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A regulamentação da atuação consensual do TCU

A instrução normativa 91/22-TCU apresenta ainda uma óbvia conclusão pela inviabilidade de interposição de recursos, em face da solução encontrada no mecanismo, dada a natureza dialógica do procedimento.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Atualizado às 07:59

No final de 2022, o Tribunal de Contas da União editou a Instrução Normativa 91/22, instituindo, no âmbito da Corte, procedimentos de solução consensual de controvérsias relevantes e prevenção de conflitos afetos a órgãos e entidades da Administração Pública Federal.

Trata-se de um claro e indiscutível avanço à visão punitivista das Cortes de Contas do nosso país, tendo em vista, especialmente, o caráter pedagógico a que deve se submeter a atuação do controle externo.

O fato é que a mudança de paradigma passa a abrir novos horizontes para uma atuação moderna não fundada apenas na aplicação de punições, que acabam por afastar gestores bem-intencionados que, eventualmente, foram mal assessorados, dada à complexidade das normas que regem a Administração Pública.

A nova visão se fundamenta nas normas já existentes no próprio ordenamento jurídico pátrio, que há algum tempo já demandavam esta nova postura, citando-se, por exemplo, o decreto 9.830, de 10 de junho de 2019, que introduziu mudanças na Lei de Introdução do Direito Brasileiro, o qual em seu art. 13, §1º1, passou a estabelecer que a atuação dos órgãos de controle deverá privilegiar a atuação preventiva, em detrimento da punitiva.

Trilhando o mesmo caminho, o §4º, do art. 362, da lei 13.140, de 26 de junho de 2015, conhecida como Lei da Arbitragem, estabeleceu a obrigação da Advocacia Geral da União atuar para buscar uma composição extrajudicial do conflito, sempre que envolver órgãos ou entidades da Administração Pública Federal, cabendo ao Tribunal de Contas da União a anuência, quando se tratar de demanda relativa à improbidade administrativa ou de situação sobre a qual haja prévia decisão da Corte.

A questão, de fato, é sempre controversa, dada uma equivocada e ultrapassada interpretação, já amplamente discutida, sobre o que, de fato representa, o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado.

Privilegiar o interesse público não significa engessar a gestão, impedindo que soluções consensuais substituam as meras penalidades, muitas vezes não revestidas de qualquer efetividade. Muito pelo contrário, a atuação consensual da Administração Pública propicia, em diversas oportunidades, a efetivação do interesse público, de modo a assegurar benefícios concretos para a sociedade, não sendo diferente no caso dos Tribunais de Contas.

A atuação consensual do poder público encontra, inclusive, fundamento constitucional na manifestação do princípio democrático (art. 1º, CF), no princípio da eficiência (art. 37, CF), no princípio da autonomia da vontade (art. 5º, CF), no direito à razoável duração dos processos administrativos (art. 5º), no fortalecimento da cidadania e dos direitos públicos subjetivos (art. 37, §3º, CF). 

Diversos Tribunais de Contas pátrios já realizam Termos de Ajustamento de Gestão, como se verifica no caso do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, que regulamentou a matéria através da Resolução 14/14-TCEMG3, proibindo a utilização do instrumento apenas nos casos em que já esteja previamente configurado o desvio de recursos, ou que trate sobre ato ou procedimento em processo com decisão irrecorrível, sobre ato ou procedimento não passível de regularização, sobre ato que já foi objeto de TAG rejeitado ou não homologado, ou ainda que contenha como signatário gestor que esteja com TAG em execução sobre a mesma matéria ou que tenha descumprido metas e obrigações assumidas em TAG até o final da sua gestão.

Sob esta ótica, a Instrução Normativa 91/22-TCU estabeleceu que todas as autoridades previstas no art. 264, do Regimento Interno do TCU4; além dos representantes das entidades previstas no art. 2º, da lei 13.848, de 25 de junho de 20195, e do próprio relator do processo, quando for o caso, poderão solicitar a solução consensual de eventual conflito.

A solicitação de solução consensual deverá conter a indicação do objeto, com a discriminação da materialidade, do risco e da relevância da situação apresentada; pareceres técnicos e jurídicos sobre a controvérsia, com indicação das dificuldades para resolução da demanda; menção à existência, se for o caso, de processo em trâmite no Tribunal de Contas da União; manifestação do interesse na solução consensual, quando se tratar dos casos em que o pedido tiver sido realizado pelos representantes das agências mencionadas no art. 2º, da lei 13.848, de 25 de junho de 2019.

O exame de admissibilidade do pedido será realizado pelo Presidente do Tribunal de Contas da União, após o parecer técnico a ser proferido pela recém-criada SecexConsenso, secretaria especializada criada para auxiliar tais casos, levando em consideração a relevância e urgência da matéria, a quantidade de processos de solução consensual de conflitos em andamento e a capacidade operacional disponível da Corte.

Neste tocante específico, há que se mencionar que, embora tenha sido levantada alguma controvérsia acerca da afronta ao Princípio do Juiz Natural (art. 5º, LIII, CF), ao nosso sentir, não se vislumbra qualquer violação, haja vista que se trata apenas de procedimento que visa uma solução consensual, hipótese na qual todos os envolvidos concordam com o encaminhamento adotado, não havendo atuação impositiva da Corte, cabendo ao relator regularmente sorteado, a análise efetiva do caso, sempre que restar frustrada a atuação ou ainda quando da análise da proposta formulada pela Comissão, consoante será exposto adiante.

