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A cláusula de arbitragem no contrato de trabalho do empregado hipersuficiente

Ainda controvérsia quanto à validade da cláusula compromissória de arbitragem no contrato de trabalho. No entanto, mais que discutir a validade, é preciso refletir acerca da viabilidade prática de tal cláusula e em quais circunstâncias seria uma ferramenta realmente eficaz.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Atualizado às 14:06

1. Introdução: o art. 507-A da CLT

Uma das novidades trazidas pela Reforma Trabalhista (lei 13.467/17) foi a figura do "empregado hipersuficiente", este entendido como aquele comprovadamente formado em curso de ensino superior e que perceba salário mensal em valor, no mínimo, equivalente a duas vezes o limite máximo dos benefícios da Previdência Social, conforme define o parágrafo único do art. 444 da CLT .

Inovou também a lei 13.467/17 ao incluir no texto celetista o art. 507-A , que prevê a possibilidade de adoção da cláusula compromissória de arbitragem nos contratos de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios da Previdência Social, desde que por iniciativa ou com concordância expressa do empregado.

Em um ramo do Direito guiado por princípios garantidores (princípio protetor, princípio da irrenunciabilidade, vedação ao retrocesso social e outros correlatos) como é o Direito do Trabalho, que conta, ainda, com uma Justiça Especializada conservadora e significativamente protetiva do trabalhador em geral, pode não ser tarefa simples estabelecer um parâmetro de plausibilidade para utilização da cláusula compromissória de arbitragem em contratos de trabalho, seja do ponto de vista da sua validade bem como quanto à sua viabilidade prática.

O debate sobre o tema não é novo na seara trabalhista e o art. 507-A da CLT fez aquecer a discussão sobre a compatibilidade entre o Direito do Trabalho e a arbitragem, como se verá a seguir.

2. Breves considerações sobre Arbitragem e o Direito Individual do Trabalho

Historicamente muito se debate sobre a compatibilidade ou não da arbitragem com o Direito Individual do Trabalho, na medida em que os direitos trabalhistas, em sua imensa maioria, são classificados como direitos indisponíveis, o que, em princípio, colide frontalmente com a hipótese de cabimento da arbitragem, destinada pela lei 9.307/96, em seu art. 1º, para solucionar conflitos relacionados a direitos patrimoniais disponíveis .

Na doutrina, prevalece a posição acerca da incompatibilidade da arbitragem com o Direito Individual do Trabalho, baseada, em geral, justamente na natureza dos direitos trabalhistas, que decorrem de normas de ordem pública, imperativas, o que os tornam irrenunciáveis, bem como considerando a posição de vulnerabilidade do empregado em relação ao empregador, além do fato de não haver previsão legal (ao menos antes da entrada em vigor da lei 13.467/17) que autorize.

Lado outro, doutrinadores que admitem a possibilidade de utilização da arbitragem para solução de conflitos individuais na seara trabalhista, o fazem em posição diametralmente oposta, entendendo que embora não haja previsão que autorize, também não há na legislação constitucional ou infraconstitucional nenhuma vedação expressa à escolha da arbitragem para solucionar esse tipo de conflitos. Tal corrente defende, ainda, que direitos indisponíveis não se confundem com direito irrenunciáveis, como ensinam LEÃO e MANUS, pelo fato de que tal irrenunciabilidade não é absoluta, pois ligada diretamente à vulnerabilidade e hipossuficiência do empregado, que varia conforme o momento temporal da relação contratual.

Já a jurisprudência trabalhista se consolidou ao longo dos anos, no sentido de não admitir o instituto da arbitragem como forma alternativa para solução de conflitos individuais de trabalho, com fundamento também no desequilíbrio existente entre as partes contratantes e a indisponibilidade e irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas .

No entanto, como citado, a Reforma Trabalhista veio reaquecer o debate, justamente pela inclusão do art. 507-A da CLT, o que nos desafia avaliar se tal disposição pode levar a alteração do entendimento predominante na doutrina e jurisprudência.

3. Validade da cláusula de arbitragem para o empregado hipersuficiente

Embora exista quem sustente que o art. 507-A da CLT seria inconstitucional por afrontar normas sociais previstas nos arts. 6º e 7º da CF/88, cotejando todos os argumentos favoráveis e contrários, parece não haver dúvida sobre a validade, do ponto de vista legal, da cláusula de arbitragem no contrato de trabalho, exclusivamente na hipótese o art. 507-A da CLT. Fora do âmbito do contrato de trabalho do hipersuficiente, portanto, a adoção da cláusula de arbitragem em contrato não teria validade.

De qualquer modo, para ter validade a citada cláusula, não basta o status de "hipersuficiente" atribuído ao empregado. É preciso que todos os requisitos exigidos pelo art. 507-A da CLT sejam atendidos, quais sejam: (i) empregado auferir remuneração superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social e (ii) cláusula de arbitragem incluída por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa.

