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A coisa julgada e o novo posicionamento do STF

A Corte decidiu, por maioria, não modular a decisão, resta agora aguardar se haverá mudança de entendimento no julgamento dos embargos de declaração.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Atualizado às 07:47

No último dia 8 de fevereiro de 2023, o Supremo Tribunal Federal - STF finalizou o julgamento sobre "os efeitos das decisões do STF sobre a coisa julgada formada nas relações tributárias de trato continuado" (Temas 881 e 885); traduzindo: o STF definiu quais os efeitos de suas próprias decisões judiciais sobre os tributos devidos periodicamente.

O julgamento tão aguardado definiu a seguinte tese:

1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.

2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.

Após o julgamento, a Comissão de Valores Mobiliários - CVM emitiu uma Circular (1/23), já orientando as companhias abertas para que reflitam em suas demonstrações contábeis do exercício encerrado em 31/12/22, os impactos da recente decisão do STF.

Desde 2011, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), conforme Parecer PGFN 492, já defendia essa tese, ao pregar que as decisões com trânsito em julgado que disciplinam relações continuativas podem ser modificadas no caso de decisão posterior do STF em sentido contrário, desde que proferidas sob a sistemática de controle concentrado (ADI, ADC e ADPF) ou sob a sistemática da repercussão geral.

Segundo entendimento das autoridades fazendárias, a partir do novo julgamento estaria automaticamente permitida a cobrança imediata do tributo, mesmo que o contribuinte tenha em seu favor decisão transitada em julgado em sentido contrário, independentemente de ação rescisória.

A chamada relativização da coisa julgada, pretendida pelo Parecer PGFN 492, de 2011, sempre foi bastante questionada pelos contribuintes, sob os argumentos de afronta ao próprio instituto da coisa julgada, à segurança jurídica e ao estado democrático de Direito. Todavia, o STF agora confirmou tal posicionamento.

O julgamento certamente traz uma nova leitura da nossa sistemática processual que, desde 2015, impulsionou a vinculação dos precedentes judiciais, especialmente das decisões proferidas em sede de repercussão geral e sob o rito dos recursos repetitivos, no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, respectivamente.

A atual sistemática pretendeu garantir a segurança jurídica, positivando a uniformização da jurisprudência que, até então, era aplicada de maneira desordenada, anti-isonômica, em um cenário de total insegurança e falta de credibilidade.

Vale lembrar do emblemático voto do Ministro Humberto Gomes que refletia a realidade enfrentada pelos contribuintes nos tribunais brasileiros "nas praias de Turismo, pelo mundo afora, existe um brinquedo em que uma enorme bóia, cheia de pessoas é arrastada por uma lancha. A função do piloto dessa lancha é fazer derrubar as pessoas montadas no dorso da bóia. Para tanto, a lancha desloca-se em linha reta e, de repente, descreve curvas de quase noventa graus. O jogo só termina, quando todos os passageiros da bóia estão dentro do mar. Pois bem, o STJ parece ter assumido o papel do piloto dessa lancha. Nosso papel tem sido derrubar os jurisdicionados."¹

É evidente que a força e a importância conferida aos precedentes pelo atual Código de Processo Civil - CPC, de 2015, buscaram garantir segurança às relações jurídicas, impossibilitando desequilíbrios e desigualdades entre empresas e cidadãos. Ocorre que, antes disso, era comum que os contribuintes se beneficiassem de decisões individuais transidas em julgado, mesmo havendo decisão posterior dos Tribunais superiores em sentido contrário, exatamente porque nossa Constituição prevê como um direito fundamental que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."

Nesse sentido, o novo posicionamento do STF confere a compreensão de um novo e peculiar sistema, que se aproxima cada vez mais do commom law (força dos precedentes) e se distancia do civil law (positivismo estrito) vivido até então.

Houve, portanto, uma mudança significativa de paradigma, iniciada certamente com a entrada em vigor do CPC de 2015, mas ratificada agora com o posicionamento do STF.

Assim sendo, para garantir a segurança jurídica do sistema que, até então, valorizava as decisões judiciais individuais, é imprescindível que haja modulação da decisão proferida pela Corte Superior, para que seus efeitos tenham eficácia apenas a partir do novo julgamento.

No julgamento ocorrido, a Corte decidiu, por maioria, não modular a decisão, resta agora aguardar se haverá mudança de entendimento no julgamento dos embargos de declaração (recurso que ainda será julgado) ou se a Corte validará a famosa frase atribuída ao ex-ministro Pedro Malan de que "no Brasil até o passado é incerto".

Thais Folgosi Françoso

Thais Folgosi Françoso

Sócia do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados, responsável pelas áreas de contencioso tributário, procedimento administrativo tributário, compliance e direito do entretenimento.

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