Calma, Bet
O artigo destaca que a aproximação com as casas de apostas online é crucial para a prevenção de escândalos de combinação de resultados.
sábado, 18 de fevereiro de 2023
Atualizado às 10:37
Na última segunda-feira à noite, assisti ao clássico mineiro que tragicamente terminou empatado (mesmo com amplo e fácil domínio do Cruzeiro sobre o seu "rival"). Durante o sofrimento pelo empate, em um intervalo de apenas seis minutos, cinco empresas de apostas esportivas, todas com "bet" no nome, disputaram espaço na tela, seja nas camisas dos times, nas placas publicitárias, ou em propagandas no intervalo.
Ou seja, cinco concorrentes do mesmo setor, com "bet" no nome e marcas muito parecidas, investindo pesado na disputa pelo caro espaço de propaganda na TV. A popularidade das casas de apostas online é impressionante, especialmente no Brasil, e tem chamado atenção não só pelo porte de quem participa nas campanhas publicitárias, mas pela preocupação dos mais variados atores públicos com a falta de regulação.
Ao assistir um jogo de futebol, parecemos ter sido transportados para 40 anos atrás, quando todos os roqueiros nacionais se apaixonaram por uma terrível Elizabete e canalizaram sua frustração para a composição musical. Mal sabia a querida Bete que ninguém hoje consegue assistir um jogo sem dela lembrar. Bet balança o meu amor, mas vamos com calma, Bet.
Apesar de serem evidentes cases de empreendimentos bem-sucedidos que cativaram milhões de usuários, não há regulação de apostas online no Brasil. Lei e Decreto de 2018 haviam definido prazo prorrogado até dezembro de 2022 para criação de Decreto Regulamentador, mas nada foi apresentado até o momento.
Nos Estados Unidos, cabem aos estados regularem a legalidade e os parâmetros para apostas esportivas online (Nevada, mundialmente conhecida pelos seus cassinos, proíbe apostas online fora do órgão de controle local). Além disso, há legislação federal que exige controle pelas instituições financeiras das operações de entrada e saída para apostas online (Unlawful Internet Gambling Enforcement Act).
Existe uma questão mais emergencial que não necessariamente se relaciona à regulação bancária e o impacto sobre instituições financeiras: a proteção para que esses projetos tão bem-sucedidos e populares não sejam utilizados para lavagem de dinheiro, por menores ou incapazes, ou de qualquer outra forma em violação à lei brasileira. O Joãozinho, de 12 anos, deveria poder apostar com o celular? Se sim, como garantir a devida autorização pelos responsáveis e o monitoramento das operações?
Hoje, a maior parte dos grupos de apostas online é mantida via veículos de investimento fora do Brasil, e em alguns casos em países monitorados de perto pelo GAFI1 como jurisdições de alto risco de lavagem de dinheiro ou pouca transparência. Como os grupos estão organizados fora do Brasil, mas captam clientes e recursos daqui, não há fiscalização, por exemplo, de normas básicas sobre prevenção à lavagem de dinheiro, como rotinas de KYC (Conheça Seu Cliente), checagens de conflito de interesse e de PEP2, classificação de risco das operações, e tantas outras que são obrigatórias a outras operações financeiras realizadas em território brasileiro.
A aproximação com as casas de apostas online também é crucial para a prevenção de escândalos de combinação de resultados. No mundo do tênis, por exemplo, há vários casos de parcerias entre casas de apostas e unidades de integridade da ATP e de federações locais. A legitimidade dos resultados é fundamental para trazer e manter apostadores de boa-fé.
Precisamos fomentar o diálogo entre o setor - cuja importância econômica e social é inegável, especialmente para o financiamento do espetáculo esportivo - e nossas Casas Legislativas. Já há elogiosas iniciativas por representantes no Senado para iniciar a regulação, e quão maior for a participação dos grupos de apostas, melhor para todos os envolvidos. Olho neles.
Há um lugar confortável entre o excesso de intervenção e o atual faroeste; se alcançado, só favorecerá aqueles que atuam de forma correta, e evitará que potenciais clientes de boa-fé desistam de apostar no mercado.
Um pouco de amor não cansa.
______
1 GAFI/FATF: Grupo de Ação Financeira Internacional, cujas recomendações devem ser observadas conforme normas emitidas pelo COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
2 PEP ou PPE: Pessoas Politicamente Expostas (Resolução COAF 40/21).
Bernardo Viana
Advogado, professor, e presidente da Comissão de Prevenção à Lavagem de Dinheiro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo.