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As controvérsias encontradas na etapa da heteroidentificação do concurso para escrivão da PCDF

Em um processo judicial poderá ser realizado um pedido liminar para que, se preenchido todos os requisitos, o candidato possa retornar imediatamente as próximas fases do certame.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Atualizado às 08:28

Hoje iremos falar um pouco sobre o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros/pardos do concurso da Polícia Civil do Distrito Federal, para provimento ao cargo de Escrivão.

O concurso da PCDF vem sendo acometido por diversas polêmicas, desde a sua primeira suspensão, à véspera da prova objetiva, devido a pandemia causada pelo vírus da Covid-19.

Recentemente, em 22 de janeiro deste ano, foi realizado o procedimento de heteroidentificação, com resultado publicado em 07 de fevereiro. E como já era de se esperar, vários candidatos foram prejudicados injustamente pela comissão de verificação.

Vou explicar um pouco como funciona o procedimento de heteroidentificação, e o que as leis que embasam o edital trazem sobre o tema. De início, vale lembrar que o edital previu a observância da lei 12.990, de 2014, a qual assegura a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos aos candidatos negros.

E está mesma lei diz que: "Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pelo IBGE."

Além dessa lei, o edital trouxe a observância da Portaria Normativa 4/18, que coloca como principal objetivo desta fase, a garantia de padronização e de igualdade de tratamento entre os candidatos submetidos ao procedimento de heteroidentificação promovido no mesmo concurso público. 

Ou seja, no momento da inscrição o candidato poderá se autodeclarar como preto ou pardo e após ser classificado, será submetido a uma entrevista individual perante a Comissão de Heteroidentificação, a qual utilizará apenas o critério fenotípico para analisar e decidir se este faz jus ou não as cotas raciais.

Mas o que é esse critério fenotípico utilizado pela banca de verificação do certame? E aqui eu abro um parêntese para entendermos a diferencia entre critério fenotípico e genotípico.

O fenótipo está relacionado com as características externas do indivíduo, características físicas, ou seja, sua aparência. Já o Genótipo está relacionado com as características internas do indivíduo, levando em consideração os genes herdados dos pais, seus ancestrais, ou seja, o histórico familiar como um todo.

E é aí que está a controvérsia do edital, pois ao mesmo tempo que escolhe exclusivamente o critério fenotípico, também exige a autodeclaração conforme o quesito cor ou raça utilizado pelo IBGE.

Recebemos relatos de candidatos que se declaram como pardos, mas a comissão de verificação entendeu que eles não se enquadravam nos critérios fenotípicos.

Ora, a lei das cotas fala que negro é quem se declara como preto ou pardo, mas afinal, quem poderá ser considerado pardo? Não existe um critério objetivo pra isso. Segundo o manual do próprio IBGE, pardo é o mestiço, aquele tem múltiplas etnias.

Existem estudos sociais e históricos que revelem existir mais de 50 tipos de pessoas pardas no nosso país, que inclusive é uma das características mais marcantes do povo e da cultura brasileira.

Então, como uma banca pode decidir se você é pardo ou não, utilizando apenas o critério fenotípico, sem levar em consideração o genótipo do indivíduo? Não faz sentido.

E o curioso, é que diariamente recebemos contatos de candidatos inaptos na heteroidentificação, mas que em outros concursos foram aptos a concorrer como pretos ou pardos. Ou até mesmo, candidatos que possuem documentos oficiais, emitidos por órgãos federativos, que constam expressamente a condição de negro.

E o pior é que o edital tenta se blindar destes documentos, quando menciona que não serão aceitos documentos pretéritos que comprovam a condição de cotista do candidato. Por isso, está etapa é bastante subjetiva e questionável e vale a pena sim recorrer administrativamente, por meio de um recurso técnico e bem fundamentado.

Caso o Cebraspe não volte atrás e indeferia o recurso, o Poder Judiciário pode e deve ser acionado para dirimir os excessos e ilegalidades praticadas pela banca por meio da comissão de heteroidentificação.

Em um processo judicial poderá ser realizado um pedido liminar para que, se preenchido todos os requisitos, o candidato possa retornar imediatamente as próximas fases do certame, sem precisar aguardar o término do processo.

Lembre-se de quão difícil foi chegar até aqui e não se conforme em ser eliminado diante de uma injustiça, a lei de cotas é importante e possui um contexto social fortíssimo, que deve ser respeitado!

Giovanni Bruno de Araújo Savini

Giovanni Bruno de Araújo Savini

Advogado do escritório Safe e Araújo Advogados.

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