Além desses, pode-se estabelecer ainda um terceiro requisito, de natureza temporal: que adoção da cláusula de arbitragem, por iniciativa ou com anuência do empregado, tenha ocorrido após a entrada em vigor da lei 13.647/17 (já que antes não havia base legal para tanto).

O requisito do patamar remuneratório, embora não seja o mais adequado, caracteriza-se como exigência objetiva, de modo que as disposições do art. 507-A só se aplicam aquele contrato cuja remuneração atingir o patamar mínimo indicado.

A questão da manifestação de vontade do empregado exige maior atenção. Interpretação literal da disposição do art. 507-A leva à conclusão de que a manifestação expressa de concordância do empregado se dá com a assinatura do contrato de trabalho ou, ainda, com assinatura de aditivo ao contrato, onde conste a cláusula compromissória de arbitragem.

No entanto, resta apurar se na assinatura do contrato ou na celebração do aditivo contratual, o empregado está em posição de expressar livremente sua vontade e anuência à cláusula.

A tal respeito, até mesmo a doutrina que defende a compatibilidade entre a arbitragem e o direito individual do trabalho tem ressalvas. Paulo Sérgio Leão e Pedro Paulo Teixeira Manus  posicionam-se no entendimento de que, com o estado de subordinação e submissão na admissão e na mantença do contrato de trabalho, mesmo o empregado hipersuficiente não estaria em condições de exercer e manifestar livremente sua vontade, o que somente seria possível após a rescisão do contrato quando, sustentam os professores, o estado de dependência desaparece.

Para tais eminentes professores, com o estado de subordinação e submissão na admissão e na mantença do contrato de trabalho, mesmo o empregado hipersuficiente não estaria em condições de exercer e manifestar livremente sua vontade, o que somente seria possível após a rescisão do contrato quando, sustentam os professores, o estado de dependência desaparece.

Sustentam até mesmo que os direitos que eram indisponíveis na vigência do contrato, incorporam-se ao patrimônio do empregado após a rescisão do contrato, tornando-se, portanto, disponíveis, o que levaria ao afastamento de qualquer incompatibilidade que se possa vislumbrar entre o direito individual do trabalho e o disposto do art. 1º da lei 9.307/96.

Embora se vislumbre fundamento relevante nessa interpretação, tem-se que o intuito do art. 507-A não é o de relegar a opção pela cláusula de arbitragem para após a rescisão do contrato pois, se assim fosse, teria feito menção expressa à ruptura contratual como o momento da manifestação da vontade do empregado. Não tendo a legislação tratado a respeito, não nos parece adequado adotar interpretação extensiva.

Embora relativamente recente, a hipótese do art. 507-A da CLT vem sendo admitida pela jurisprudência, exclusivamente, se atendidos os requisitos que a própria disposição legal elenca (acima tratados), sem qualquer ressalva quanto ao momento temporal de manifestação da vontade do empregado, bastando que haja tal manifestação .

Forma cautelosa de se formalizar a manifestação expressa do empregado de opção pela cláusula de arbitragem seria colhê-la em termo próprio, apartado do contrato de trabalho, no qual o empregado declare ciência e compreensão do instituto da arbitragem e das consequências desta opção alternativa. Tal medida pode, em tese, mitigar riscos e questionamentos quanto à efetividade da manifestação da vontade do trabalhador na contratação e vigência do contrato.

Desse modo, restando clara a validade da opção dos contratantes, pela cláusula de arbitragem, no âmbito do contrato de trabalho do hipersuficiente, é de relevo pensar se, mesmo válida, é viável do ponto de vista prático que as partes, empregado e empregador, adotem tal meio alternativo de solução de conflitos.

4. Viabilidade prática da utilização da Arbitragem Trabalhista

Apesar de existirem fortes argumentos que encorajariam os contratantes a firmar a cláusula compromissória de arbitragem - dentre eles, pode-se citar a irrecorribilidade da decisão, a rapidez na obtenção da solução, por exemplo - há dúvidas razoáveis quanto a viabilidade prática do uso dessa forma alternativa de solução de conflitos.

A realidade das relações de emprego no Brasil, mesmo no âmbito do contrato do hipersuficiente, parece não dar margem para soluções alternativas de conflitos. Isso se deve, em parte, pelo perfil do trabalhador brasileiro que, no geral, é marcado por alta litigiosidade, mas também porque o socorro da Justiça do Trabalho é o único caminho realmente conhecido pelo trabalhador. O instituto da arbitragem - como forma alternativa de solução de conflitos - não tem alcance e penetração na maior parte da população. A sociedade não conhece, não sabe como funciona e, se conhece, não tem certeza se pode confiar. Como falar, então, em livre manifestação de vontade do trabalhador em adotar a cláusula de arbitragem?