Na hipótese de já existir processo em curso tratando do assunto, a solicitação será analisada em autos próprios, sendo posteriormente enviada ao relator, para que ratifique ou não, diante da conveniência processual.

A composição da Comissão de Solução de Controvérsias, ficará a cargo da Secretaria Geral de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, que escolherá um servidor da SecexConsenso, um servidor da auditoria especializada na matéria tratada e um representante de cada órgão ou entidade que tenha solicitado a utilização do procedimento, podendo, ainda, ser concedida a participação de particulares envolvidos no caso.

A Comissão poderá, também, desde que seja decidido por unanimidade, convidar para as reuniões, na condição de mero colaborador, especialistas sobre a matéria, o que, na prática, se o convidado for do setor privado, somente funcionará se as partes se dispuserem a pagas os honorários.

O prazo para conclusão da proposta de solução consensual da controvérsia será de noventa dias, podendo ser prorrogado por mais trinta dias, a critério do Presidente do Tribunal de Contas da União.

Caso haja concordância de todos os membros, em relação à proposta formulada, será concedida vistas ao Ministério Público de Contas, para parecer no prazo de quinze dias, retornando à Presidência da Corte para sorteio de relator.

O relator sorteado deverá analisar a proposta e submeter ao Plenário do Tribunal para análise, no prazo de trinta dias, podendo, caso autorizado pelo mesmo órgão, ser prorrogado por igual período.

O Plenário da Corte poderá acatar integralmente, rejeitar ou sugerir alterações na proposta, hipótese na qual a Comissão terá um prazo de quinze dias para se manifestar. Havendo discordância de um dos membros, o procedimento será arquivado.

A formalização da solução consensual será assinada pelo Presidente do Tribunal de Contas da União, bem como pelo representante máximo dos órgãos ou entidades envolvidas, sendo monitorado o cumprimento por meio de processo de monitoramento.

A Instrução Normativa 91/22-TCU apresenta ainda uma óbvia conclusão pela inviabilidade de interposição de recursos, em face da solução encontrada no mecanismo, dada a natureza dialógica do procedimento.

Note-se, portanto, que o faz um importante movimento no sentido de compreender que as demandas do mundo atual se tornaram extremamente complexas, necessitando de uma nova abordagem, agora multilateral, que possibilite uma maior efetividade no controle das contas públicas, ficando a principal crítica, relacionada à ausência de previsão formal e detalhada de confecção de Termo de Ajustamento de Gestão, assim como direcionada à notada posição restritiva dos sujeitos legitimados para solicitação do procedimento.

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1 Decreto n. 9.830/2019 (Alterou a LINDB)

Art. 13.  A análise da regularidade da decisão não poderá substituir a atribuição do agente público, dos órgãos ou das entidades da administração pública no exercício de suas atribuições e competências, inclusive quanto à definição de políticas públicas.

§1º A atuação de órgãos de controle privilegiará ações de prevenção antes de processos sancionadores.

2 Art. 36. No caso de conflitos que envolvam controvérsia jurídica entre órgãos ou entidades de direito público que integram a administração pública federal, a Advocacia-Geral da União deverá realizar composição extrajudicial do conflito, observados os procedimentos previstos em ato do Advogado-Geral da União.

[...]

§ 4º Nas hipóteses em que a matéria objeto do litígio esteja sendo discutida em ação de improbidade administrativa ou sobre ela haja decisão do Tribunal de Contas da União, a conciliação de que trata o caput dependerá da anuência expressa do juiz da causa ou do Ministro Relator.

3 http://www.diogoribeiroferreira.com.br/wp-content/uploads/2019/08/TAG-Res-04-2014.pdf. Acesso em 22.02.2023.

Art. 264. O Plenário decidirá sobre consultas quanto a dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência, que lhe forem formuladas pelas seguintes autoridades:

I - presidentes da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal; 

II - Procurador-Geral da República;

III - Advogado-Geral da União;

IV - presidente de comissão do Congresso Nacional ou de suas casas;

V - presidentes de tribunais superiores;

VI - ministros de Estado ou autoridades do Poder Executivo federal de nível hierárquico equivalente;

VII - comandantes das Forças Armadas.

§1º As consultas devem conter a indicação precisa do seu objeto, ser formuladas articuladamente e instruídas, sempre que possível, com parecer do órgão de assistência técnica ou jurídica da autoridade consulente.

§2º Cumulativamente com os requisitos do parágrafo anterior, as autoridades referidas nos incisos IV, V, VI e VII deverão demonstrar a pertinência temática da consulta às respectivas áreas de atribuição das instituições que representam.

§3º A resposta à consulta a que se refere este artigo tem caráter normativo e constitui prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto. 

5 Art. 2º  Consideram-se agências reguladoras, para os fins desta Lei e para os fins da Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000:

I - a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel);

II - a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP);

III - a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel);

IV - a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa);

V - a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS);

VI - a Agência Nacional de Águas (ANA);

VII - a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq);

VIII - a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT);

IX - a Agência Nacional do Cinema (Ancine);

X - a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac);

XI - a Agência Nacional de Mineração (ANM).

Parágrafo único. Ressalvado o que dispuser a legislação específica, aplica-se o disposto nesta Lei às autarquias especiais caracterizadas, nos termos desta Lei, como agências reguladoras e criadas a partir de sua vigência.

Andrei Aguiar

Andrei Aguiar

Sócio Aguiar Advogados. Presidente da Associação Brasileira de Advogados, Regional do Ceará.

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