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Temas 881 e 885 do STF voltam à cena: limitações à coisa julgada em matéria tributária

Maria Karolina Araújo e Thais Karoline F. de Medeiros

O impacto financeiro é, certamente, relevante e atingirá àqueles que, no passado, obtiveram sentenças favoráveis ao não recolhimento.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Atualizado às 07:45

O julgamento dos temas 881 e 885 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) é uma das maiores discussões tributárias da atualidade. A controvérsia gira em torno da quebra automática da decisão judicial, conferindo ao Fisco a possibilidade de retomar a cobrança de valores cuja discussão já tenha transitado em julgado e, inclusive, cujo prazo para ajuizamento de ação rescisória já tenha se esgotado. Em outras palavras, discute-se a possibilidade de reversão da coisa julgada em matéria tributária. O tema em questão foi submetido à análise do STF por meio de dois Recursos Extraordinários afetos à repercussão geral: o RE 955.227 (Tema 885), cujo relator é o Ministro Luís Roberto Barroso; e, o RE 949.297 (Tema 881), de relatoria do ministro Edson Fachin.

Enquanto o Tema 881 se debruça sobre as situações em que a Suprema Corte, em controle concentrado, decide pela constitucionalidade de tributo anteriormente declarado inconstitucional, o Tema 885 cuida das hipóteses em que as decisões proferidas pelo STF se dão em sede de controle difuso, afeto à sistemática da repercussão geral.

Em ambos os casos, o direito material discutido envolve a temática da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) que, na década de 1990, foi declarada inconstitucional em razão de não ter sido respeitado o rito legislativo necessário para a criação de um tributo, ou seja, sua criação não se deu por meio de lei complementar, conforme determina a Constituição Federal.

Em razão desse vício formal, muitos contribuintes conseguiram o reconhecimento da inconstitucionalidade da cobrança e, consequentemente, adquiriram o direito de não recolher o tributo em questão.

Ocorre que, em 2007, a análise da lei 7.689/89 chegou ao Supremo por meio da ADIn 15, cujo julgamento final considerou inconstitucionais os dispositivos impugnados pela ajuizante naquele caso e, pela via transversa, declarou a constitucionalidade de todos os demais artigos.

A partir daí, a União Federal adquiriu um salvo-conduto para exercer a cobrança da CSLL, inclusive, sobre aqueles contribuintes que já possuíam o seu direito ao não recolhimento amparado pela coisa julgada.

Esse é o plano de fundo que gerou a discussão cujo julgamento foi reiniciado em 1º de fevereiro de 2023, no Supremo Tribunal Federal.

Sob a ótica processual, o debate instaurado se preocupa, basicamente, em estabelecer a ponderação entre o efeito erga omnes ? que recai sobre algumas decisões judiciais ? e o direito à coisa julgada ? protegido por cláusula pétrea.

É que, sendo o efeito erga omnes uma realidade presente tanto no controle concentrado (discutido no RE 949.297) quanto no controle difuso submetido à repercussão geral (discutido no RE 955.227), questiona-se se essa aplicação "contra todos" alcançaria, inclusive, aqueles cujo direito já estivesse sedimentado sobre a coisa julgada.

Parece-nos clara a disposição constitucional do art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, que dispõe que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". Ou seja, se lei nova não tem o condão de alterar o direito amparado em coisa julgada, decisão judicial nova tampouco o teria.

Por outro lado, as relações jurídico-tributárias de trato continuado ? como é o caso daquela que recai sobre o recolhimento da CSLL ? talvez imponham certa cautela na aplicação do dispositivo supra, já que, a cada renovação sucessiva da obrigação, será estabelecida uma nova relação jurídica que deverá ser disciplinada conforme as regras vigentes naquele determinado momento.

Assim, para que a cada nova obrigação sucessiva seja conferido o mesmo tratamento que recaiu sobre as obrigações anteriores, é necessário que as condições ? de fato e de direito ? que motivaram aquele tratamento permaneçam as mesmas.

O grande argumento fazendário no caso parte daí, e arremata que, no momento em que foram proferidas as decisões individuais reconhecendo o direito ao não recolhimento da CSLL para aquele contribuinte em específico, existia uma inconstitucionalidade na lei criadora do tributo que restou sanada após o julgamento da ADIn 15 pelo STF.

Ou seja, do ponto de vista fazendário, as razões de fato e de direito que motivaram as decisões individuais foram alteradas, devendo ser modificado, também, o tratamento a ser dado às "novas" obrigações decorrentes da relação jurídico-tributária de trato sucessivo a partir de então.

Sob a ótica do contribuinte, existe um questionamento sobre a real alteração do substrato fático-jurídico, capaz de conferir tratamento diverso ao recolhimento da CSLL a partir do julgamento da ADIn 15.

É que, no deslinde da referida ação direta, não foram analisadas as questões que motivaram o reconhecimento da inconstitucionalidade da CSLL nos casos com efeito inter partes. Tampouco houve qualquer alteração posterior na lei 7.689/89 capaz de sanar os vícios apontados pelos contribuintes que obtiveram o direito ao não recolhimento da contribuição.

O julgamento da controvérsia foi iniciado ainda em plenário virtual, quando, em 22 de novembro de 2022, o ministro Edson Fachin realizou pedido de destaque e levou a discussão para a sessão presencial, marcada para a primeira semana de fevereiro.

O encaminhamento da discussão para o plenário físico reiniciou a votação, fazendo com que todo o julgamento voltasse à estaca zero.

O julgamento foi finalizado na quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023, consolidando-se em favor da tese fazendária para acolher a possibilidade de "quebra" da coisa julgada tributária. No que diz respeito à modulação, a maioria da Corte acompanhou o voto do ministro Luís Roberto Barroso, relator do RE 955.227, afastando a aplicação deste mecanismo ao caso.

De tal modo, a partir de agora, a Fazenda Nacional pode exigir valores relativos à CSLL, inclusive, sobre períodos passados, desde o julgamento da ADIn 15, finalizado em 2007.

O desfecho do caso provoca um impacto financeiro significativamente negativo às empresas que, por contarem com decisão judicial desobrigando-as do pagamento de determinado tributo, deixaram de efetuar o recolhimento.

É que a ausência de recolhimento desde 2007 agrega vultosos valores de juros e multa à conta, que chega à casa dos bilhões em favor da União.

O impacto financeiro é, certamente, relevante e atingirá àqueles que, no passado, obtiveram sentenças favoráveis ao não recolhimento. A maior perda, no entanto, alcança todos os contribuintes sob a égide do diploma constitucional, e atinge valor que não se exprime monetariamente: a segurança jurídica, maculada e, mais uma vez, derrotada pela arrecadação.

Maria Karolina Araújo

Maria Karolina Araújo

Colaboradora da Área Tributária do escritório Martorelli Advogados.

Thais Karoline F. de Medeiros

Thais Karoline F. de Medeiros

Sócia e advogada especialista em Direito Tributário do escritório Martorelli Advogados.

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