Tem-se também como obstáculo os custos que envolvem a instauração de um procedimento arbitral que, no mais das vezes, são significativamente mais onerosos do que o acesso ao Poder Judiciário.

Não se pode ignorar, ainda, na perspectiva do empregador, a existência de risco de o empregado, insatisfeito com a sentença arbitral, buscar sua anulação junto ao Poder Judiciário, alegando ter ocorrido vício de consentimento. Ainda que inexistente o vício e que a Justiça do Trabalho não intervenha no tema, o simples fato de haver uma demanda judicial, posterior a uma sentença arbitral no âmbito de uma relação contratual na qual as partes livremente optaram pela cláusula de arbitragem, já serve como alerta e, talvez, como desestímulo para a adoção do caminho alternativo da arbitragem.

Como sustenta Georgenor de Sousa Franco Filho, é preciso uma evolução relevante em termos de dar conhecimento e difundir o instituto da arbitragem na sociedade, conscientizar as partes, preparar adequadamente bons árbitros para atuação na arbitragem trabalhista, enfim, criar meios para o uso seguro da arbitragem como forma de solução de conflitos trabalhistas.

Parece-nos que o uso do instituto da arbitragem possa funcionar, de plano, para um nicho específico: altos empregados que, além de estarem enquadrados nos requisitos da "hipersuficiência", ocupem altas colocações, como Diretores e Executivos que, obviamente, tem um perfil que os afasta do padrão médio do empregado e para os quais a manifestação de vontade possa ser considerada inequívoca e livre de dúvida.

5. Conclusão

Diante de todo o exposto, é possível concluir que, se antes controvertida a questão, com o advento do art. 507-A da CLT, a arbitragem passou a ser, efetivamente, uma opção válida e legítima para solução de conflitos trabalhistas, aplicável, exclusivamente, ao contrato de trabalho do empregado hipersuficiente, que manifesta livremente opção pela adoção da arbitragem, posteriormente à entrada em vigor da lei 13.467/17.

Tal manifestação de vontade pode ser encontrada na própria assinatura do contrato de trabalho ou em aditivo de contrato pré-existente, firmado a partir de 11/11/17, sendo que, de forma cautelosa, seria interessante que o empregado outorgasse sua manifestação expressa de anuência em termo próprio e apartado, declarando sua compreensão sobre todos os aspectos que envolvem a adoção da cláusula compromissória de arbitragem.

Do ponto de vista prático, o cenário atual das relações de emprego indica o uso da arbitragem para uma categoria diferenciada de empregado hipersuficiente que, além de atender os requisitos do art. 507-A, tenha características e perfil que fujam do padrão médio do empregado.

Fora desse perfil "ultra hipersuficiente", é inevitável pensar que o espectro social tal como é hoje no Brasil não está preparado para o uso consciente da arbitragem. Para que isso ocorra, será preciso pavimentar um caminho seguro, através da disseminação do conhecimento, popularização do tema, enfim, construir um novo cenário favorável no qual o instituto da arbitragem possa ser utilizado de forma ampla, plena e segura pelos contratantes no âmbito da relação de emprego.

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BATISTA, Homero. Direito do Trabalho Aplicado. Vol. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.

JOÃO, Paulo Sérgio; MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Formas alternativas de solução dos conflitos do trabalho. Revista de Direito do Trabalho, vol. 206/2019, p. 45/65, Out/2019. Disponível em: https://revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad82d9a000001819b3df7167f79b847&docguid=Ic59d7150d51511e99b81010000000000&hitguid=Ic59d7150d51511e99b81010000000000&spos=1&epos=1&td=2&context=8&crumb-action=append&crumb-label=Documento&isDocFG=false&isFromMultiSumm=&startChunk=1&endChunk=1# Acesso em 23 de jun. de 2022.

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BENEVIDES, Camila Martins dos Santos; VILLATORE, Marco Antônio César. A Reforma Trabalhista e a utilização da Arbitragem como forma de resolução de conflito trabalhista para cumprir função pacificadora perante as modificações econômicas, sociais e culturais. Revista de Direito do Trabalho, vol. 201/2019, p. 169/183, Maio/2019. Disponível em: https://revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad82d9a000001819b47ec06eb63ac29&docguid=I79da18a05b4811e9b34e010000000000&hitguid=I79da18a05b4811e9b34e010000000000&spos=1&epos=1&td=1&context=76&crumb-action=append&crumb-label=Documento&isDocFG=false&isFromMultiSumm=&startChunk=1&endChunk=1. Acesso em 23 de jun. de 2022.

Roberto de Faria Miranda

Roberto de Faria Miranda

Advogado, com LL.M em Direito do Trabalho pelo INSPER (cursando). MBA em Direito Empresarial pela FGV. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC-Campinas, com atuação em contencioso e consultoria trabalhista empresarial estratégica há mais de 20 anos. Sócio responsável pela área trabalhista e Gestor de Capital Humano do GHBP Advogados.

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