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A banalização da modulação de efeitos e a consequência contrária à sua justificativa

Ainda que superados todos os argumentos expostos, o mecanismo da modulação de efeitos foi criado para ser utilizado em situação excepcional, e agora, foi banalizado.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Atualizado às 14:22

A nova moda no ambiente jurídico-tributário é a adoção da modulação de efeitos temporais por parte dos Tribunais Superiores. Um instituto criado para garantir a segurança jurídica ou excepcional interesse social, que pode ser utilizado para restringir os efeitos da decisão.

Este artigo analisará a aplicação do instituto na área tributária, sem ter a pretensão de esvaziar o assunto.

O artigo 165 do Código Tributário Nacional garante ao contribuinte o direito à restituição do indébito, respeitado, à toda evidência, o prazo prescricional de cinco anos, disposto no art. 168 da mesma lei. Pela lógica, este prazo é retroativo, já que o exercício do direito alcança o indébito ocorrido dentro do prazo prescricional.

Com a leitura dos mencionados dispositivos, extrai-se que o CTN delineou os efeitos da restituição de indébito, atribuindo limites ao seu exercício, tratando-se de prazos de prescrição.

Dito de outra maneira, o contribuinte poderá reaver os valores pagos indevidamente ou a maior nos cinco anos que antecederam o exercício do seu direito.

Portanto, nos julgamentos de matérias tributárias, o direito do contribuinte não pode ficar sujeito à modulação de efeitos que impeçam a eficácia retroativa da decisão, tendo, como única possibilidade, a atribuição de efeitos "ex tunc" à decisão, sob pena de enriquecimento sem causa por parte do Estado, violação à regra da legalidade tributária, e o contribuinte ter arcado com uma tributação reconhecidamente inconstitucional ou ilegal.

Portanto, a ideia de modulação dos efeitos em matéria tributária, fundada na lei 9.868/99 ou no CPC, está em desacordo com a previsão específica do CTN. Conclui-se que, o CTN prevê regime específico e tratamento próprio para a eficácia da restituição tributária, exaurindo o assunto. Este direito consiste em garantia individual, que, ao invés de infirmar a segurança jurídica, confirma-a, sendo inalterável até por emenda constitucional.

Caso o leitor ainda não esteja convencido sobre a impossibilidade de modulação de efeitos às decisões tributárias, outros argumentos não escapam da fundamentação abaixo.

No ordenamento jurídico, este mecanismo está previsto no art. 27 da lei 9.868/99, e no art. 927, §3° do CPC.

Nas duas leis, o instituto tem a finalidade de garantir a segurança jurídica e o interesse social.

A lei 9.868/99 trata das ações declaratórias de constitucionalidade e ações diretas de inconstitucionalidade. Nestas hipóteses, para a aplicação da modulação de efeitos, por parte do Poder Judiciário, a lei não prevê um requisito preexistente ao julgamento. Nos demais casos, os Tribunais Superiores, para modularem os efeitos de uma decisão, devem observar uma condição preexistente ao julgamento, qual seja, jurisprudência contrária ao decidido, conforme o disposto no art. 927, §3° do CPC.

Ou seja, em controle concreto de constitucionalidade ou controle concentrado (excluídas as ações da Lei n° 9.868/99), ou tese julgada pelo rito dos recursos repetitivos, para a aplicação da modulação de efeitos a lei determina que esteja havendo uma modificação na jurisprudência.

Portanto, o que o STF faz, quando julga em controle concreto de constitucionalidade, além de banalizar o mecanismo, é ignorar completamente a condição prevista no art. 927, §3° do CPC.

Fazendo uma análise pormenorizada das finalidades que justificam a aplicação da modulação de efeitos, quais sejam, a garantia da segurança jurídica e o interesse social, tem-se que, no caso da segurança jurídica, a aplicação da modulação de efeitos tem efeito contrário à finalidade perseguida pela norma.

A Constituição Federal, no capítulo que trata das limitações ao poder de tributar, abriga a regra da estrita legalidade. Portanto, o controle de constitucionalidade, ao concretizar tal regra, consolida o princípio da segurança jurídica, fortalecendo a obediência à Constituição e inibindo a transgressão das normas que tratam da limitação ao poder de tributar. Logo, a aplicação da modulação de efeitos causa o enfraquecimento das normas positivadas pela Constituição, causando insegurança jurídica, e não segurança jurídica.

A outra justificativa que poderia ser adotada, pelos Tribunais, para aplicar a modulação de efeitos a um julgamento, também deve ser, de plano, totalmente descartada quando o julgamento tratar de matéria tributária.

A modulação de efeitos, sob uma perspectiva do interesse social, também não encontra respaldo. Isso porque a modulação de efeitos da decisão, em uma ação que visa recuperar os valores indevidamente recolhidos, é questão de justiça fiscal, ou seja, a limitação dos efeitos vai na via contrária ao interesse social. Em um cenário tributário, deve-se levar em conta a repercussão econômica da carga tributária que é repassada a toda sociedade, sendo, esta, portanto, afetada negativamente.

Além disso, a modulação de efeitos, da maneira que se têm utilizado dela, ou seja, sem critério definido, gera a corrida ao Poder Judiciário, por parte dos contribuintes. Primeiro, porque o instituto tem adotado, em cada caso, um critério distinto; uma hora utilizam como marco temporal o início do julgamento, depois utilizam o fim do julgamento, e assim por diante. Ou seja, além da aplicação da modulação de efeitos gerar insegurança jurídica, ao invés de evitá-la, também se distancia do interesse social, já que a insegurança e imprevisibilidade causa um aumento da judicialização, deixando o Poder Judiciário ainda mais lento, o que o torna ineficiente. Como o interesse social pode ter como consequência um judiciário ineficiente?

O Poder Judiciário tem adotado o argumento de que "a modulação visa combater tal espécie de corrida ao Poder Judiciário". Conforme exposto, este instituto tem causado o efeito contrário ao pretendido.

Com isso, o contribuinte se vê, cada vez mais, obrigado a litigar contra o Estado. Um empresário que antes questionaria os fundamentos jurídicos de determinada demanda tributária, agora judicializa a demanda como necessidade de equilíbrio concorrencial, tendo em vista as incertezas advindas do Judiciário.

Portanto, ainda que superados todos os argumentos expostos, o mecanismo da modulação de efeitos foi criado para ser utilizado em situação excepcional, e agora, foi banalizado, virando praxe nos julgamentos tributários, para tentar reduzir os impactos econômicos de uma tributação ilegal ou inconstitucional, por parte dos entes tributantes, o que prejudica, e muito, os contribuintes e a sociedade.

Gustavo Leite

VIP Gustavo Leite

Advogado no escritório Martins Freitas Advogados Associados.

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