuperação judicial -, a tendência é de que a ação transcorra em espaço de tempo menos."
Destaca-se que após a publicação do edital a que se refere o art. 164 da lei 11.101/05, poderão todos os credores, inclusive titulares de créditos não sujeitos, apresentar impugnação ao Plano de Recuperação Extrajudicial . Os impugnantes deverão se ater às matérias elencadas no § 3° do art. 164 da lei 11.101/05 , quais sejam: o preenchimento do quórum previsto no art. 163, a prática de qualquer dos atos previstos no inciso III do art. 94 ou do art. 130 desta lei, ou descumprimento de qualquer outra exigência legal.
Apresentadas impugnações ao PRE, é oportunizado ao Devedor que se manifeste a respeito das mesmas no prazo de 5 dias. Decorrido referido prazo, deverá o Magistrado apreciar imediatamente eventuais impugnações e decidir acerca da homologação do Plano no prazo de 5 dias.
Oportuno destacar que embora a lei 11.101/05 não preveja expressamente a atuação do Administrador Judicial no âmbito da Recuperação Extrajudicial, fica ao prudente arbítrio do Magistrado a nomeação do auxiliar. Conforme entendimento da doutrina e jurisprudência, se faz salutar a nomeação de AJ para atuar no feito, a depender da complexidade do caso.
Acerca do tema, é relevante a ponderação de Marcelo Barbosa Sacramone (2021, p. 633):
"(...) Ao contrário da decisão de processamento da recuperação judicial, não há previsão de nomeação de administrador judicial na recuperação extrajudicial. Essa nomeação seria, a princípio, incompatível com a redução dos custos e da complexidade do procedimento buscada pela LREF. Entretanto, se a recuperação extrajudicial possuir grande quantidade de credores a ela submetidos, a análise das impugnações ao plano poderá revelar-se complexa e exigir do Magistrado estrutura e celeridade incompatíveis com a realidade atualmente existente no Poder Judiciário. Nessa hipótese, a nomeação do administrador judicial poderá ser excepcionalmente admitida. Deverá ser realizada nos termos dos arts. 21 e seguintes da lei."
Nesse sentido é o entendimento do C. TJSP, sendo destacado que a nomeação de Administrador Judicial no âmbito da Recuperação Extrajudicial não gera prejuízo aos credores, tratando-se de medida de apoio ao magistrado. Veja-se:
"TRÊS APELAÇÕES. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE PLANO DE RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL. INSURGÊNCIA DOS CREDORES. PRELIMINARES DE INTEMPESTIVIDADE, SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA E PRECLUSÃO REJEITADAS. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE AO CONHECIMENTO DOS APELOS. NOMEAÇÃO DE ADMINISTRADOR JUDICIAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AOS CREDORES. HIPÓTESE DE PARCIAL PROVIMENTO AOS RECURSOS. QUADRO DE CREDORES QUE NÃO ATENDE AO ART. 163, §6º, III, DA LEI 11.101/05. ORIGEM, NATUREZA E CLASSIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS NÃO ESPECIFICADAS. INVIABILIDADE DE ANÁLISE DO QUORUM DE 3/5 DOS CREDORES DE CADA ESPÉCIE, PREVISTO NO ART. 163, CAPUT, DA LEI 11.101/05. GENÉRICOS TERMOS DE ADESÃO SUBSCRITOS POR DOIS CESSIONÁRIOS. PLANO QUE TAMBÉM NÃO É CLARO QUANTO ÀS ESPÉCIES DE CRÉDITOS ABRANGIDAS. IMPOSSIBILIDADE DE HOMOLOGAÇÃO. SENTENÇA ANULADA, FACULTADA A APRESENTAÇÃO DE NOVO PLANO. ART. 164, §8º, LEI 11.101/05. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS."
(TJSP; Apelação Cível 1014127-23.2017.8.26.0068; Relator (a): Alexandre Lazzarini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Barueri - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/11/20; Data de Registro: 26/11/20) Destacamos.
Fato é que a nomeação do Administrador Judicial no âmbito da recuperação extrajudicial já se tornou comum, eis que sua atuação é fundamental para trazer maior transparência e segurança ao processo, especialmente no que tange à aferição do quórum de aprovação, análise da documentação dos aderentes, das impugnações apresentadas e controle de legalidade do plano de recuperação.
Caberá ao Administrador Judicial nomeado apresentar Parecer Técnico ao Magistrado, no prazo por ele fixado, que deverá versar sobre as impugnações apresentadas por credores e, especialmente, sobre o quórum de aprovação do plano e verificação individualizada das adesões apresentadas pela Devedora.
Após recebimento do Relatório do Administrador Judicial, o Magistrado deverá intimar a empresa Devedora e os credores para tomar conhecimento dos termos do Parecer Técnico, concedendo-lhes prazo para manifestação.
Registre-se que a atuação do Administrador Judicial nas recuperações extrajudiciais, além de conferir mais segurança ao Magistrado, resguarda também o interesse dos credores, ao acrescentar maior transparência ao procedimento, especialmente no que pertine à verificação da higidez do quórum de aprovação do plano, afastando a possibilidade de ocorrência de simulação.
Assim, ultrapassada a etapa de Impugnação dos Credores e resposta pela Devedora, caberá ao Magistrado homologar o Plano de Recuperação Extrajudicial, caso entenda preenchidos os requisitos para tanto, nos termos do § 5°, do art. 164, da lei 11.101/05. Nesta oportunidade, poderá o Julgador decotar do Plano de Recuperação Extrajudicial eventuais cláusulas tidas como ilegais, restringindo, portanto, sua eficácia.
Destarte, apesar de inexistir previsão expressa para nomeação de Administrador Judicial no âmbito da Recuperação Extrajudicial, tal nomeação vem sendo amplamente admitida e recomendada, especialmente para verificação dos requisitos para homologação do Plano de Recuperação Extrajudicial, conferindo maior transparência e higidez ao procedimento.
Rogeston Inocêncio de Paula
Sócio fundador do escritório Inocêncio de Paula Sociedade de Advogados e Administrador Judicial em diversos processos de Recuperação Judicial, Recuperação Extrajudicial e Falência.
Larissa Mylena de Paiva Silveira
Advogada no escritório Inocêncio de Paula Sociedade de Advogados e mestre em Direito Privado.